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FOLCLORE POLÍTICO
O eleito
RONALDO COSTA COUTO
Belo Horizonte, final de 1954,
Palácio das Mangabeiras,
anoitecer de sábado.
Sozinho, o governador Juscelino
Kubitschek de Oliveira está à vontade, de pijama, lendo deitado.
Toca o telefone. É o garçom. Informa que um frade barbudo está
esperando na sala de entrada.
JK estranha. Não há nada na
agenda. Falha do Cerimonial?
Veste-se, desce a escada encaracolada, cumprimenta alegremente
o desconhecido. Cordial, age como se estivesse esperando por ele.
O frade vai direto ao ponto. Pede que o governador nunca abandone seus propósitos humanitários e que se prepare para ser o
próximo presidente da República.
Ato contínuo, levanta-se, dá a
bênção e sai rapidamente.
Juscelino corre para o telefone.
Está maravilhado e preocupado.
Quer saber como o frade entrou
contra todas as regras e sem aviso
algum. O palácio é encravado na
vertente da Serra do Curral, isolado, cercado, policiado.
O único acesso é pela Portaria,
naquele dia chefiada pelo disciplinado e zeloso cabo Lucas, da
Polícia Militar. Checam tudo.
Conclusão: ninguém entrou, ninguém saiu. Bastante místico, Juscelino, eleito presidente em 3 de
outubro de 1955, contava esse episódio com convicção absoluta.
Brasília, outubro de 1984, escritório da campanha presidencial de
Tancredo Neves.
Chegam três deputados de esquerda. Estão nervosos com a desenvoltura e objetividade do adversário Paulo Maluf. Analisam o
perigo, exageram, insistem.
Todo cuidado é pouco, cada voto um tesouro a preservar ou conquistar. É preciso usar todos os
trunfos.
Sugerem que o discurso tancrediano se incline um pouco para a
esquerda, a fim de facilitar a adesão de petistas.
Mas o candidato está mais confiante do que nunca, feliz, rindo
à-toa. Tranqüilo, agradece e pede
calma. Garante que não é necessário mudar nada. É só manter o
rumo e aguardar a vitória no Colégio Eleitoral.
Os três se entreolham desconfiados, sem entender nada. Tancredo tira um papel do bolso:
"Acabo de receber a pesquisa
que realmente conta, o mapa do
tesouro. Das cinqüenta famílias
que mandam no Brasil, trinta e
cinco estão conosco."
Em tempo. Tancredo obteve 480
votos; Maluf, 180.
Ronaldo Costa Couto, 59, escritor, doutor em história pela Sorbonne, escreve às
quintas-feiras nesta coluna
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