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CELSO PINTO
Dúvidas e fantasias
sobre o Brasil
O Brasil virou a "bola da
vez" do mercado internacional, em boa medida por herança argentina. As perdas dos
investidores, financeiros e não-financeiros, na Argentina superaram qualquer previsão e
qualquer modelo de risco. Foi
um calote interno e externo; em
empréstimos de maior risco e
em créditos garantidos comerciais; atingiu quem capitalizou
subsidiárias e quem deixou quebrar. O risco de o Brasil seguir a
Argentina, na cabeça dos investidores, é o que basta para
abandonar o país, a despeito de
algumas boas notícias.
O paralelo com a Argentina,
contudo, é um equívoco, por várias razões. A primeira delas é
que, quando há uma crise de
confiança externa e o regime é
de câmbio fixo (Argentina) ou
controlado (Brasil até 98), a situação tende a se agravar sem
parar: as reservas somem, os juros disparam e a economia entra em colapso. Quando o câmbio é flutuante e o Banco Central o deixa flutuar, a crise externa provoca desvalorização, o
que ajuda a reduzir a dependência externa. A economia se
contrai, pela falta de crédito externo, mas o juro básico não
precisa, necessariamente, subir.
Esta é a terceira crise cambial
desde 99, e o ajuste já feito é impressionante. Todo mundo repete o bordão de que "o Brasil
precisa de US$ 50 bilhões por
ano", e aí está a vulnerabilidade
externa. Não é bem assim. Em
98, auge do câmbio controlado,
o Brasil precisou de US$ 63,4 bilhões (US$ 33,4 bilhões de déficit
em conta corrente e US$ 30 bilhões de amortizações). Nos 12
meses encerrados em junho deste ano, as necessidades externas
ficaram em US$ 48,2 bilhões
(déficit em conta corrente de
US$ 18,2 bilhões e amortizações
de US$ 30 bilhões).
O choque da desvalorização
deste ano pode produzir números surpreendentes em 2003. Se
o superávit da balança comercial ficar perto de US$ 7 bilhões,
o déficit em conta corrente pode
cair para US$ 16 bilhões ou pouco mais. As amortizações estão
calculadas em US$ 23,9 bilhões,
mas estão superestimadas por
razões que serão explicadas em
seguida. A necessidade de recursos, portanto, ficaria em torno
de US$ 39,9 bilhões ou menos,
uma queda de 40% em relação
a 1998.
Quem achar que um superávit
na balança comercial de US$ 7
bilhões é otimista vai ficar surpreso ao descobrir, no final deste
mês de agosto, que o superávit
comercial, em 12 meses, já estará em torno de US$ 7 bilhões. É
claro que parte do resultado se
deu pela contração da economia, que, espera-se, terá melhor
desempenho no próximo ano.
No entanto, é preciso lembrar
três coisas: a importação partirá
de um patamar menor; o câmbio estimulou e estimula substituições de importações; e as exportações estão crescendo, apesar da deterioração da economia mundial.
O total de amortizações está
superestimado por duas razões.
A primeira é que, sem financiamentos externos para rolagem,
as empresas estão sendo obrigadas a liquidar suas captações
externas. Um banco calcula as
liquidações em mais de US$ 2
bilhões. Ruim para as empresas,
mas bom para as contas externas: somem dívida e, com ela,
gastos com juros.
A segunda é que, com os papéis de empresas brasileiras com
descontos de 60%, 70% ou mais,
quem pode remete dólares e recompra dívida. É um ótimo negócio, mas, como não pode ser
feito oficialmente, o dinheiro sai
pela CC-5. De janeiro a julho,
saíram US$ 3,8 bilhões pela CC-5. Uma parte desse dinheiro foi
para recompra de dívida. Quanto? Em situação de crise semelhante, em 98 e 99, a redução da
dívida por recompra constatada
pelo BC chegou a US$ 16,2 bilhões.
Além disso, o BC anunciou
que recomprou US$ 2,3 bilhões
em títulos que venciam em 2003
e 2004. Se comprou os títulos
com deságio médio de 60%, liquidou US$ 3,8 bilhões em dívida pública externa. Como as
amortizações do governo central somam US$ 3,5 bilhões em
2003, é possível que não haja
nada mais para rolar. Somando
esse ganho com a redução privada, não é impossível supor que
as necessidades de recursos, em
2003, caiam para uns US$ 35 bilhões.
Isso quer dizer que, se o Brasil
não captar um único centavo de
dólar até o final de 2003 (hipótese absurda), mas o próximo presidente mantiver o acordo com
o FMI, as contas fecham. As reservas estão hoje em US$ 37 bilhões, dos quais US$ 19 bilhões
disponíveis, pelos termos do
acordo com o FMI. Em dinheiro
novo entrarão mais US$ 30 bilhões do fundo (US$ 6 bilhões
neste ano), US$ 7 bilhões entre
Banco Mundial e BID, mais
uma rolagem automática de
US$ 8,9 bilhões em amortizações ao FMI (que não estão incluídos na conta de amortizações anterior).
Se for considerado que, num
sistema de câmbio flutuante, rolagem de dívida privada é problema privado (como tem sido
até agora), as amortizações e os
juros da dívida externa pública,
de hoje ao final de 2003, são uns
US$ 12 bilhões, menos o que já
foi recomprado. Ou seja, sobram
muitos dólares.
Quer dizer, aceitar o acordo
com o FMI significa garantir o
fechamento das contas externas
até o final de 2003 e, portanto,
permite crescer um pouco mais,
mesmo num cenário externo
adverso. É claro que, quando o
mercado tiver certeza disso, reabrirá linhas para o Brasil: os
bancos estão sempre prontos para emprestar para quem não
precisa.
Para atrapalhar, há uma
aversão geral ao risco e uma
piora do cenário externo. Mas
os dados mostram que, enquanto o risco dos países emergentes,
exceto Brasil, subiu 320 pontos
desde março, melhor momento
do ano, o do Brasil subiu 1.300 pontos. A aversão
é, acima de tudo, ao Brasil, por
dúvidas pertinentes e fantasias.
Se as fantasias saírem de cena, a
situação tenderá a se aliviar,
apesar da conjuntura internacional difícil. O risco de a crise
fugir de controle existe, mas, para isso, o futuro presidente precisará errar muito.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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