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ARTIGO
Produtora que entrevistou Lula em Paris diz que está sendo atacada covardemente
Fiz o que todo jornalista deveria fazer
MELISSA MONTEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Escrevo para me defender das
críticas e calúnias das quais fui vítima nos últimos dias e que têm
me machucado muito. Parece um
grande erro ser jornalista e exercer a profissão com afinco e paixão. Sou "acusada" por grandes
veículos de comunicação do Brasil de ter conseguido aquilo que
nenhum deles conseguiu: um furo de reportagem.
Essas críticas revelam a arrogância que permeia nossa profissão. Sinto-me covardemente atacada pelo fato de não estar vinculada aos veículos que monopolizam a informação no Brasil.
Para os invejosos, é mais fácil
enxergar um complô do que reconhecer com humildade o meu
êxito profissional. Muitos egos
amargurados, que correram atrás
do presidente Lula durante dias
em vão, preferiram criticar minhas perguntas do que simplesmente aceitar o principal: foram
elas que arrancaram da boca do
presidente palavras sobre a crise
política, enquanto as perguntas
pseudo-inteligentes e arrogantes
obtiveram o silêncio como resposta.
Tentaram até me desqualificar
profissionalmente. Disseram que
não sou repórter, "apenas" free-lancer, quando, na verdade, sou
formada pela Ecole Supérieure de
Journalisme de Lille na França.
Também sou engenheira de produção formada pela Escola Politécnica da USP. E é verdade, sou
profissional independente e tenho uma modesta produtora de
reportagens em Paris que tem como clientes os maiores canais de
televisão franceses.
Tenho 29 anos. Saí do Brasil há
oito anos, morei em Londres e
agora vivo em Paris. Especializei-me no vídeo-jornalismo (eu mesma opero a câmera e faço a edição
das reportagens) por gostar de ser
independente e acreditar que este
seja o futuro de minha profissão.
Desde domingo, vários colegas
esmiúçam minha vida como se eu
fizesse parte de um complô com a
assessoria de imprensa do Planalto. Estou impressionada com a
quantidade de informações erradas que estão divulgando a meu
respeito. Fico até envergonhada
de perceber tanta irresponsabilidade.
Por que não canalizar toda essa
energia para elevar o nível do debate e aproveitar a ocasião para
tecer uma autocrítica à maneira
como nossa profissão é praticada
no Brasil?
Minha idéia inicial era fazer
uma reportagem humana e pessoal, que traçasse o perfil de Lula,
ainda em Brasília, antes da sua
vinda à França. Num trabalho de
muita insistência, paciência e perseverança, cinco semanas depois,
consegui essa entrevista exclusiva
em Paris.
Não entendo que culpa tenho
pelo fato de o presidente ter se
sentido à vontade para confiar em
minha câmera.
Cheguei à residência Marigny às
10h da sexta-feira, 15 de julho. Às
10h45, horário de Paris, começamos a entrevista. O presidente Lula me disse: "esta entrevista é o resultado de muita persistência".
Verdade. Preservei o tom calmo e
coloquial para deixar o presidente
à vontade.
Naquele momento, ainda tinha
o intuito de divulgar a reportagem na França e não tinha feito
contato com veículos brasileiros.
Fiz três perguntas relacionadas à
sua visita. Comecei então a entrar
no tema da crise do Brasil, de maneira que pudesse interessar ao
público francês, alheio aos detalhes da crise política. Comecei por
informações que já tinham sido
divulgadas na França, "enfraquecido em Brasília, celebrado em
Paris". O porta-voz da República,
André Singer, e o assessor de imprensa Rodrigo Baena pareciam
descontentes com as perguntas.
Mas o presidente respondeu a todas.
Desde então, recebi todo o tipo
de pressão. Pressão da assessoria
de imprensa do Planalto. Depois
da entrevista, para minha surpresa, os dois assessores vieram indignados em minha direção aos
gritos de "você não cumpriu com
o nosso trato, isso é falta de profissionalismo, você só fez perguntas
sobre política interna, é uma pena
que você comece assim sua carreira de jornalista".
André Singer sugeriu que a fita
fosse parcialmente apagada. Rodrigo Baena tentou me convencer
de quais perguntas poderiam ou
não ser divulgadas, "esta você pode guardar, esta não".
Saí dali entusiasmada, com a
convicção de que tinha em minhas mãos um material cujo interesse ultrapassava as fronteiras da
França. Ofereci o material a alguns redatores-chefes que me disseram que, com a volta do presidente Lula à Brasília, a entrevista
deixava de ser importante para as
redações francesas. Por mais que
elas lhe dessem algum destaque, a
entrevista não mereceria mais do
que dois minutos no noticiário.
Decidi não divulgar a matéria
na França. Percebi que estava
diante de um depoimento simples, sincero e humano do presidente Lula, que certamente interessaria à população e que não
podia, de forma alguma, ficar esquecido num canto de gaveta.
No domingo, procurei a Rede
Globo. Pedi, como condição para
a venda dos direitos de imagem,
que as respostas do presidente
não fossem editadas, de maneira a
evitar mal entendidos e distorções
de cada idéia desenvolvida.
Depois da entrevista divulgada,
começaram as pressões e calúnias
dos meus próprios companheiros
de profissão. Recebi dezenas de
telefonemas com pedidos de esclarecimentos e de entrevistas como se fosse crime uma repórter
independente conquistar uma
entrevista exclusiva. Na verdade,
apenas fiz aquilo que todo jornalista deveria sempre fazer: persistir até o último minuto para conseguir informações inéditas e zelar, até o fim, para que elas cheguem ao conhecimento de todos.
Deixo aqui meus sinceros votos
de que todos os meus colegas jornalistas experimentem um dia, se
já não experimentaram antes, o
mesmo êxito profissional que eu
experimentei naquele dia. E que
se libertem do veneno e da arrogância quando um colega tiver
mais sucesso numa reportagem.
Melissa Monteiro é jornalista e produtora independente em Paris
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