|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
No debate sobre o fornecimento de gás boliviano, Petrobras bate e Lula assopra
DO ENVIADO A BUENOS AIRES
De forma combinada ou puramente casual, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e o
presidente da Petrobras, José
Sergio Gabrielli, adotaram o estilo bate (Gabrielli) e assopra
(Lula) em relação à posição que
o Brasil adotará hoje, na reunião entre os presidentes Lula,
Cristina Fernández de Kirchner e Evo Morales, para discutir o fornecimento de gás boliviano aos dois outros países.
Ontem, Gabrielli foi direto:
"Não posso falar da reunião dos
presidentes. Mas posso falar
pela Petrobras, como compradora do gás boliviano e fornecedora para refinarias. Acho impossível abrir mão de qualquer
molécula de gás da Bolívia".
Horas mais tarde, no Senado
argentino, o presidente Lula
deixou de lado o discurso escrito que já havia lido para improvisar exatamente ao tratar da
questão energética. Referiu-se
ao encontro que terá hoje com
Morales e a anfitriã Cristina de
Kirchner para afirmar: "Brasil
e Argentina, como países de
maior força econômica, têm
que ter solidariedade com os
países mais pobres e ajudá-los".
Para Lula, não adianta que o
Brasil cresça ou a Argentina
cresça sem que a Bolívia (ou os
demais países sul-americanos)
também o façam. "É necessário
que cresçamos juntos", disse.
O que está em jogo é simples:
a Bolívia firmou contratos de
fornecimento de gás para Brasil
(30 milhões de m3) e Argentina
(7 milhões de m3), que não pode cumprir. Enquanto a demanda argentina não aumenta,
os três países podem levar a vida sem complicações.
Mas, se for preciso aumentar
a quantidade vendida à Argentina (que paga mais que o Brasil), forçosamente se reduzirá o
volume exportado para o Brasil. Não dá, diz Gabrielli: "Necessitamos plenamente do gás
importado da Bolívia".
O conflito de enfoques entre
os dois pode ser menor do que
parece. Gabrielli diz que o fato
de não poder abrir mão de uma
única molécula do gás boliviano "não quer dizer que a Petrobras não seja sensível às necessidades do mercado energético
argentino".
Posto de outra forma: o Brasil poderia, em caráter excepcional, proporcionar "fornecimento elétrico à Argentina",
para substituir a quantidade
adicional de gás boliviano.
Ou, como prefere o chanceler Celso Amorim, haveria "formas alternativas de atender" à
demanda argentina.
A Declaração da Casa Rosada
-o conjunto de acordos ontem
assinados pelos dois presidentes na sede do governo argentino- já prevê a "interconexão
elétrica Argentina/Brasil".
Diz o texto que os dois governantes determinaram às autoridades da área energética que
"avancem nos entendimentos
para implementar a exportação de energia elétrica interruptível do Brasil para a Argentina, durante o período de inverno do corrente ano".
Nos contratos interruptíveis
para fornecimento de gás,
qualquer uma das partes pode
interromper o contrato, sem
qualquer ônus.
A expectativa é de que a exportação comece já em maio,
antes, portanto, do início oficial do inverno (junho), e se estenda até fins de agosto, ainda
no inverno, mas já fora do pico.
O foco, portanto, deixaria de
ser o gás boliviano e passaria a
ser a energia elétrica (de termelétricas ou hidrelétricas)
que o Brasil forneceria à Argentina.
De todo modo, o problema
do gás é tão delicado que Lula e
Cristina de Kirchner resolveram chamar para a reunião de
hoje os ministros da área de
energia e os técnicos para discutir a questão não apenas do
ângulo político-diplomático,
mas também tecnicamente.
Resumo da história, para Gabrielli: "do ponto de vista físico,
não há possibilidade [de perder
gás boliviano]". Mas, do ponto
de vista político-diplomático,
prevalece a visão de Lula, que,
afinal, é quem nomeia e/ou demite o presidente da Petrobras.
(CLÓVIS ROSSI)
Texto Anterior: Saiba mais: Energia nuclear é a que mais cresce de 2005 a 2006 Próximo Texto: Portenhas Índice
|