São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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ELIO GASPARI

A receita anticrise de FFHH

Durante oito anos, o professor Fernando Henrique Cardoso mostrou ao país que era capaz de uma mágica. As crises entravam no Alvorada, barulhentas, terríveis e ameaçadoras. Quando saíam, estavam menores. Não houve caso de crise que tenha saído maior do que entrou. Agora que Lula e o PT-Federal vivem a sua primeira grande encrenca, pode ter serventia a divulgação de algumas idéias colecionadas a partir de conversas e lembranças de FFHH. Nada a ver com conselhos a Lula.

A crise tem dono
O presidente deve saber onde está o buraco e qual o seu tamanho. Muitas vezes, só o presidente sabe por que aquele buraco está ali. Não adianta pensar que essa tarefa pode ser delegada.

Não brigue em crise
Em época de crise o governante deve buscar aliados e evitar brigas. O pior conselheiro nessas horas é aquele grande amigo que quer ver o sangue dos adversários. Pior que uma crise, só duas crises.

A imprensa não é a crise
É necessário distinguir sempre as forças que fazem parte da crise daquelas que se alimentam dela. Parecem ser a mesma coisa, mas não são. A imprensa, por exemplo, pode estimular a crise e até dar a impressão de que é a própria crise. Isso é falso. Quando a encrenca perde sua energia interna, a imprensa muda de assunto.

O perigo das idéias
Ao contrário do que sucede nos períodos de calma, as pessoas que têm muitas idéias não são bem-vindas num cenário de adversidade. Tem gente que é capaz de propor uma coisa de manhã e o oposto à tarde, pelo simples prazer de se sentir importante.

Os palpites são infelizes
As pessoas sentem-se bem dando palpites. Fazem isso com a melhor das intenções. Cabe ao presidente fazê-los sentir-se bem, mas só.

Segredo dura 72 horas
Numa hora dessas, o núcleo de pessoas com quem o presidente conversa tem que ser pequeno. Talvez umas cinco. O presidente deve saber quais são os conselheiros que vazam informações em 48 horas e quais são os de grande confiança, que vazam em 72 horas. Palácio sem vazamento é fantasia.

A turma da platéia
Tendo-se que conviver com os vazamentos, é preciso distinguir quais são as pessoas que cometem inconfidências, ora por compulsão, ora por pura vaidade, e quais são as que estão dentro da crise, jogando para a platéia. Essas, o presidente tem que cortar rapidamente.

O dono do urso
Numa situação dessas, o tipo mais perigoso é aquele que se credencia como intérprete do pensamento do rei. Ele é capaz de soltar leviandades que podem até alterar o curso dos acontecimentos.

Toda crise tem um custo
Desde a primeira hora o presidente sabe que a crise terá um custo. Trata-se de saber que ele deverá ser pago. Olhando-se para trás, vê-se que toda tentativa de regatear acaba aumentando o tamanho do prejuízo.

O rei tem a cara da crise
Diante da primeira visão do buraco, o presidente precisa de uma idéia fixa: para onde eu vou quando tiver resolvido esse problema. Uma dificuldade pode ser pequena, mas torna-se crítica se consegue influenciar o rumo do governo. Já uma crise pode ser enorme, mas perde a gravidade quando o governo muda o rumo da agenda. Uma coisa é certa: o rosto do rei é o rosto da crise. Ele precisa ser a imagem da tranqüilidade. Essa parte é a mais dura.

Sabedoria

Do senador José Sarney, na sua encarnação de marquês do Segundo Império:
"O PT sabe criar crises. Não sabe desfazê-las. Pior: acredita que se desfaz uma crise criando-se outra, maior".

Quem é quem

Com a sacrossanta proibição da jogatina, os partidos políticos devem botar a mão na consciência (e no cadastro). Podem identificar os seus dirigentes e parlamentares com interesses diretos ou indiretos nos bingos e nas redes de caça-níqueis.
Se essas listas se tornarem públicas, todo mundo ganha e a discussão fica mais clara.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música, mas gosta de Gilberto Gil, porque ele dança enquanto os outros ministros discursam. Ela cuida do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao ilustre baiano pela seguinte observação a respeito de seu colaborador Roberto Pinho:
"Houve uma tendência à insubordinação aos procedimentos regulamentais por parte do Roberto. Não vejo como uma coisa grave. Era uma tendência bem-intencionada em apressar o processo diante da lentidão da máquina governamental".
A senhora acredita que Gil não quis repetir as palavras de seu antecessor, Francisco Weffort, numa entrevista de fevereiro de 2000:
"Mijou fora do penico, sai da sala".
Natasha entende que Gil fez muito bem.

Olho vivo

Os aeroportos brasileiros têm gargalhantes mistérios. Num aeroporto como o de Brasília, por exemplo, a Viúva sustenta o serviço da Polícia Federal e o da Secretaria da Receita. Nos dois casos, os agentes do bem público são encarregados de zelar pela boa ordem, pelas leis tributárias e pelo Código Penal.
Quem controla as câmeras do circuito interno de televisão dos aeroportos? A Receita? A Polícia? Não. A Infraero, estatal encarregada da logística e da administração dos aeroportos.

