|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
De saída, Cesar Maia afirma que tem desempenho melhor que de Lacerda
Prefeito mais longevo do Rio dá nota 4 ao seu terceiro mandato, apóia Serra para presidente e tem como opção futura dar aula na Espanha à espera de candidatura ao Senado ou ao governo do Estado
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Se a vida é sonho, e a vida de
Cesar Epitácio Maia amalgamou-se a um pragmatismo proverbial, nem nos seus sonhos o
prefeito da cidade do Rio de Janeiro se liberta das decisões e
dos despachos que consomem
as 19 horas diárias em que permanece acordado.
Ele conta que no ano passado
desatou, enquanto dormia, o nó
que o apoquentava: o reajuste
salarial de engenheiros e arquitetos do município. "Acordei
com o decreto pronto na cabeça", recorda. Durante o sono,
equações matemáticas são encaradas -e solucionadas-, diz.
Na madrugada de uma quarta-feira do começo de dezembro, o prefeito que mais tempo
governou a antiga capital do
país sonhou com a medida que
tomara na véspera, de desligar
à noite os pardais, aparelhos
eletrônicos que fiscalizam a velocidade dos automóveis.
"Potencializei no sonho uma
reação negativa, costume dos
últimos meses, daquilo que eu
estava fazendo", disse horas depois à Folha, na sede administrativa da prefeitura -o Piranhão, como os cariocas alcunharam o edifício erguido em
uma antiga zona de meretrício.
O sonho não decorria de delírio persecutório. Aplausos aos
seus atos rarearam à medida
que se acercou do fim do seu
mandato, o terceiro, no arremate do ciclo de 12 anos de gestão (1993-1996; 2001-2008).
São 16 anos, se somado o
quadriênio de Luiz Paulo Conde (1997-2000), o desconhecido ex-secretário que Cesar
Maia ungiu sucessor, no que o
lugar-comum designa "eleger
um poste". Invenção veio a
romper com inventor, mas na
essência estilo e equipe administrativa se mantiveram.
Nessas quase duas décadas,
Cesar -como o prefeito é chamado, assim como Itamar
Franco é Itamar, e não Franco- tocou obras como a Linha
Amarela (via que une as zonas
norte e oeste) e o estádio Engenhão. Comandou projetos como o Rio-Cidade, que remodelou grandes áreas, e o Favela-Bairro, modelo internacional.
Chegou a ser apontado como
vocação inequívoca para o Executivo, catedrático do marketing político e postulante promissor à Presidência.
Na despedida, contudo, assemelha-se à construção que no
futuro deve ser associada a ele
como o Sambódromo é ao governador Leonel Brizola (1922-2004): acumulam-se apupos à
Cidade da Música, que Cesar
compara ao mausoléu indiano
Taj Mahal e cujos detratores
condenam como monumento
ao desperdício (custo de ao menos R$ 518 milhões).
Na segunda quinzena de outubro, meros 22% dos moradores do Rio consultados pelo Datafolha aprovavam sua gestão
(avaliações ótimo e bom). Ao
fim do primeiro mandato,
eram 52%. Do segundo, 61%.
O político que alardeia jamais ter apoiado perdedor em
pleito local viu sua candidata,
Solange Amaral (DEM), definhar em quinto lugar, aquém
dos 4% dos votos. Ele fugiu de
campanha na zona sul, temeroso da aversão contra si na área
mais rica da cidade, onde a
classe média pulula. O eleito foi
Eduardo Paes (PMDB), outra
cria sua que o abandonou.
Cesar aposta que algum dia
as análises retrospectivas lhe
serão generosas. Julga ter sido
melhor prefeito que Carlos Lacerda (1914-77), o governador
da Guanabara (antiga denominação do município do Rio) na
primeira metade da década de
1960, ainda hoje evocado como
governante inspirado.
O que provocou, nas suas palavras, o "desgaste de imagem"? Para um político que dá
duro até em sonho, a busca pela
resposta se tornou obsessiva.
Vaias
Enquanto arrumava cerca de
300 caixas com papéis que coleciona desde 1968, ano em que
foi preso no congresso da
União Nacional dos Estudantes, o prefeito matutou sobre o
que saiu errado.
Como ele anota, contratempos e tropeços não lhe faltaram
antes, como um temporal digno de romance de García Márquez (1996), uma epidemia de
dengue (2002; outra sobreviria
em 2008) e a intervenção federal na saúde (2005).
Nos estertores de 1993, 9% o
aprovavam. Cesar, porém, lograva a volta por cima. De 2007
para cá, para cima se consolidou a flecha da reprovação.
Sua conclusão: "O Pan-Americano foi um sucesso para a cidade. Do ponto de vista da ação
do governo, foi o elemento de
desintegração da imagem".
O prefeito inventaria: quando a candidatura do Rio venceu, os Jogos previstos eram
modestos; no meio do caminho, o Comitê Olímpico Brasileiro sugeriu grandiloqüência,
com a ambição de sediar a
Olimpíada; o Estado gastou
pouco, e a União entrou tarde
na operação; a prefeitura, "que
tem capacidade de investimentos com recursos próprios de
R$ 700 milhões por ano, em
dois anos desembolsou R$ 1 bilhão" com o Pan.
O dinheiro que faltou para a
fatura oriunda da competição
foi subtraído de outras frentes.
"Tive que derrubar as despesas", afirma Cesar. A conservação da cidade piorou.
"Perdemos qualidade, o que
permitiu que a crítica ao governo, injusta, fosse absolutamente certa. A imagem [ruim] estava construída, lastreada em razões efetivas." Por que, então,
injustiça? "Deviam ter me dado
uma carência."
