São Paulo, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

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BB repassou R$ 23 mi à DNA sem recibo

MARTA SALOMON
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O principal ponto do relatório parcial divulgado ontem é uma auditoria do Banco do Brasil que indica a falta de notas fiscais ou qualquer tipo de recibo que comprovem gastos de R$ 23,2 milhões, parte dos recursos transferidos pelo Banco do Brasil à agência de Marcos Valério para campanhas publicitárias dos cartões de bandeira Visa.
Segundo membros da CPI, a informação reforça os sinais colhidos de desvio de dinheiro público para o caixa dois do PT.
O valor sem comprovante está entre os R$ 73,8 milhões repassados entre maio de 2003 e junho de 2004 pelo BB à DNA Propaganda, de Marcos Valério.
O balanço da comissão apontou ainda o repasse de R$ 20,3 milhões de empresas do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, e da Usiminas, à margem dos contratos mantidos pelas agências do publicitário mineiro. A CPI investiga fontes públicas e privadas de recursos nas contas das empresas de Marcos Valério, que movimentaram R$ 2,6 bilhões entre 1997 e 2005.
Apesar de o empresário também ter operado caixa dois do PSDB, o relatório de mais de 400 páginas divulgado ontem pela CPI dedica uma única linha à observação de que o valerioduto existia antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto. "Precedente assemelhado ocorreu em Minas Gerais, em 1998", afirma o balanço da CPI, em referência ao esquema de caixa dois supostamente alimentado por empréstimos durante a campanha à reeleição do então governador tucano Eduardo Azeredo.
Auditoria interna do Banco do Brasil constatou que também no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) houve irregularidades na gestão do dinheiro destinado à publicidade dos cartões de bandeira Visa pelo Banco do Brasil. O relatório afirma que não foram localizados notas fiscais, faturas ou recibos de fornecedores ou prestadores de serviços que justificassem gastos de R$ 48,3 milhões pagos a duas agências de publicidade -DNA Propaganda e Lowe Lintas- em 2001 e 2002. As agências teriam sido notificadas pelo banco, mas nem assim providenciaram comprovantes dos gastos.
"A ausência ou incompleteza de documentos que se destinariam a demonstrar a realização dos serviços e a comprovar os pagamentos efetuados limitam a evidenciação de que os recursos foram aplicados", diz a auditoria do BB.
O relator Osmar Serraglio aproveitou a exposição de ontem para defender o Banco do Brasil. Segundo o deputado, o maior problema identificado na gestão pelo banco dos recursos do Fundo de Incentivo Visanet decorre da atuação do ex-diretor de marketing Henrique Pizzolato. Ele foi um dos responsáveis pela mudança de regras que garantiu o repasse antecipado à DNA, independentemente da definição de campanhas publicitárias. Pizzolato, atualmente aposentado, se beneficiou de saque em dinheiro do valerioduto. Apenas com a aplicação financeira do dinheiro repassado antecipadamente, a DNA Propaganda teria tido ganho de mais de R$ 5 milhões.

Provas
Ao longo de 411 páginas de balanço de mais de seis meses de atividade da CPI dos Correios, o relator tomou uma coincidência de datas entre repasses de dinheiro do Fundo Visanet pelo Banco do Brasil e dois dos empréstimos tomados por Marcos Valério no Banco Rural e no BMG para afirmar que foram desviados R$ 19,7 milhões para o valerioduto.
Numa das operações, já divulgada anteriormente, o Banco do Brasil repassou, em março de 2004, R$ 35 milhões da Visanet para a DNA. Quarenta dias depois do pagamento da parcela, a agência aplicou R$ 10 milhões no BMG. Essa aplicação serviu de garantia a empréstimo liberado quatro dias depois para alimentar o caixa dois do PT.
O relatório de ontem fala de uma outra coincidência, com data anterior. A Visanet pagou R$ 23,3 milhões à DNA em maio de 2003. Em seguida, a agência fez uma aplicação em fundo do BB e tomou um empréstimo no banco. Com intervalo de poucos dias, outra agência de Valério, a SMPB, tomou empréstimo no Banco Rural destinado ao caixa dois do PT, e a DNA quitou o financiamento de R$ 9,7 milhões com o Banco do Brasil. "Comprovamos a utilização de recursos da Visanet pelo valerioduto com começo, meio e fim", avaliou Serraglio.
O principal objetivo dos trabalhos até aqui tem sido derrubar a versão apresentada por Marcos Valério e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, segundo a qual o caixa dois do PT foi alimentado por empréstimos bancários. Os empréstimos teriam proporcionado às empresas do publicitário mineiro R$ 51,8 milhões, contra R$ 55,8 milhões que Marcos Valério afirma ter repassado a petistas e aliados do governo. Ou seja, há um rombo de R$ 4 milhões na versão oficial do valerioduto.
Os supostos empréstimos não foram pagos até hoje. Para a CPI, serviam apenas para simular a entrada de dinheiro na contabilidade das empresas de Valério.
O relatório da CPI menciona investigações que só devem ser concluídas em fevereiro. Por ora, entre as empresas privadas que registram depósitos de valores elevados nas contas das empresas do publicitário, a comissão detectou o pagamento de R$ 8,7 milhões pela Telemig e a Amazônia Celular além dos preços previstos em contratos. A Brasil Telecom, controlada à época pelo mesmo grupo Opportunity, pagou R$ 4,7 milhões às agências do publicitário, embora não mantivesse contratos com a DNA nem com a SMPB. Tampouco sem contrato com as agências, a Usiminas teria pago R$ 6,9 milhões às empresas.
O relatório de ontem também menciona irregularidades encontradas em contratos dos Correios. Somente com a operação da rede postal noturna, o balanço registra um superfaturamento de R$ 64 milhões no contrato com a Skymaster.


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