São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 2005

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NOVELA MINISTERIAL

"Oposição? Tá doido? Gosto é de governo", afirma deputado

"Se parei a reforma, tenho muita força", diz Severino

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Carregando na ironia, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), tentou minimizar ontem sua participação no cancelamento da reforma ministerial, ao mesmo tempo em que recuou na ameaça de passar para a oposição caso o governo não contemplasse seu partido no ministério. "Oposição? Tá doido? Eu gosto é de governo", disse.
A ironia foi uma constante nas muitas entrevistas que Severino deu durante o dia para explicar sua polêmica declaração dada anteontem em Curitiba, quando deu um ultimato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Utilizou-a, por exemplo, quando questionado a respeito do que pensava do fracasso da reforma: "Mas não houve reforma? Dois [ministros nomeados] não é reforma?". Fez piada ainda com seu envolvimento no episódio. "Se fui responsável [pelo cancelamento], sou um homem feliz, porque tenho muita força."
Segundo assessores e auxiliares, Severino foi pego de surpresa com o anúncio do presidente Lula de que não mais faria uma ampla reforma, o que resultou no cancelamento da ida de seu afilhado político Ciro Nogueira (PP-PI) para as Comunicações.
Após reconhecer que exagerou na dose ao dar um ultimato ao presidente, Severino acreditava ter se explicado na conversa que os dois tiveram anteontem no Planalto. Foi dormir acreditando que tivesse apagado o incêndio.
A notícia do cancelamento chegou ao deputado pouco após o meio-dia, no encerramento da reunião que comandou com governadores e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para tratar de reforma tributária. Ao sair do evento, limitou-se a dizer que "a caneta é do presidente".
O discurso em Curitiba teria sido motivado, de acordo com um assessor, pelo fato de Severino estar sendo submetido a pressões que considera injustas nos últimos dias. Teria sido um desabafo, em que ele não teria percebido a gravidade do que dizia.

Parentes e gastos
Severino teria ficado especialmente contrariado com duas acusações: de que emprega parentes em seu gabinete e de que seria o responsável por deixar aprovar projetos que aumentam os gastos públicos. Ele confidenciou a deputados próximos que se sente usado pelo governo como bode expiatório da falta de articulação política dos aliados.
Raros foram os momentos em que o presidente da Câmara se mostrou irritado com a controvérsia. Um deles foi quando um repórter perguntou, entre uma audiência com opositores do aborto e outra com defensores do desarmamento, no meio da tarde, se ele estava arrependido do que havia dito. "Não estou e diria tudo o que eu disse de novo. Aqui não tem interferência de ninguém, não sou tutelado", afirmou Severino Cavalcanti.
Ao contrário de Nogueira, que desapareceu da Câmara ontem para não dar declarações, Severino fez questão de falar. Ao ser contido por uma assessora exasperada com o atraso na agenda causado por uma entrevista, o presidente reagiu. "Deixa eu falar, eu quero falar."
Apesar do descontentamento evidente com o fato de Nogueira não ter sido contemplado, o presidente esforçou-se em passar uma imagem de responsabilidade. Afirmou a todo instante que não muda nada na relação de seu partido com o governo. "Continuamos na base."

Líder
O novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que vai pedir a Severino que ouça mais os líderes. "O presidente tem decidido a pauta muito reservadamente", afirmou Chinaglia, que recebeu de Lula o pedido para traçar uma estratégia de trabalho para tentar reconstruir a base aliada.


Colaborou RANIER BRAGON, da Sucursal de Brasília

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