São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 2005

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ELIO GASPARI

Trocar dívida por educação é boa idéia

A iniciativa do ministro da Educação, Tarso Genro, de buscar uma troca de papéis da dívida externa por investimentos em educação é a mais corajosa e criativa providência tomada pelo governo Lula. Foi um governo desse tipo que 52 milhões de brasileiros elegeram em 2002.
A idéia é simples, troca-se um pedaço da dívida por um investimento monitorado em educação, ciência ou ambiente. A dívida externa pública brasileira está em US$ 114 bilhões. Se tudo der certo, pode-se tentar converter umas poucas centenas de milhões, não mais que isso. Esse estratagema é defendido pela Unesco e já foi usado em diversos países. Recentemente, a Argentina ganhou um refresco de US$ 60 milhões da Espanha. A engenharia financeira da transação requer paciência e tenacidade.
Grosseiramente, o estratagema funcionaria assim: um credor tem um papel de US$ 100. Passa-o a uma instituição por US$ 70 e ela obtém do governo devedor o compromisso de investir o equivalente a US$ 100 em projetos específicos. A quitação que ia para fora do país transforma-se inteira ou parcialmente num investimento interno.
Como diria Garrincha: combinaram com os russos? Essa é a parte difícil. Um investidor só será atraído para esse tipo de transação se perceber que um país incapaz de investir 5% do seu PIB em educação acaba não pagando o que deve. Em geral, o ciclo de endividamento/renegociação do andar de baixo mundial é de 25 ou 30 anos. (Na República, nenhum papel brasileiro com 30 anos de maturação chegou virgem ao vencimento. Houve moratória e/ou renegociação em 1982, 1964, 1937, 1931 e 1898.)
A idéia segundo a qual é preciso investir em educação para garantir o pagamento das dívidas não é da Unesco nem dos caloteiros. É da banca, em consórcio com o FMI.
Na sua primeira viagem à África, o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, caiu na Costa do Marfim e no palácio versalhesco do presidente que se orgulhava de ter importado um cozinheiro francês. O banco lhe emprestara US$ 100 milhões para projetos educacionais e Wolfensohn perguntou aos seus sábios o que se fizera com o dinheiro. "É uma operação de ajuste", disseram-lhe. "Nós não podemos perdoar a dívida, então a gente faz assim." O esquema tinha até nome: "empréstimo defensivo". Era um cala-boca, destinado a evitar uma renegociação. O vice-presidente do banco para a África, Kim Jaycox, explicou melhor: "Se eu falar em alívio da dívida, o Ernie Stern me capa". (Ernie Stern era o segundo homem do Fundo Monetário Internacional.) Wolfensohn capou Jaycox, mas não se pode dizer que o Banco Mundial fechou de vez sua carteira de "empréstimos defensivos".
A ekipekonômika tem horror à idéia de discutir a dívida, a não ser para pagá-la com o rigor de banqueiro suíço e os juros de agiota marciano. Tinham desprezo pela redefinição junto ao FMI do conceito de investimento. Agora sustenta que a maracutaia concebida para proteger Marta Suplicy e Cesar Maia ampara-se na noção de que investimento em iluminação não pode ser considerado endividamento.
A proposta endossada por Tarso Genro não precisa ser agressiva nem megalomaníaca. Será eficaz na medida em que for serena, moldável aos interesses de todas as partes. É possível que o governo brasileiro, pagando juros de 19,25%, com um presidente que comprou um avião de emir do Golfo já não tenha muita autoridade para forçar uma negociação desse tipo. Tudo bem. O simples fato de o Brasil entrar na discussão por esse lado já mostra que, pelo menos nela, não fez a opção preferencial pelos banqueiros.


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