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ELIO GASPARI
Trocar dívida por
educação é boa idéia
A iniciativa do ministro
da Educação, Tarso Genro,
de buscar uma troca de papéis
da dívida externa por investimentos em educação é a mais
corajosa e criativa providência
tomada pelo governo Lula. Foi
um governo desse tipo que 52
milhões de brasileiros elegeram
em 2002.
A idéia é simples, troca-se um
pedaço da dívida por um investimento monitorado em educação, ciência ou ambiente. A dívida externa pública brasileira
está em US$ 114 bilhões. Se tudo
der certo, pode-se tentar converter umas poucas centenas de milhões, não mais que isso. Esse estratagema é defendido pela
Unesco e já foi usado em diversos países. Recentemente, a Argentina ganhou um refresco de
US$ 60 milhões da Espanha. A
engenharia financeira da transação requer paciência e tenacidade.
Grosseiramente, o estratagema funcionaria assim: um credor tem um papel de US$ 100.
Passa-o a uma instituição por
US$ 70 e ela obtém do governo
devedor o compromisso de investir o equivalente a US$ 100
em projetos específicos. A quitação que ia para fora do país
transforma-se inteira ou parcialmente num investimento interno.
Como diria Garrincha: combinaram com os russos? Essa é a
parte difícil. Um investidor só
será atraído para esse tipo de
transação se perceber que um
país incapaz de investir 5% do
seu PIB em educação acaba não
pagando o que deve. Em geral, o
ciclo de endividamento/renegociação do andar de baixo mundial é de 25 ou 30 anos. (Na República, nenhum papel brasileiro com 30 anos de maturação
chegou virgem ao vencimento.
Houve moratória e/ou renegociação em 1982, 1964, 1937, 1931
e 1898.)
A idéia segundo a qual é preciso investir em educação para
garantir o pagamento das dívidas não é da Unesco nem dos
caloteiros. É da banca, em consórcio com o FMI.
Na sua primeira viagem à
África, o presidente do Banco
Mundial, James Wolfensohn,
caiu na Costa do Marfim e no
palácio versalhesco do presidente que se orgulhava de ter importado um cozinheiro francês.
O banco lhe emprestara US$ 100
milhões para projetos educacionais e Wolfensohn perguntou
aos seus sábios o que se fizera
com o dinheiro. "É uma operação de ajuste", disseram-lhe.
"Nós não podemos perdoar a dívida, então a gente faz assim." O
esquema tinha até nome: "empréstimo defensivo". Era um cala-boca, destinado a evitar uma
renegociação. O vice-presidente
do banco para a África, Kim
Jaycox, explicou melhor: "Se eu
falar em alívio da dívida, o Ernie Stern me capa". (Ernie Stern
era o segundo homem do Fundo
Monetário Internacional.) Wolfensohn capou Jaycox, mas não
se pode dizer que o Banco Mundial fechou de vez sua carteira
de "empréstimos defensivos".
A ekipekonômika tem horror
à idéia de discutir a dívida, a
não ser para pagá-la com o rigor
de banqueiro suíço e os juros de
agiota marciano. Tinham desprezo pela redefinição junto ao
FMI do conceito de investimento. Agora sustenta que a maracutaia concebida para proteger
Marta Suplicy e Cesar Maia
ampara-se na noção de que investimento em iluminação não
pode ser considerado endividamento.
A proposta endossada por
Tarso Genro não precisa ser
agressiva nem megalomaníaca.
Será eficaz na medida em que
for serena, moldável aos interesses de todas as partes. É possível
que o governo brasileiro, pagando juros de 19,25%, com um presidente que comprou um avião
de emir do Golfo já não tenha
muita autoridade para forçar
uma negociação desse tipo. Tudo bem. O simples fato de o Brasil entrar na discussão por esse
lado já mostra que, pelo menos
nela, não fez a opção preferencial pelos banqueiros.
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