São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2008

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ARTIGO

Continente busca atualização

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A idéia de criação de um Conselho de Defesa da América do Sul talvez parta da constatação de que é preciso adotar novas estruturas de segurança, ajustadas às novas realidades do pós-Guerra Fria. O que existe caducou, depois de longa temporada de serviços prestados sobretudo ao que os americanos consideravam essencial à sua segurança nacional -leia-se "contenção do comunismo".
Foi abonado pela CIA -Eisenhower admitiu-o em suas memórias- o golpe de 1954 na Guatemala com o argumento de que Moscou se instalava no país centro-americano.
Esse primeiro grande trauma latino-americano com raízes na Guerra Fria contaria, se necessário, com cobertura "legal" do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, o Tiar, assinado no Rio de Janeiro em 1947. Os americanos poderiam defender-se invocando o direito de "defesa coletiva" inscrito no Tiar. O ataque a um, no caso a Guatemala, seria um ataque a todos. O direito de "legítima defesa", individual ou coletiva.
Não se trata só de inquietações sul-americanas. Também os europeus questionam estruturas de segurança de outros tempos e colocam na mesa a necessidade de atualizá-las. Fala-se inclusive na criação de um Exército europeu, o que colocaria em xeque a Otan, cuja marca mais forte é o predomínio dos Estados Unidos, cujos interesses estratégicos pós-Guerra Fria nem sempre coincidem com os dos europeus.
Há quem considere piada a idéia de criação de um Exército europeu. Mas o fato é que ela é discutida e a América do Sul tem presença no desejo europeu de "atualizar-se" de modo geral, e não só em concepções militares de segurança. O Parlamento da Europa aprovou uma série de resoluções com o objetivo de "cristalizar" uma associação estratégica com o nosso continente.
Sobrevivem mais dois componentes da estrutura de segurança que a América Latina herdou da Guerra Fria. A Junta Interamericana de Defesa e a Escola das Américas. A Junta foi transformada em unidade da OEA (Organização dos Estados Americanos). A idéia de criação de um Conselho de Defesa da América do Sul se contrapõe aos que querem "descongelá-la", com o antiterrorismo substituindo o anticomunismo. Com a nacionalização do Canal do Panamá, a Escola das Américas, tida como escola de ditadores, deslocou-se para Forte Benning, nos EUA.
Mudou de nome. É agora o Instituto Western do Hemisfério para a Cooperação de Segurança. Tentativa de livrar-se de marca maldita. Mas continua treinando militares em técnicas de contra-insurgência, o que no passado representou torturas e golpes. Pinochet estudou nela. Sai comunismo, entra terrorismo. Quanto ao Tiar, apagou-se na prática com a Guerra das Malvinas. Os EUA ficaram com a Inglaterra contra um país do continente. "E o Tiar?", perguntavam os argentinos. Só valia contra Moscou, que deixou de ser ameaça.


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais


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