São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO/ANÁLISE

Enfraquecimento de ministro -estrategista e um dos responsáveis pela chegada do partido ao poder- deixaria governo refém de aliados

Desgaste de Dirceu favorece liberais do PT

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Independentemente do afastamento ou não do cargo, o enfraquecimento político do ministro José Dirceu (Casa Civil) assusta dirigentes petistas de peso. Reservadamente, eles prevêem o enfraquecimento do PT na correlação de forças dentro do governo e nas alianças com os partidos aliados no Congresso e nas eleições.
A primeira conseqüência é o fortalecimento da chamada "direita" do governo. Leia-se: a equipe econômica, especialmente dois auxiliares do ministro Antonio Palocci Filho. Esses auxiliares são o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e o secretário especial de Política Econômica, Marcos Lisboa. Os dois são vistos no PT e em setores do próprio governo como conservadores que fazem a cabeça de Palocci.
Já Dirceu era tido pelos setores moderados e radicais do PT como o nome do governo que buscava preservar as bandeiras do partido na economia e na política.

Estrategista
Reconhece-se que foi o estrategista que fechou alianças fundamentais para a chegada da legenda ao poder central. Antes do caso Waldomiro Diniz, a esperança dessas alas do PT era que Dirceu liderasse com vigor o movimento para levar o governo mais para a "esquerda" após um ano de forte rigor fiscal e monetário.
Com Dirceu e Palocci nos postos-chave, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva montou um sistema de freios e contrapesos para definir as diretrizes do governo. O enfraquecimento de Dirceu desequilibra esse mecanismo.
É óbvio que o enfraquecimento de Dirceu e do governo por conseqüência é também ruim para Palocci, mas a área econômica tem mais espaço para receber blindagem do presidente contra eventuais pressões dos aliados. Deve ser levado em conta também que vieram do PT as maiores críticas à política econômica do ministro da Fazenda.

Dívidas
A segunda conseqüência é que o partido e o governo ficarão devendo muitas obrigações aos aliados a fim de abafar a crise política desencadeada pelo caso Waldomiro. Os aliados cobrarão mais cargos federais nos Estados e em Brasília, além de mais concessões dos candidatos do PT nas eleições municipais de outubro.
Homem da confiança de Dirceu, Waldomiro aparece em vídeo gravado em 2002 pedindo propina e contribuição de campanha a um empresário do ramo do bingo (Carlinhos Cachoeira). Na época, Waldomiro presidia a Loterj (Loteria do Estado do Rio), no governo Benedita da Silva (PT). Em 2003, já na Subchefia de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, Waldomiro se reuniu com Cachoeira e representantes de empresa interessada em renovar contrato com o governo federal.
Pela trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o discurso histórico do PT, que sempre empunhou a bandeira da ética na política como diferencial em relação aos outros partidos, será mais oneroso enterrar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Congresso do que nos governos passados.
Exemplo: o PMDB, que recebeu do governo comunicado de que seria apressada a entrega de cargos prometidos na reforma ministerial, fez jogada inteligente. Disse que a pressa não se justificava porque a legenda, uma confederação de caciques regionais que não sobrevive fora do poder, deseja evitar a imagem de agremiação fisiológica e chantagista. Na prática, o PMDB vai esperar o fim da tempestade para cobrar mais caro na bonança.
Incomoda o PT a dependência do governo em relação a dois nomes que o partido combateu historicamente: os senadores José Sarney (PMDB-AP), presidente do Congresso, e Antonio Carlos Magalhães (BA), líder da banda governista do PFL. Deputados do PT, por exemplo, sentiram-se constrangidos ao ver ACM na linha de frente da defesa de Dirceu.

O futuro de Dirceu
Especificamente sobre Dirceu, a avaliação da cúpula do PT é que ele jamais voltará a ser tão poderoso como era. Alguns caciques chegam a dizer que ele pode até se recuperar para desempenhar o papel de gerente do governo, mas emendam uma observação ferina: dificilmente concorrerá a cargos majoritários.
Traduzindo: está fora da disputa pelo governo paulista em 2006 e provavelmente não será lembrado para disputar a Presidência pelo partido.
Julga-se que ele terá o emblema do caso Waldomiro, pagando o preço de ter levado um acusado de corrupção para a vital posição de negociador do governo com o Congresso.

Cenários da crise
Assim como o governo, o PT conta com o efeito do recesso prolongado de Carnaval e das medidas duras contra os bingos para minimizar o desgaste com o caso Waldomiro. Nesse tempo, será avaliada a conveniência de Dirceu se afastar temporariamente do cargo -a solução Henrique Hargreaves, ministro do governo Itamar Franco que deixou o posto e retornou depois de esclarecer formalmente as acusações que pesavam contra ele.
Manter Dirceu é a hipótese com mais adesão hoje na cúpula do PT e do governo, apesar de no cenário de extrema gravidade Lula aventar substitutos. Ainda não há decisão de Lula e outros nomes podem surgir, mas, no caso de substituição temporária, pensa-se em Palocci, operação complicada por afetar a área econômica, e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica).
Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência negou que Gushiken seja cogitado para substituir Dirceu. Palocci classificou o assunto como "boatos".
O afastamento, porém, poderia assustar a oposição e resultar numa trégua política. Dirceu faria um sacrifício, ganhando créditos no governo e no PT. Voltaria ao cargo caso nada de concreto seja apontado contra ele ao fim de rápida investigação da PF (Polícia Federal) ou de eventual CPI.
O pior cenário para o governo seriam novas revelações sobre Waldomiro e ramificações entre petistas e os bingos.


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