São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

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Renata Lo Prete

O pêndulo de Lula

O ROTEIRO se repete toda vez que petistas são apanhados em flagrante delito. Somos entupidos de relatos palacianos segundo os quais Lula estaria "muito irritado", "furioso" até, com o acontecido. No caso da montagem e compra de informações contra os tucanos, quer ver a Polícia Federal "colocar algemas" nos responsáveis.
Motivo para irritação de fato existe. Se mais não fosse, o presidente perdeu seu churrasqueiro oficial e ainda teve de enfrentar uma bateria de perguntas embaraçosas ontem no "Bom Dia Brasil".
A questão, no entanto, é saber se Lula ficaria aborrecido caso a operação -em suas palavras "abominável" e "imoral"- tivesse transcorrido em sigilo e ao final dado certo. Claro que não.
Ainda que integrantes da campanha de Aloizio Mercadante estejam enrolados até o pescoço no episódio, não pára em pé o raciocínio de que "apenas o PT de São Paulo" teria a lucrar com a eventual desmoralização de José Serra.
Não que Lula perca o sono com a perspectiva de vitória tucana no Estado. Pretende mesmo se beneficiar da rivalidade entre Serra e Aécio Neves no jogo de 2010. Mas infinitamente melhor seria uma oposição de espinha quebrada. Foi o que os compradores do dossiê e da entrevista de Luiz Antonio Vedoin à "IstoÉ" tentaram providenciar. A crônica oficiosa do humor presidencial ajuda Lula porque lhe dá a oportunidade de ser e não ser PT ao sabor de sua conveniência. No auge da crise do mensalão, ele não era.
Passado o pior da tormenta, foi voltando a ser. Mais recentemente, com a campanha em céu de brigadeiro, já se permitia afagar em público os caídos. Agora, retoma as queixas e procura se mostrar apartado "desses meninos" -como se referiu, no "Bom Dia", aos operadores do dossiê, alguns dos quais lhe são fiéis desde sempre e acima de tudo.
Trata-se, óbvio, de uma mistificação. Fale Lula quantos palavrões bem entender, em seu DNA está escrito PT-SP. Não há dissociação possível.
A outra mistificação consiste em qualificar os homens do dossiê como "trapalhões" -o problema, fica implícito, é que "fizeram tudo errado"- e não como os golpistas que na verdade são.
O tratamento condescendente cumprirá a função de facilitar a recondução "desses meninos" a suas funções, tanto subterrâneas como na churrasqueira, quando a poeira baixar e o pêndulo de Lula se mover novamente.
Num ambiente em que o jornalista responsável pela entrevista de Vedoin declara sem corar que "da minha assinatura para trás, não sei o que aconteceu", não faltarão ingênuos para comprar essa farsa, nem espertos interessados em vendê-la.


RENATA LO PRETE é editora do Painel

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