São Paulo, Segunda-feira, 22 de Fevereiro de 1999
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Recessão brasileira assusta exportadores da Argentina

MAURÍCIO SANTANA DIAS
de Buenos Aires


O presidente da Câmara de Exportadores da Argentina, Enrique Mantilla, afirmou que o impacto da desvalorização do real na economia do seu país ainda não se fez sentir.
O que a Argentina já sente, em sua opinião, desde os últimos meses de 98, são os efeitos da recessão brasileira, que nos últimos meses já provocou queda de 13% nas exportações argentinas para o principal sócio do Mercosul.
Segundo Mantilla, a única alternativa argentina para driblar a crise e fazer frente à recessão é cobrar do seu governo uma estratégia que incremente a competitividade do produto nacional. Só assim a Argentina conseguiria sair da órbita do Brasil e, a médio e longo prazo, ingressar em terceiros mercados.
"O que o governo fez até agora, reduzindo levemente os aportes patronais e as taxas de importação de bens de capital, é apenas um sinal; é preciso avançar muito mais", afirma Mantilla.
Diante do acanhamento do mercado interno na região do Mercosul e sem vislumbrar mercados alternativos no curto prazo, Mantilla prevê uma forte queda nos preços -que já caíram 6% em 98.
Embora ainda não haja estatísticas seguras sobre as exportações argentinas deste ano, a maior preocupação de Mantilla vai para aqueles setores que têm uma alta dependência dos mercados brasileiros, como a indústria automobilística e a de laticínios, cujas vendas ao Brasil chegam respectivamente a 93% e 84% do que cada um deles exporta.
Leia a seguir sua entrevista:
Folha - Segundo a Secretaria de Indústria e Comércio, as exportações argentinas para o Brasil já caíram em média 13% nos últimos meses. Quais as expectativas do setor para este ano?
Enrique Mantilla -
Como cerca de 30% do que exportamos vai para o Brasil -US$ 6,4 bilhões em 98-, tudo vai depender da gravidade da recessão brasileira. Se o PIB do Brasil cair 3% em 99, as nossas exportações para lá sofrerão uma baixa de aproximadamente 15%. Se essa queda for maior, de uns 6%, digamos, a redução nas vendas para o Brasil será de 30%.
Mas é preciso lembrar que, antes mesmo da desvalorização do real, nos últimos meses de 98 a atividade econômica brasileira já estava em queda.
E com ela vieram as travas às nossas exportações: a exigência de licenças prévias, os controles sanitários etc. O que estamos sofrendo hoje não é resultado direto da desvalorização, mas da recessão no país vizinho.
Folha - Mas a desvalorização do real certamente agrava os problemas da indústria argentina, sobretudo a que mais exporta, não?
Mantilla -
Sem dúvida, principalmente os setores mais vinculados ao mercado brasileiro, que são a indústria automobilística e de autopeças, a de máquinas e aparelhos elétricos e a de laticínios.
Quando veio a desvalorização, calculamos uma perda de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões nas vendas ao Brasil. Essas cifras se baseiam numa possível queda de 4% a 6% do PIB brasileiro.
O que certamente vai haver, também, é uma mudança no padrão de consumo dos segmentos A, B, C e D. Os consumidores, as famílias vão orientar suas compras segundo a grande variedade de preços no mercado, optando por produtos mais baratos.
Folha - E quanto ao PIB argentino? É possível que o país cresça 3% este ano, como sustenta o Ministério da Economia?
Mantilla -
Acredito que deverá ficar entre 1% e -3% em 99.
Folha - Como está o mercado interno da Argentina hoje?
Mantilla -
Bastante reduzido, porque na Argentina também há recessão. Estamos calculando para o primeiro trimestre de 99 uma queda de 2,7% do PIB. Isso quer dizer que o país produzirá menos, consumirá menos e importará menos. Um ano atrás, em janeiro de 98, quando a Argentina estava crescendo 7,2%, as importações estavam tão altas que só se falava em "esfriar o consumo".
Hoje o consumo esfriou por si mesmo. Como resultado disso, os preços caíram 6% no ano passado, e a tendência é que a recessão brasileira acentue esse fenômeno.
Folha - A desvalorização do real colocou a Argentina diante da necessidade de buscar terceiros mercados. Quais as chances do produto argentino fora do Mercosul?
Mantilla -
Em alguns casos, como o do vinho, a Argentina está conseguindo aumentar suas vendas para a União Européia e para os EUA. Mas não é fácil encontrar terceiros mercados. Veja o caso das maçãs argentinas, por exemplo. Elas não podem ser vendidas na Europa, que já está com o mercado saturado. Além disso, no ano passado perdemos um mercado importante, que era o Sudeste asiático. O setor agrícola sofreu muito com isso, tendo ainda que enfrentar uma queda acentuada nos preços internacionais.
Ademais, no caso de produtos como a soja, que é exportada aos mercados internacionais por ambos os países (Argentina e Brasil), a desvalorização do real tornou o produto brasileiro muito mais competitivo em relação ao argentino, que perderá espaço.
Folha - Em que medida a desvalorização do real afetou a competitividade dos produtos argentinos?
Mantilla -
Caso a desvalorização da moeda brasileira se mantenha entre uns 40% e 50%, isso significará para a Argentina, em termos monetários, uma perda de 6% na competitividade.
Folha - O que o sr. acha da proposta do governo argentino de dolarizar a economia?
Mantilla -
Isso seria bom para nós, porque pagaríamos taxas de juros mais baratas. Mas por que, antes de anunciar a dolarização para a comunidade internacional, o governo não começa a aplicá-la aqui mesmo, permitindo que os créditos fiscais a pagar sejam feitos em dólares?
Folha - Há algum tempo os exportadores argentinos defendiam que o governo desse subsídios ao setor, para compensar os incentivos que eram dados à exportação brasileira. O Brasil cortou seus subsídios. Os exportadores locais continuam reivindicando incentivos?
Mantilla -
O que estamos pedindo ao governo é uma estratégia sistemática que possibilite o aumento da nossa competitividade: créditos fiscais, maior corte nos aportes patronais, flexibilização das leis trabalhistas e cortes nos gastos públicos. Na Argentina não se fala de subsídios.


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