São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para economistas, "efeito tango" é terrorismo eleitoral

LIA HAMA
DA REDAÇÃO

A declaração do presidente Fernando Henrique Cardoso, de que o Brasil corre o risco de virar uma Argentina se os próximos governantes forem incompetentes, é "terrorismo eleitoral", na opinião de economistas consultados pela Folha. "Certamente é terrorismo. [A declaração de FHC] tem uma conotação política muito clara, que é a pretensão de que só um pequeno grupo poderia dirigir o Brasil e, portanto, qualquer mudança vai quebrar o Brasil", afirma o deputado federal Antonio Delfim Netto (PPB-SP).
"Não se deve fazer terrorismo", defendeu o economista e professor da Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo. "Isso é suposição sobre como os outros [candidatos a Presidência" vão se comportar. FHC devia fazer uma autocrítica sobre seu próprio desempenho", disse Belluzzo. "Se o Brasil virar Argentina é porque o governo FHC deixou o país vulnerável."
Em entrevista à ASN (Agência Sebrae de Notícias) divulgada anteontem, FHC, ao ser questionado sobre se o país corre o risco de viver uma situação semelhante à do país vizinho, respondeu: "Se os próximos governantes forem incompetentes, claro. É o que aconteceu na Argentina".
A declaração de FHC segue a mesma linha de discurso do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que afirmou que a volatilidade dos mercados nas últimas semanas está ligada ao medo da alternância de poder no país, e do próprio pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, que apontou o risco de o Brasil se transformar em uma Argentina.
Na opinião da maioria dos economistas ouvidos pela Folha, no entanto, é remota a possibilidade de um "efeito tango" no país. "Acho remotíssima essa possibilidade, tendo em vista os candidatos com chances de ser eleitos e suas declarações, que são bastante razoáveis", disse Sérgio Werlang, diretor do Itaú e ex-diretor do Banco Central, referindo-se a Serra e ao pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"A comparação não é pertinente. O risco do Brasil não é cambial, é fiscal, e a sociedade brasileira não está tão fragilizada como a argentina", avalia o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.

Economia "apertada"
Na opinião de Giannetti, o nervosismo dos mercados nas últimas semanas é fruto de uma situação econômica "apertada", que será herdada pelo substituto de FHC. "A situação que FHC vai deixar é muito apertada. Se o PT estivesse na frente [das pesquisas eleitorais] e a situação econômica não fosse tão apertada, isso não causaria tanta apreensão nos mercados." "Essa agitação que existe aí é porque os indicadores [econômicos" não são uma maravilha", concordou Delfim Netto.
A preocupação com a vulnerabilidade da economia brasileira é compartilhada pelo professor de Economia da FGV, Paulo Nogueira Batista. "A situação do Brasil não é de tranquilidade, é de vulnerabilidade. O Brasil tem uma dívida pública que cresceu muito, a taxa de juros é muito alta e o déficit em conta corrente, elevado. Esses indicadores não são bons para padrões internacionais."

Desvalorização cambial
Para o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, o Brasil estava na rota da Argentina em 98, mas mudou de trajetória ao desvalorizar o real, no início de 99. "O Brasil tomou a decisão certa. Hoje é muito menor a fragilidade da economia do que alguns anos atrás." Segundo Bresser, o próximo governo deverá "completar o trabalho" de FHC, "com equilíbrio nos juros, retomada de investimento e equilíbrio nas contas correntes".
Na opinião do professor de Economia da Unicamp Luciano Coutinho, no entanto, se forem mantidas as políticas de FHC e do ministro da Economia, Pedro Malan, o Brasil chegará a um cenário semelhante ao argentino.
"Manter as atuais políticas por mais três ou quatro anos levaria ao default [calote] da dívida, pois esta se tornará insustentável", alertou o economista.


Texto Anterior: Memória: No ano passado, petista defendeu subsídio francês
Próximo Texto: Garotinho anuncia blitz nas pesquisas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.