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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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Ambientalista vê governo rachado

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos principais críticos do governo federal entre os ambientalistas, o economista carioca Jean Marc von der Weid, 57, diretor da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e membro da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, coalizão de 82 ONGs, disse que há um racha na bancada do PT no Congresso e no ministério de Lula sobre a questão ambiental.
Um dos fundadores do PT no Rio, nos anos 80, Von der Weid é signatário da carta-manifesto endereçada anteontem ao presidente Lula com críticas ao governo.
A seguir, trechos da entrevista concedida ontem à Folha.
 

Folha - O governo Lula vive uma crise ambiental?
Jean Marc von der Weid -
Não há a menor dúvida. A crise é de tal tamanho que ele está com a bancada rachada, pelo menos ao meio, e com o governo rachado. No debate dos transgênicos, há posições opostas entre Luiz Furlan [Desenvolvimento] e Roberto Rodrigues [Agricultura] de um lado e Marina Silva [Meio Ambiente] e Miguel Rossetto [Desenvolvimento Agrário] de outro. O resto dos ministros dá um suporte discreto a Marina, mas não compra a briga. O governo não está unido.

Folha - O governo é desinformado sobre meio ambiente ou há de fato uma política deliberada?
Von der Weid -
Acho que é uma mistura das duas coisas. Há um lado de formação política que eu chamo de produtivismo vulgar, que marca um pouco essa espécie de desprezo pela questão ambiental, e muita desinformação.

Folha - Onde o governo erra?
Von der Weid -
Ele tem uma visão de muito curto prazo. Estão sendo tomadas decisões que são muito conjunturais e que não levam em conta efeitos de médio e longo prazos, do ponto de vista ambiental e de sustentabilidade. Ao abrir a Amazônia para a soja, transgênica ou não, num ecossistema bastante frágil, você vai ter dois, três, quatro anos de produção crescente, mas depois deixará uma situação calamitosa.

Folha - A ministra Marina Silva continua prestigiada entre os ambientalistas?
Van der Weid -
Até o momento, Marina está sendo considerada uma "heroína da resistência ambiental" dentro do governo. Mas, do jeito que ela está sendo encostada sistematicamente, acho que sua situação vai ficar insustentável. Vai acabar virando "a coitadinha". Uma pessoa que tem muita boa vontade, boas idéias, uma história impecável, mas que o governo empurra para escanteio a todo momento. Acho que ela tem de tomar cuidado, porque de uma hora para outra não vai ser nem mais consultada.

Folha - O deputado estadual Carlos Minc [PT-RJ] disse que o ministro José Dirceu [Casa Civil] se comprometeu a atender algumas reivindicações.
Von der Weid -
A credibilidade do José Dirceu em relação às promessas é baixa. Na primeira furada, que foi a MP 113 [sobre transgênicos], eles também declararam que iria ser cumprida, que não haveria outra safra, mas houve. Das conferências estaduais de meio ambiente, saíram muitas moções com críticas ao governo.

Folha - E a credibilidade do governo e do presidente Lula?
Von der Weid -
No meio ambientalista, é muito baixa. Há gente que diz que temos que "partir pro pau", que não deve ser feita nenhuma concessão. E outros que dizem que a questão ambiental está muito ruim, mas há aspectos positivos. Sobre o presidente Lula, pegando o exemplo dos transgênicos, a sensação é que está sendo extremamente mal informado. Já fez duas ou três afirmações falsas. Como não pode ser especialista em tudo, repete o que algum assessor disse.

Folha - Vocês já falaram pessoalmente com Lula sobre a questão transgênicos?
Von der Weid -
O único momento em que conseguimos conversar foi após uma reunião do Consea [Conselho de Segurança Alimentar], parados em pé na porta da sala. Eu levantei a proposta da sociedade civil de segregar a soja transgênica da não-transgênica no Rio Grande do Sul e exportar parte para onde ainda fosse possível. O presidente respondeu que era impossível, que a safra estava toda contaminada. Eu disse a ele: "O senhor está mal informado".

Folha - E a resposta?
Von der Weid -
Ele foi embora. Mas, de repente, virou-se para trás e disse que iria "mandar o Zé lhe chamar". Entendemos que fosse o ministro José Dirceu. Isso foi tudo o que conseguimos. O "Zé" nunca nos chamou.


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