São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 2005

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ANÁLISE

Lula, a reforma e o mamute

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Microrreforma, anti-reforma, reforma cosmética, arremedo de reforma, chame-se como quiser, o gesto de Lula, limitando por ora a mudança ministerial às nomeações de Romero Jucá para a Previdência e de Paulo Bernardo para o Planejamento, agrega um toque de chanchada à novela interminável patrocinada pelo Planalto.
Com sua decisão, ou sua incapacidade de decidir, o presidente apenas adia e, com isso, agrava um problema que já vem se arrastando há mais de meio ano, paralisando a administração e queimando diversas áreas do governo.
Vamos por partes.
Dirão os defensores do governo que a Lula não restava alternativa senão reagir como fez à exorbitância do presidente da Câmara, que lhe pôs a faca no pescoço em praça pública, cobrando o que lhe considerava (e considera) devido. É verdade. Cedendo a Severino Cavalcanti, Lula estaria ato contínuo desmoralizado -e com ele a própria Presidência.
A melhor leitura do que aconteceu nas últimas 48 horas pode ser, porém, a inversa. Severino, com seu arroubo patriarcal e sua afoiteza de novo-rico, deu o pretexto de que Lula precisava para sair pela tangente, já que nem PP nem PMDB parecem dispostos a abrir mão das Comunicações.
Como o presidente e seus conselheiros estão convictos e empenhados em aliciar a ambos, PP e PMDB, para pavimentar o caminho da reeleição (este o sentido e o objetivo da dita reforma), protelaram a decisão do impasse. A balança do namoro pode pender esta semana para o PMDB, mas nas relações promíscuas alimentadas pelo Planalto com suas noivas é difícil imaginar que justamente o PP vá resistir à sedução para fazer parte do altar do poder.
O governo acredita -e talvez esteja certo neste ponto- que vá com seu gesto remarcar para cima o preço de seus ministérios -tratados nas últimas semanas nos balcões de Brasília como restos de feira na hora da xepa.
O primeiro saldo da não-reforma de Lula é a consagração da fisiologia como método rotineiro da política petista. Mas não só.
O presidente decidiu manter na Esplanada alguns cadáveres disfarçados de ministros. E agregou ao time de notáveis um outro, este muito vivo. O novo titular da Previdência é a própria raposa no galinheiro. Outra "raposa ética"?
Aldo Rebelo e Humberto Costa -para não falar do companheiro Olívio Dutra, salvo um pouco antes- esturricaram, tão fritados que foram ao longo de meses. Que autoridade terá daqui em diante um ministro da articulação política que foi desarticulado, moído e queimado a céu aberto na frigideira do próprio PT? Os resultados do desmanche da base governista estão à vista de todos e não se limitam à eleição de Severino, seu momento mais glorioso.
Capítulo à parte, a nomeação de Paulo Bernardo apenas ratifica a vocação do Planejamento como apêndice da Fazenda. O deputado é homem de Palocci, mais até que do PT. Aqui, mais uma vez, há o sinal de um fenômeno estrutural deste governo: em vez de politizar a economia, o novo PT economicizou a política. O palocismo, entendido como filosofia de gestão e horizonte histórico, vai avançando em silêncio rumo ao paraíso.
Feitas as contas, parece, mais do que um clichê, um equívoco dizer que a montanha pariu um rato. O verdadeiro parto ainda está por vir -e é esse monstrengo em lenta gestação que o governo pretende alimentar até a reeleição. Dele se sabe apenas que é um parasita guloso e sedentário. Que bicho será? Com um pouco de imaginação, podemos vê-lo: deve ter as orelhas de Severino, a tromba de Michel Temer, as presas dos Sarney, as patas do PTB e o rabo do PL. A cabeça, dizem, ainda é do PT. Mas como mudou.



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