Amigão

Durante um jantar em Brasília, Lula avançou surpreendentes opiniões a respeito do que julga ser a necessidade de revisão das leis trabalhistas. Coisas como a redefinição do cálculo das férias da patuléia.
Os repórteres Gustavo Faleiros, Ilton Caldeira e Jamil Nakad Jr. foram ouvir empresários e dirigentes sindicais. Procuraram o presidente da CUT, Luiz Marinho, amigo de fé do presidente, e registraram o seguinte:
"Marinho considerou que o presidente "já havia tomado vinho demais" no jantar".

Waldomiro acendeu os americanos

A revelação, pelo repórter Diego Escosteguy, da relação do doutor Waldomiro Diniz com a grande casa lotérica americana GTech cria uma oportunidade (ou um problema) para a aura moralista da diplomacia do presidente George Bush.
Os diretores da GTech foram ostensivamente ajudados por diplomatas americanos em suas negociações com a Caixa Econômica. A turma da GTech reclamava da "cara-de-pau do Waldomiro, que teria pedido um "extra" pela renovação do contrato" da empresa com a Caixa.
Se Deus é petista de velha extração, as waldomiranças das loterias poderão ser esclarecidas pelo Ministério Público americano. Mais ou menos o que aconteceu com o Dossiê Cayman, falcatrua integralmente desmascarada graças à entrada em cena do aparelho policial e judiciário americano.
Uma coisa é certa: quando os executivos da GTech aceitaram três encontros com Waldomiro e outro com Charlie Waterfalls (no dia 31 de março), tinham todos os motivos para desconfiar de que conversavam com representantes de dois ramos do crime: o organizado e o desorganizado.

A conta da Halliburton estava certa

Caminha para um desfecho a pendenga da Petrobras com a empreiteira americana Halliburton, quindim da Casa Branca de George Bush. As empresas brigam por conta de um contrato de construção de dois navios de produção de petróleo, o P-43 e o P-48, destinados aos campos de Barracuda e Caratinga, a cerca de 100 quilômetros do litoral norte fluminense. O contrato vale US$ 2,5 bilhões e os navios deviam ter sido entregues em 2002. As obras atrasaram, a Halliburton não entregou navio algum e defendeu-se, sustentando que a Petrobras fizera alterações no projeto, complicando-o e encarecendo-o. Por conta disso, a empresa cobrava um adicional de US$ 375 milhões.
Em junho passado a Halliburton divulgou um comunicado informando que o caso seria submetido a uma corte internacional de arbitragem. Ficou entendido que a Petrobras admitia uma dívida de US$ 59 milhões.
Na ocasião o presidente da estatal, José Eduardo Dutra, assegurou que "o acordo assinado com a Halliburton inclui, explicitamente, o nosso pleito de US$ 380 milhões resultante principalmente dos atrasos". À época ficou a impressão de que a empreiteira sonegara essa informação aos seus acionistas.
Pelo andar da carruagem, o acordo resultará no pagamento de algo mais que US$ 50 milhões pela Petrobras, esquecendo-se os atrasos e, é claro, os US$ 380 milhões.
Nesse caso, ganhou o acionista que acreditou no presidente da empreiteira, David Lesar. Perdeu quem acreditou no doutor Dutra.

Conver$a fiada

Todos os partidos estão iludindo a patuléia quando fingem reclamar do sistema de financiamento das campanhas eleitorais. Se algum partido ou algum candidato quiser falar sério, basta anunciar que fará sua campanha para prefeito com uma prestação de contas instantânea na Internet. Coisa como contar o preço verdadeiro da produção dos programas de TV.
No tucanato ninguém jamais quis ouvir esse tipo de conversa. No PT, já houve uma corrente defendendo esse tipo de conduta dentro do PT. Foi derrotada e, de certa maneira, ridicularizada por grão-sindicalistas que passaram a fumar charutos. Aos poucos estão voltando aos cigarros sem filtro.
Se os candidatos a prefeito do Rio e de São Paulo se comprometerem a divulgar suas contas em tempo real, a cada centavo, é até possível que o exemplo prospere.
(Nessa hipótese, o dinheiro já arrecadado pode ser mandado ao Fome Zero.)

Tomara

É injusto dizer que o Brasil corre o risco de se mexicanizar.
No México um ex-presidente foi obrigado a viver no exterior, seu irmão está na cadeia e o presidente da estatal de petróleo foi para uma penitenciária. O mesmo aconteceu ao mais poderoso chefe de central sindical.

Gangorra

Há ministros que sobem e ministros que descem.
Sobe Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, por dois motivos: é advogado criminalista e não perde a calma.
Uma de suas lições: "De todos os clientes, o que exige mais cuidado ao advogado de defesa é o inocente".

Eremildo, o idiota

Eremildo, um idiota, vive um dilema social. Soube que o ministro Tarso Genro quer abrir vagas nas universidades para negros, índios, deficientes e ex-presidiários.
O idiota é branco, descendente de europeus e está com o físico em ordem. Ele pretende ir a Brasília para pedir ao ministro uma carta de recomendação que o habilite a se transformar em ex-presidiário.
Talvez alguém o apresente ao doutor Waldomiro Diniz ou ao seu tutor, o grande Charlie Waterfalls.

Constatação

De um conhecedor do governo:
"O José Dirceu tem a memória do governo, da campanha e do partido. Mexer nele é a mesma coisa que apagar o disco do computador. A menos que você queira trocar o sistema operacional, é melhor deixá-lo em paz."


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