São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

O eleito

RONALDO COSTA COUTO

Belo Horizonte, final de 1954, Palácio das Mangabeiras, anoitecer de sábado.
Sozinho, o governador Juscelino Kubitschek de Oliveira está à vontade, de pijama, lendo deitado. Toca o telefone. É o garçom. Informa que um frade barbudo está esperando na sala de entrada.
JK estranha. Não há nada na agenda. Falha do Cerimonial? Veste-se, desce a escada encaracolada, cumprimenta alegremente o desconhecido. Cordial, age como se estivesse esperando por ele.
O frade vai direto ao ponto. Pede que o governador nunca abandone seus propósitos humanitários e que se prepare para ser o próximo presidente da República. Ato contínuo, levanta-se, dá a bênção e sai rapidamente.
Juscelino corre para o telefone. Está maravilhado e preocupado. Quer saber como o frade entrou contra todas as regras e sem aviso algum. O palácio é encravado na vertente da Serra do Curral, isolado, cercado, policiado.
O único acesso é pela Portaria, naquele dia chefiada pelo disciplinado e zeloso cabo Lucas, da Polícia Militar. Checam tudo. Conclusão: ninguém entrou, ninguém saiu. Bastante místico, Juscelino, eleito presidente em 3 de outubro de 1955, contava esse episódio com convicção absoluta.
 
Brasília, outubro de 1984, escritório da campanha presidencial de Tancredo Neves.
Chegam três deputados de esquerda. Estão nervosos com a desenvoltura e objetividade do adversário Paulo Maluf. Analisam o perigo, exageram, insistem.
Todo cuidado é pouco, cada voto um tesouro a preservar ou conquistar. É preciso usar todos os trunfos.
Sugerem que o discurso tancrediano se incline um pouco para a esquerda, a fim de facilitar a adesão de petistas.
Mas o candidato está mais confiante do que nunca, feliz, rindo à-toa. Tranqüilo, agradece e pede calma. Garante que não é necessário mudar nada. É só manter o rumo e aguardar a vitória no Colégio Eleitoral.
Os três se entreolham desconfiados, sem entender nada. Tancredo tira um papel do bolso:
"Acabo de receber a pesquisa que realmente conta, o mapa do tesouro. Das cinqüenta famílias que mandam no Brasil, trinta e cinco estão conosco."
Em tempo. Tancredo obteve 480 votos; Maluf, 180.


Ronaldo Costa Couto, 59, escritor, doutor em história pela Sorbonne, escreve às quintas-feiras nesta coluna



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