São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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No debate sobre o fornecimento de gás boliviano, Petrobras bate e Lula assopra

DO ENVIADO A BUENOS AIRES

De forma combinada ou puramente casual, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, adotaram o estilo bate (Gabrielli) e assopra (Lula) em relação à posição que o Brasil adotará hoje, na reunião entre os presidentes Lula, Cristina Fernández de Kirchner e Evo Morales, para discutir o fornecimento de gás boliviano aos dois outros países.
Ontem, Gabrielli foi direto: "Não posso falar da reunião dos presidentes. Mas posso falar pela Petrobras, como compradora do gás boliviano e fornecedora para refinarias. Acho impossível abrir mão de qualquer molécula de gás da Bolívia".
Horas mais tarde, no Senado argentino, o presidente Lula deixou de lado o discurso escrito que já havia lido para improvisar exatamente ao tratar da questão energética. Referiu-se ao encontro que terá hoje com Morales e a anfitriã Cristina de Kirchner para afirmar: "Brasil e Argentina, como países de maior força econômica, têm que ter solidariedade com os países mais pobres e ajudá-los".
Para Lula, não adianta que o Brasil cresça ou a Argentina cresça sem que a Bolívia (ou os demais países sul-americanos) também o façam. "É necessário que cresçamos juntos", disse.
O que está em jogo é simples: a Bolívia firmou contratos de fornecimento de gás para Brasil (30 milhões de m3) e Argentina (7 milhões de m3), que não pode cumprir. Enquanto a demanda argentina não aumenta, os três países podem levar a vida sem complicações.
Mas, se for preciso aumentar a quantidade vendida à Argentina (que paga mais que o Brasil), forçosamente se reduzirá o volume exportado para o Brasil. Não dá, diz Gabrielli: "Necessitamos plenamente do gás importado da Bolívia".
O conflito de enfoques entre os dois pode ser menor do que parece. Gabrielli diz que o fato de não poder abrir mão de uma única molécula do gás boliviano "não quer dizer que a Petrobras não seja sensível às necessidades do mercado energético argentino".
Posto de outra forma: o Brasil poderia, em caráter excepcional, proporcionar "fornecimento elétrico à Argentina", para substituir a quantidade adicional de gás boliviano.
Ou, como prefere o chanceler Celso Amorim, haveria "formas alternativas de atender" à demanda argentina.
A Declaração da Casa Rosada -o conjunto de acordos ontem assinados pelos dois presidentes na sede do governo argentino- já prevê a "interconexão elétrica Argentina/Brasil".
Diz o texto que os dois governantes determinaram às autoridades da área energética que "avancem nos entendimentos para implementar a exportação de energia elétrica interruptível do Brasil para a Argentina, durante o período de inverno do corrente ano".
Nos contratos interruptíveis para fornecimento de gás, qualquer uma das partes pode interromper o contrato, sem qualquer ônus.
A expectativa é de que a exportação comece já em maio, antes, portanto, do início oficial do inverno (junho), e se estenda até fins de agosto, ainda no inverno, mas já fora do pico.
O foco, portanto, deixaria de ser o gás boliviano e passaria a ser a energia elétrica (de termelétricas ou hidrelétricas) que o Brasil forneceria à Argentina.
De todo modo, o problema do gás é tão delicado que Lula e Cristina de Kirchner resolveram chamar para a reunião de hoje os ministros da área de energia e os técnicos para discutir a questão não apenas do ângulo político-diplomático, mas também tecnicamente.
Resumo da história, para Gabrielli: "do ponto de vista físico, não há possibilidade [de perder gás boliviano]". Mas, do ponto de vista político-diplomático, prevalece a visão de Lula, que, afinal, é quem nomeia e/ou demite o presidente da Petrobras. (CLÓVIS ROSSI)


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