Tabela da prefeitura mostra
que, enquanto o crescimento
real das receitas bateu 8,2% no
período de um ano encerrado
em outubro, nos mesmos 12
meses as despesas despencaram -era dinheiro para saldar
compromissos do Pan.
O prefeito lembra elogios das
autoridades desportivas ao
evento: "Estou pensando que
fiz um gol, corro para a galera, a
galera vai me abraçar. Quando
chego à galera, ela está vaiando.
Mas é uma questão que se dilui
no tempo com rapidez".
Nota 8
A dimensão histórica de Cesar Maia e suas perspectivas estão ligadas à percepção sobre
seu desempenho como prefeito. Ele concede 10 "com louvor"
ao seu primeiro governo, 10 ao
segundo e 4 ao terceiro ("sofrível, porque quebrado pelo
Pan") -em outubro, no Datafolha, os eleitores lhe deram nota
4,3. Na média, 8.
Como Carlos Lacerda, Cesar
iniciou no comunismo e se moveu para a direita. No DEM, ex-PFL, o prefeito se tem como
"social-democrata-liberal". Do
antigo governador, diz guardar
amor e ódio. "Amo o governador e odeio o político."
Cesar premia com um 10
"com louvor" o desempenho de
Lacerda na administração. Em
infra-estrutura urbana, 10
"sem louvor". Como "estrategista do desenvolvimento econômico", nota zero.
"Ele imaginou, uma falha
gravíssima, que o fundamental
seria o relançamento industrial
do Rio." A cidade, acredita, deveria se voltar para os serviços.
Incluindo outros itens, Cesar
cravou 6 de média para Lacerda, em cujo governo (1960-1965) nasceram o aterro do Flamengo e a adutora do Guandu,
decisiva para o abastecimento
de água. Foi mesmo melhor
que Lacerda? "Não tenha dúvida." No balanço sincero da história, considera Pedro Ernesto,
prefeito nos anos 1930, o melhor de todos.
Além do seu desempenho como gestor, Lacerda ficou na
memória como um entusiasta
de golpes -da Intentona Comunista de 1935 ao movimento
militar de 1964, passando pela
morte de Getúlio Vargas em
1954. Ignora-se o que sobreviverá do empenho de Cesar para
aparecer na mídia a qualquer
preço na sua primeira gestão.
Ele cumprimentou os ossos
de um dinossauro em museu,
prometeu os Beatles em Copacabana, decretou luto pela
morte de um macaco, estendeu
o horário de verão. Assegura
que não pediu sorvete em açougue, apenas indagou onde poderia comprar um. Ao notar o
mal-entendido, deu corda.
"Não contrariei a notícia que
me interessava, aquele negócio
de maluco. [...] Comecei a construir fatos. Eu fazia combinação com um fotógrafo. Eu dizia:
"Vou te arranjar uma fotografia
aqui. Você se prepara que vai
ser aquela para arrebentar". Aí
tinha um favelado tomando banho, eu jogava um balde de
água na cabeça dele."
Tudo porque descobrira que
"ninguém sabia quem era o
prefeito". Eram os factóides,
"explodindo as imagens para
produzir noticiário". Sem cerimônia, Cesar contaria que espalhou gente pelas ruas para
disseminar o boato de que um
político adversário desistira de
uma eleição. Ou que chutava
números para impressionar.
Nem tudo mudou. Em sua
newsletter, o prefeito trombeteou que seus estudos projetavam o mínimo de 15% de votos
para Solange. Na verdade, revela hoje, esse era o teto. "Entrei
na campanha sabendo que a
gente tinha perdido."
Passado e futuro
Com a derrota, Cesar não sabe o que será o porvir. Diz que
pode passar dois anos dando
aulas em Madri sobre administração pública. Em 2010, sair
para senador ou governador.
Em 2012, tentar o quarto mandato ou, cenário sombrio, lançar-se para vereador.
Recomeçar por baixo talvez
fosse uma tragédia para um
passional, não para um pragmático. Cesar militou na luta
armada contra a ditadura militar, foi preso, exilado, retornou
e em 1983 tornou-se secretário
da Fazenda de Brizola. Foi um
dos muitos dissidentes do brizolismo que prosperaram.
Agora, encarna a árvore cujos
galhos se rebelam e superam o
tronco original -como no caso
de Paes. Está com José Serra
(PSDB) para presidente.
Indagado sobre seu sumiço
das ruas, confirma que sai menos, porque tem 63 anos, e não
os 47 da estréia como prefeito.
Provocado sobre um possível
desencanto com a administração, responde por 1 hora e 15
minutos, em entrevista de quatro horas, e nega a impressão.
Sua solidão pessoal é metáfora do isolamento político. Da
solidão, ele não reclama: "Não
posso, porque gosto. Gosto de
estar em casa com a minha mulher. Nunca fui a boate. Raramente vou jantar fora. O meu
hábito me dá prazer".
Noutro dia, Mariangeles
Maia, a chilena com quem ele
se casou no exílio, zapeava a
TV. Ao ver Paulinho da Viola, o
prefeito pediu para ela parar.
"Vamos ver se ele fala mal de
mim" -no passado, o compositor protestou contra o cachê de
um show de Réveillon. Cesar se
reconheceu: "Perguntam ao
Paulinho: "Você vive do passado?" Paulinho responde: "Não, o
passado vive em mim". Aquela
resposta foi muito forte".
Texto Anterior: STF quer ouvir Chinaglia sobre PEC barrada Próximo Texto: Elio Gaspari: O exame do Ipea reprova seu comissariado Índice
|