São Paulo, quinta-feira, 22 de julho de 2004

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EXCLUSIVO

Serviço contratado pela Brasil Telecom para investigar Telecom Italia extrapola mundo empresarial e atinge ministro e prefeituras do PT

Empresa espiona alto escalão do governo Lula

Alan Marques/Folha Imagem
O ministro Luiz Gushiken em evento na sede do BNDES, em Brasília


MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO

Uma empresa privada espiona os passos, as mensagens e as contas de funcionários do primeiro escalão do governo Lula. É o que revelam documentos sigilosos obtidos pela Folha, indicando o monitoramento feito pela Kroll Associates, uma das maiores empresas de investigação do mundo, no interior da administração federal brasileira.
A investigação foi encomendada por Carla Cico, presidente da Brasil Telecom, companhia controlada pelo banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity.
O objetivo formal do contrato era investigar a Telecom Italia, companhia com a qual o Opportunity disputa o controle da Brasil Telecom. As duas empresas travam uma batalha na Justiça, no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e num comitê de arbitragem em Londres.
A espionagem, porém, acabou extrapolando o mundo empresarial e atingiu o governo petista, administrações municipais controladas pelo PT e outras empresas fora do setor de teles.
Em sua investigação, a Kroll obteve e-mails antigos do ministro Luiz Gushiken (Comunicação) e o elegeu, em 2004, como alvo de "máxima prioridade". Nesses e-mails, anteriores à posse do governo Lula, Gushiken troca informações com Luiz Roberto Demarco, ex-sócio de Daniel Dantas no Opportunity, com o qual trava hoje uma batalha judicial.
Num desses e-mails, de 2001, Gushiken discutiu com Demarco sobre oportunidades de negócios na área de previdência on-line. Em outro, de 2000, ofereceu a Demarco ajuda na obtenção de aliados dentro da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que o ajudassem na disputa contra Dantas. Gushiken confirma a existência dessas duas mensagens, mas nega qualquer irregularidade. Descreve a atuação da Kroll como ilegal e sórdida.
Além disso, a Kroll obteve dados pessoais e monitorou encontro secreto, em Portugal, do presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, com executivos da Telecom Italia -companhia da qual fora conselheiro em 2000.
No dia 26 de maio de 2003, já no governo Lula, Casseb encontrou-se no hotel Four Seasons Ritz de Lisboa com os executivos da Telecom Italia Nicola Verdicchio, Carmelo Furci e Giampaolo Zambeletti. Não há relatos sobre o objeto do encontro, interpretado pela Kroll como prova de que Casseb se opõe aos interesses de Daniel Dantas dentro do governo. Contas pessoais de Casseb também foram listadas.
O monitoramento de Gushiken e de Casseb pela Kroll deve-se ao fato de ambos terem formulado a orientação, já sob o governo Lula, para que os cinco fundos de pensão de estatais que são acionistas da Brasil Telecom (Sistel, Telos, Funcef, Petros e Previ) desfizessem, em outubro de 2003, os acordos de acionistas que permitem ao Opportunity controlar a companhia mesmo sendo Dantas apenas um sócio minoritário.
Esses acordos foram costurados em 1998, no processo de privatização das telecomunicações, no governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje, são objeto de uma complicada batalha judicial.
O governo soube inicialmente dos trabalhos da Kroll por acidente, ao investigar possíveis ligações do escândalo da Parmalat com empresas ligadas à Telecom Italia. Ao trabalhar no caso, a PF percebeu a existência de uma investigação paralela. Grampeou uma conversa entre um motorista da Parmalat e um investigador privado que, involuntariamente, revelou a atuação da Kroll -apelidada pela agência de "Projeto Tóquio".
Além disso, no último dia 16, o delegado da Polícia Federal Emmanuel Henrique Balduino de Oliveira e o diretor de combate ao crime organizado do Departamento de Polícia Federal, Getúlio Bezerra dos Santos, receberam da Telecom Italia cópias de relatórios secretos da Kroll.

Contra-investigação
A Telecom Italia disse ao governo ter obtido esses documentos por um anônimo. Para o governo, trata-se de um dos mais sofisticados trabalhos de contra-investigação da história da arapongagem corporativa.
A Folha não sabe se a Telecom Italia entregou ao Ministério da Justiça todos os documentos da Kroll que conseguiu obter. O ministro Marcio Thomaz Bastos (Justiça) não quis comentar o caso. A Folha apurou na PF que ela obteve os mesmos papéis.
Entre eles, está uma mensagem, de 6 de maio passado, que teria sido enviada por Carla Cico ao diretor do escritório da Kroll em Londres, Charles Carr. Nessa mensagem -que Cico nega ter enviado- a executiva teria solicitado a Carr que investigasse pagamentos da Telecom Italia a políticos do PT ligados às prefeituras de Santo André e Ribeirão Preto.
Relatórios da Kroll repetem a mesma hipótese de que empresas ligadas à Telecom Italia tenham financiado irregularmente políticos do PT, principalmente no município de Ribeirão Preto. Não há provas nesse sentido.

Prefeitura paulistana
Os papéis da Kroll definem como aliado da Telecom Italia o investidor Naji Nahas. A prioridade é buscar eventuais relações entre Nahas e Luis Favre, marido da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. A investigação se concentra na suposta atuação conjunta de ambos para obter contrato de coleta de lixo para a Vega Engenharia Ambiental. Nesse caso, também não há provas nesse sentido.
O relatório da Kroll mostra que Casseb foi investigado por cerca de um ano. O encontro em Lisboa não foi o único que teria sido registrado. No dia 30 de março deste ano, uma outra reunião foi objeto de espionagem, desta vez no hotel Sofitel, no Rio.
Segundo o relatório da Kroll, o presidente da Previ, Sergio Rosa, também participou desse encontro, desta vez com executivos da TIM e de sua controladora, a Telecom Italia. De acordo com o documento da Kroll, o secretário de Planejamento do Estado de São Paulo, Andrea Calabi, também estava presente na reunião.
Ainda de acordo com o relatório, "o encontro foi organizado pela secretária da Telecom Italia, que solicitou que a reserva não fosse feita em nome da empresa". O aluguel da sala, diz a Kroll, foi pago pela chefia de segurança do representante da empresa Pirelli no Oriente Médio e na África. A Pirelli adquiriu o controle da Telecom Italia em 2001.
O relatório da Kroll registra ainda um encontro, em maio de 2003, na Espanha, entre o empresário Carlos Jereissati e Tronchetti Provera, executivo da Telecom Italia. Segundo o relatório da Kroll, Jereissati teria proposto a formação de um "cartel" para tirar a Brasil Telecom do mercado.
No relatório, o empresário Nelson Tanure, controlador do "Jornal do Brasil", é apontado como líder de uma campanha contra a Brasil Telecom no país.

Colaborou CATIA SEABRA, da Reportagem Local


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