São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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POLÊMICA

A greve do Judiciário em SP justifica intervenção federal?

NÃO

Ameaça esquece responsável

CAETANO LAGRASTA NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Assusta ouvir (ou ler) o pensamento do ministro Presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Edson Vidigal, a pregar a intervenção federal em nosso Estado, tendo em vista a greve dos funcionários do Poder Judiciário estadual; e, em contrapartida, conforta a palavra de esperança do pesquisador e diretor de genética molecular do Instituto do Coração, Dr. José Eduardo Krieger (edição de ontem da Folha), na busca de critérios científicos, que instruam legisladores e juízes
O primeiro, ao embalo da inauguração do pavilhão nacional no pátio da Corte, em nome da democracia, profere ameaça, a pretensos incentivadores do movimento paredista, esquecendo-se do principal responsável, o Governador do Estado, cuja intransigência pré-eleitoral, sem qualquer base estatística; estapafúrdios cortes no orçamento e constante lembrança à lei de responsabilidade fiscal, tornam letra morta a independência econômico-financeira do Poder Judiciário.
A ameaça é proferida em termos inadequados, ao contrário do que seria de esperar: "ou sentam-se todos à mesma mesa para conversar e acabar logo com isso ou nós aqui de cima vamos ter que encontrar uma solução", partindo de inusitada superioridade hierárquica, arroga-se atribuir àqueles postura intransigente e desidiosa.
Sempre é bom lembrar que é do STJ a competência para julgar os governadores, nesta residindo a crescente perda de poder político da justiça estadual e o descrédito e penúria a que submetida; mas não o julgamento de greve nos serviços essenciais.
Esquece-se o ministro Presidente de questionar ou mencionar quantos encontros foram promovidos pelo TJ-SP com o governador e que tipo de promessas ou negativas proferiu este, deixando aquele totalmente desarmado perante seus funcionários e os que necessitam de Justiça; esquece-se ainda de verificar qual a real extensão da paralisação e o número dos julgamentos proferidos, em primeiro e segundo graus, apesar do estado de greve; de cogitar se esta seria justa e, por fim, de manifestar quais atitudes tomaram os de lá de cima com relação à regulamentação do direito de greve nos serviços essenciais.
Cabe, neste ponto, à guisa de parâmetro, a advertência do cientista José Eduardo Krieger quanto aos adiamentos e negociações espúrias, embutidas na votação da Lei de Biossegurança, e apoio irrestrito à idéia de se criar uma instituição que dê informações sobre ciência a legisladores e juízes, evitando-se que prevaleça o confortável auto-engano.
Outra não é a situação na esfera jurídica a necessitar de instituições que pesquisem e analisem dados estatísticos confiáveis visando não apenas o enfrentamento de situações limite, como a da greve, mas uma verdadeira reforma, que afaste a improvisação, o "achismo" ou a manipulação de dados.
O recém lançado Relatório de Gestão, do ano 2003, do TJ-SP, merece leitura atenta, para que se tenha a exata compreensão do gigantismo do movimento forense, suas deficiências crônicas; o expressivo número de cargos vagos (funcionários, 11.000) sem concurso etc, devidos primordialmente à redução arbitrária de seu orçamento, por imposição do Executivo.
Por fim, cabe perguntar se não se iludem os que habitam as vizinhanças do poder central, especialmente alguns magistrados mais afoitos e promíscuos, atraídos por falsos acenos de tratamento fidalgo e benesses orçamentários, quando se consumam, diariamente, ameaças à liberdade de imprensa, ao exercício de profissões, como a dos advogados e psicólogos.
Assim, a cooptação de magistrados à dúbia conduta do governo seja central ou periférico não é capaz de adequar a conduta de um Executivo, onipresente e tentacular, que se impõe a um Legislativo inoperante, como forma de se atingir o efetivo Estado de Direito.


CAETANO LAGRASTA NETO, 61, é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo


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