|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Lula, a reforma e o mamute
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Microrreforma, anti-reforma,
reforma cosmética, arremedo de
reforma, chame-se como quiser, o
gesto de Lula, limitando por ora a
mudança ministerial às nomeações de Romero Jucá para a Previdência e de Paulo Bernardo para o
Planejamento, agrega um toque
de chanchada à novela interminável patrocinada pelo Planalto.
Com sua decisão, ou sua incapacidade de decidir, o presidente
apenas adia e, com isso, agrava
um problema que já vem se arrastando há mais de meio ano, paralisando a administração e queimando diversas áreas do governo.
Vamos por partes.
Dirão os defensores do governo
que a Lula não restava alternativa
senão reagir como fez à exorbitância do presidente da Câmara,
que lhe pôs a faca no pescoço em
praça pública, cobrando o que lhe
considerava (e considera) devido.
É verdade. Cedendo a Severino
Cavalcanti, Lula estaria ato contínuo desmoralizado -e com ele a
própria Presidência.
A melhor leitura do que aconteceu nas últimas 48 horas pode ser,
porém, a inversa. Severino, com
seu arroubo patriarcal e sua afoiteza de novo-rico, deu o pretexto
de que Lula precisava para sair
pela tangente, já que nem PP nem
PMDB parecem dispostos a abrir
mão das Comunicações.
Como o presidente e seus conselheiros estão convictos e empenhados em aliciar a ambos, PP e
PMDB, para pavimentar o caminho da reeleição (este o sentido e
o objetivo da dita reforma), protelaram a decisão do impasse. A balança do namoro pode pender esta semana para o PMDB, mas nas
relações promíscuas alimentadas
pelo Planalto com suas noivas é
difícil imaginar que justamente o
PP vá resistir à sedução para fazer
parte do altar do poder.
O governo acredita -e talvez
esteja certo neste ponto- que vá
com seu gesto remarcar para cima o preço de seus ministérios
-tratados nas últimas semanas
nos balcões de Brasília como restos de feira na hora da xepa.
O primeiro saldo da não-reforma de Lula é a consagração da fisiologia como método rotineiro
da política petista. Mas não só.
O presidente decidiu manter na
Esplanada alguns cadáveres disfarçados de ministros. E agregou
ao time de notáveis um outro, este
muito vivo. O novo titular da Previdência é a própria raposa no galinheiro. Outra "raposa ética"?
Aldo Rebelo e Humberto Costa
-para não falar do companheiro
Olívio Dutra, salvo um pouco antes- esturricaram, tão fritados
que foram ao longo de meses. Que
autoridade terá daqui em diante
um ministro da articulação política que foi desarticulado, moído e
queimado a céu aberto na frigideira do próprio PT? Os resultados do desmanche da base governista estão à vista de todos e não
se limitam à eleição de Severino,
seu momento mais glorioso.
Capítulo à parte, a nomeação de
Paulo Bernardo apenas ratifica a
vocação do Planejamento como
apêndice da Fazenda. O deputado
é homem de Palocci, mais até que
do PT. Aqui, mais uma vez, há o
sinal de um fenômeno estrutural
deste governo: em vez de politizar
a economia, o novo PT economicizou a política. O palocismo, entendido como filosofia de gestão e
horizonte histórico, vai avançando em silêncio rumo ao paraíso.
Feitas as contas, parece, mais do
que um clichê, um equívoco dizer
que a montanha pariu um rato. O
verdadeiro parto ainda está por
vir -e é esse monstrengo em lenta gestação que o governo pretende alimentar até a reeleição. Dele
se sabe apenas que é um parasita
guloso e sedentário. Que bicho será? Com um pouco de imaginação, podemos vê-lo: deve ter as
orelhas de Severino, a tromba de
Michel Temer, as presas dos Sarney, as patas do PTB e o rabo do
PL. A cabeça, dizem, ainda é do
PT. Mas como mudou.
Texto Anterior: Planalto quer atrair PMDB oposicionista Próximo Texto: Rumo a 2006: Pesquisa diz que hoje Lula poderia enfrentar 2º turno Índice
|