São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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ELIO GASPARI

Lula: "Fiz 37.892'; Alckmin: "Farei 14,63%'


Os candidatos recitam números porque não querem falar de temas que dividem o eleitorado. Preferem iludi-lo

EREMILDO É UM idiota e adora debates eleitorais. Depois de assistir ao dueto Lula-Alckmin de quinta-feira, era outra pessoa. Instruído, foi à geladeira em busca de 8,3 cervejas a uma temperatura 7,5 inferior às da rodada anterior. Estimou que dentro de 125 minutos reteria apenas 1.345 ml, ou 46% da bebida ingerida. Graças a Lula e Alckmin, as cervejas do idiota nunca mais serão as mesmas.
Geraldo Alckmin é um dedicado mastigador de números. Pode cometer uma frase sem verbo, mas sempre que pode enfia uma estatística.
Lula brinca de cabra-cega com o singular e o plural, mas evitava o pernosticismo numérico. Afinal, é capaz de confundir 170 com 170 mil e dívida externa com dívida líquida.
Estimulado por um papelório constrangedor, "nosso guia" combateu Alckmin no campo da mastigação de estatísticas. Referiu-se a um "41 milhões de biodiesel" sem que se possa saber se falava de reais, toneladas ou dossiês. Ao recitatório de Alckmin contrapôs autoexaltação. Se tivessem feito um torneio para mostrar quem decorou mais números de telefones, daria na mesma. (Eremildo lembra de 12.)
À primeira vista, a mistificação numérica do debate é produto de um hábito de Alckmin e de uma tática de Lula. Na segunda vista é bem mais. Os dois caíram na numerologia porque não querem falar de coisa séria. Alckmin não perguntou nem Lula respondeu de onde veio o dinheiro do dossiê Vedoin. Alckmin não deu a menor pista de onde foram parar os R$ 200 bilhões da privataria tucana. Resolveram encenar o papel de candidatos de alto nível. Para evitar temas políticos capazes de dividir o eleitorado, recitaram números desconexos, apolíticos. Não se pode dizer qual foi o melhor, mas pode-se garantir que os dois pensam que são espertos. Como Eremildo sabe que é um idiota, não se incomoda.

A SEGURANÇA DO PAN ESTÁ DORMINDO

Há uma trapalhada no ar. A montagem do dispositivo de segurança dos Jogos Pan-americanos do Rio vai devagar, quase parando. A tocha será acesa em julho e até agora não foi definido o conceito das licitações para a compra dos serviços e equipamentos necessários para garantir a paz dos jogos. Nas Olimpíadas de Atlanta, Sidney e Atenas, bem como na Copa da Alemanha, um ano antes do início da festa, todos os serviços de segurança já estavam contratados.
A verba para cobrir essas despesas é de R$ 380 milhões. Ela será usada na compra de um sistema de rádio digital, equipamentos de vigilância (cerca de 1.500 câmeras), 20 helicópteros e na montagem de uma central integrada de comando e controle.
Até agora, só foi aberta a licitação para a compra dos helicópteros e do sistema de rádio. Não se definiu se o serviço será montado a partir de um só contrato ou se as encomendas serão fatiadas. Os precedentes internacionais unificaram o serviço. Nesse caso, haverá uma disputa entre consórcios que giram em torno de meia dúzia de empresas internacionais. Caso se escolha o método fatiado, poderão ser necessárias dez licitações.
A Secretaria Nacional de Segurança sugere, há quase um ano, que a decisão será tomada no mês que vem. Seja qual for, está atrasada. Tão atrasada que o Ministério da Defesa começa a pensar num plano B, repetindo a bem-sucedida intervenção militar da Eco-92.
Todas as cidades que hospedaram grandes jogos herdaram investimentos na segurança. Uma decisão que venha a tratar o Pan como uma emergência policial resultará no desperdício de boa parte do dinheiro gasto. A operação soldado/cachorro da Eco-92 foi um sucesso, mas quando os recrutas voltaram para os quartéis, e os cães aos canis, o Rio continuou lindo e igual.

MUITA TINTA
A caneta com mais tinta no palácio do Planalto é a de Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil. Se alguém quiser conferir, ela dirá que só escreve a lápis. Faz parte da coreografia de quem tem caneta com muita tinta.

REPÚBLICA VELHA
O tucanato contraiu dois vírus. Ambos pretendem desconsiderar o resultado da eleição de domingo. Um é o vírus do terceiro turno, interessado na derrubada ou na paralisia do governo caso "nosso guia" vença a eleição. O outro é o vírus da anulação da essência do mandato do presidente eleito.
Arma um conchavo com os grão tucanos Aécio Neves e José Serra para esterilizar a essência da escolha do eleitorado. Dois pratos desse menu:
- Reforma da Previdência. Leia-se uma tunga na idade mínima exigida para a aposentadoria do trabalhador.
- Reforma política. Cria o financiamento público das campanhas, ou caixa três. Se deixarem, tungam o direito dos eleitores escolherem diretamente todos os deputados. É o tal voto de lista, que entrega às direções partidárias a indicação de um pedaço das bancadas.
Relança-se a política do café-com-leite da República Velha, época em que não havia Previdência Social, leis trabalhistas nem voto com cédula.

FFHH X LULA
Ou Lula descarrega a obsessão que encostou na sua alma contra FFHH ou acabará prisioneiro do ex-presidente.
O monarca percebeu a carga nervosa das reações de "nosso guia" e, como o gato Tom, diverte-se assustando o ratinho Jerry.

O que ele fez?
Neste final de campanha eleitoral, a sorte faltou ao empresário Carlos Jereissati. Além de todos os aborrecimentos que a época atrai, um capanga do seu Shopping Center Iguatemi de Campinas deu um tiro no rosto de um jovem de 26 anos, cuja moto derrubara alguns cones de sinalização na saída do estacionamento. Antes de tomar o tiro, Rafael Silva de Paula Moreira, perguntou: "O que eu fiz?"

Privata abatido
Recordar é viver: em janeiro de 1999, o doutor Paulo Leme, diretor da casa bancária Goldman Sachs, esteve a um passo de ser convidado para uma diretoria do Banco Central. Foi abatido em vôo porque defendeu a privatização da Petrobras, da Caixa e do Banco do Brasil. O tiro foi de FFHH. A pontaria, de José Serra.

Foi "nosso guia"
Roberto Busato, presidente da OAB, esclarece a origem da proposta de convocação de uma Constituinte exclusiva, ocorrida em agosto: "Foi o presidente Lula quem sugeriu a um grupo de juristas que o visitou no palácio do Planalto a convocação de uma mini-assembléia Constituinte".
No encontro, estavam três ex-presidentes da Ordem. Busato lembra que, dias depois, o Conselho da Ordem rechaçou a idéia, por golpista.

Vingança
Demorou quase 500 anos, mas o bispo Sardinha vingou-se dos caetés que o comeram em Alagoas. No Leblon, uma senhora arrancou a dentada o dedo de uma petista. Inicialmente ela foi classificada como tucana, mas declarou-se eleitora de "nosso guia". O presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, poderia convidá-la para treinar os pitbulls do partido.


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