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Recessão brasileira assusta
exportadores da Argentina
MAURÍCIO SANTANA DIAS
de Buenos Aires
O presidente
da Câmara de
Exportadores da
Argentina, Enrique Mantilla,
afirmou que o
impacto da desvalorização do
real na economia do seu país ainda
não se fez sentir.
O que a Argentina já sente, em
sua opinião, desde os últimos meses de 98, são os efeitos da recessão
brasileira, que nos últimos meses
já provocou queda de 13% nas exportações argentinas para o principal sócio do Mercosul.
Segundo Mantilla, a única alternativa argentina para driblar a crise e fazer frente à recessão é cobrar
do seu governo uma estratégia que
incremente a competitividade do
produto nacional. Só assim a Argentina conseguiria sair da órbita
do Brasil e, a médio e longo prazo,
ingressar em terceiros mercados.
"O que o governo fez até agora,
reduzindo levemente os aportes
patronais e as taxas de importação
de bens de capital, é apenas um sinal; é preciso avançar muito mais",
afirma Mantilla.
Diante do acanhamento do mercado interno na região do Mercosul e sem vislumbrar mercados alternativos no curto prazo, Mantilla
prevê uma forte queda nos preços
-que já caíram 6% em 98.
Embora ainda não haja estatísticas seguras sobre as exportações
argentinas deste ano, a maior
preocupação de Mantilla vai para
aqueles setores que têm uma alta
dependência dos mercados brasileiros, como a indústria automobilística e a de laticínios, cujas vendas ao Brasil chegam respectivamente a 93% e 84% do que cada
um deles exporta.
Leia a seguir sua entrevista:
Folha - Segundo a Secretaria de
Indústria e Comércio, as exportações argentinas para o Brasil já caíram em média 13% nos últimos
meses. Quais as expectativas do
setor para este ano?
Enrique Mantilla - Como cerca de
30% do que exportamos vai para o
Brasil -US$ 6,4 bilhões em 98-,
tudo vai depender da gravidade da
recessão brasileira. Se o PIB do
Brasil cair 3% em 99, as nossas exportações para lá sofrerão uma
baixa de aproximadamente 15%.
Se essa queda for maior, de uns
6%, digamos, a redução nas vendas para o Brasil será de 30%.
Mas é preciso lembrar que, antes
mesmo da desvalorização do real,
nos últimos meses de 98 a atividade econômica brasileira já estava
em queda.
E com ela vieram as travas às
nossas exportações: a exigência de
licenças prévias, os controles sanitários etc. O que estamos sofrendo
hoje não é resultado direto da desvalorização, mas da recessão no
país vizinho.
Folha - Mas a desvalorização do
real certamente agrava os problemas da indústria argentina, sobretudo a que mais exporta, não?
Mantilla - Sem dúvida, principalmente os setores mais vinculados
ao mercado brasileiro, que são a
indústria automobilística e de autopeças, a de máquinas e aparelhos
elétricos e a de laticínios.
Quando veio a desvalorização,
calculamos uma perda de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões nas vendas
ao Brasil. Essas cifras se baseiam
numa possível queda de 4% a 6%
do PIB brasileiro.
O que certamente vai haver, também, é uma mudança no padrão de
consumo dos segmentos A, B, C e
D. Os consumidores, as famílias
vão orientar suas compras segundo a grande variedade de preços
no mercado, optando por produtos mais baratos.
Folha - E quanto ao PIB argentino? É possível que o país cresça 3%
este ano, como sustenta o Ministério da Economia?
Mantilla - Acredito que deverá ficar entre 1% e -3% em 99.
Folha - Como está o mercado interno da Argentina hoje?
Mantilla - Bastante reduzido,
porque na Argentina também há
recessão. Estamos calculando para
o primeiro trimestre de 99 uma
queda de 2,7% do PIB. Isso quer
dizer que o país produzirá menos,
consumirá menos e importará menos. Um ano atrás, em janeiro de
98, quando a Argentina estava
crescendo 7,2%, as importações
estavam tão altas que só se falava
em "esfriar o consumo".
Hoje o consumo esfriou por si
mesmo. Como resultado disso, os
preços caíram 6% no ano passado,
e a tendência é que a recessão brasileira acentue esse fenômeno.
Folha - A desvalorização do real
colocou a Argentina diante da necessidade de buscar terceiros mercados. Quais as chances do produto argentino fora do Mercosul?
Mantilla - Em alguns casos, como
o do vinho, a Argentina está conseguindo aumentar suas vendas para
a União Européia e para os EUA.
Mas não é fácil encontrar terceiros
mercados. Veja o caso das maçãs
argentinas, por exemplo. Elas não
podem ser vendidas na Europa,
que já está com o mercado saturado. Além disso, no ano passado
perdemos um mercado importante, que era o Sudeste asiático. O setor agrícola sofreu muito com isso,
tendo ainda que enfrentar uma
queda acentuada nos preços internacionais.
Ademais, no caso de produtos
como a soja, que é exportada aos
mercados internacionais por ambos os países (Argentina e Brasil),
a desvalorização do real tornou o
produto brasileiro muito mais
competitivo em relação ao argentino, que perderá espaço.
Folha - Em que medida a desvalorização do real afetou a competitividade dos produtos argentinos?
Mantilla - Caso a desvalorização
da moeda brasileira se mantenha
entre uns 40% e 50%, isso significará para a Argentina, em termos
monetários, uma perda de 6% na
competitividade.
Folha - O que o sr. acha da proposta do governo argentino de dolarizar a economia?
Mantilla - Isso seria bom para
nós, porque pagaríamos taxas de
juros mais baratas. Mas por que,
antes de anunciar a dolarização
para a comunidade internacional,
o governo não começa a aplicá-la
aqui mesmo, permitindo que os
créditos fiscais a pagar sejam feitos
em dólares?
Folha - Há algum tempo os exportadores argentinos defendiam
que o governo desse subsídios ao
setor, para compensar os incentivos que eram dados à exportação
brasileira. O Brasil cortou seus subsídios. Os exportadores locais continuam reivindicando incentivos?
Mantilla - O que estamos pedindo ao governo é uma estratégia sistemática que possibilite o aumento
da nossa competitividade: créditos
fiscais, maior corte nos aportes patronais, flexibilização das leis trabalhistas e cortes nos gastos públicos. Na Argentina não se fala de
subsídios.
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