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ARTIGO
Continente busca atualização
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A idéia de criação de um Conselho de Defesa da América do
Sul talvez parta da constatação
de que é preciso adotar novas
estruturas de segurança, ajustadas às novas realidades do
pós-Guerra Fria. O que existe
caducou, depois de longa temporada de serviços prestados
sobretudo ao que os americanos consideravam essencial à
sua segurança nacional -leia-se "contenção do comunismo".
Foi abonado pela CIA -Eisenhower admitiu-o em suas memórias- o golpe de 1954 na
Guatemala com o argumento
de que Moscou se instalava no
país centro-americano.
Esse primeiro grande trauma
latino-americano com raízes
na Guerra Fria contaria, se necessário, com cobertura "legal"
do Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca, o Tiar,
assinado no Rio de Janeiro em
1947. Os americanos poderiam
defender-se invocando o direito de "defesa coletiva" inscrito
no Tiar. O ataque a um, no caso
a Guatemala, seria um ataque a
todos. O direito de "legítima defesa", individual ou coletiva.
Não se trata só de inquietações sul-americanas. Também
os europeus questionam estruturas de segurança de outros
tempos e colocam na mesa a
necessidade de atualizá-las. Fala-se inclusive na criação de um
Exército europeu, o que colocaria em xeque a Otan, cuja marca
mais forte é o predomínio dos
Estados Unidos, cujos interesses estratégicos pós-Guerra
Fria nem sempre coincidem
com os dos europeus.
Há quem considere piada a
idéia de criação de um Exército
europeu. Mas o fato é que ela é
discutida e a América do Sul
tem presença no desejo europeu de "atualizar-se" de modo
geral, e não só em concepções
militares de segurança. O Parlamento da Europa aprovou
uma série de resoluções com o
objetivo de "cristalizar" uma
associação estratégica com o
nosso continente.
Sobrevivem mais dois componentes da estrutura de segurança que a América Latina
herdou da Guerra Fria. A Junta
Interamericana de Defesa e a
Escola das Américas. A Junta
foi transformada em unidade
da OEA (Organização dos Estados Americanos). A idéia de
criação de um Conselho de Defesa da América do Sul se contrapõe aos que querem "descongelá-la", com o antiterrorismo substituindo o anticomunismo. Com a nacionalização
do Canal do Panamá, a Escola
das Américas, tida como escola
de ditadores, deslocou-se para
Forte Benning, nos EUA.
Mudou de nome. É agora o
Instituto Western do Hemisfério para a Cooperação de Segurança. Tentativa de livrar-se de
marca maldita. Mas continua
treinando militares em técnicas de contra-insurgência, o
que no passado representou
torturas e golpes. Pinochet estudou nela. Sai comunismo, entra terrorismo. Quanto ao Tiar,
apagou-se na prática com a
Guerra das Malvinas. Os EUA
ficaram com a Inglaterra contra um país do continente. "E o
Tiar?", perguntavam os argentinos. Só valia contra Moscou,
que deixou de ser ameaça.
O jornalista NEWTON CARLOS
é analista de questões internacionais
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