São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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CELSO PINTO

O risco não existe só em Wall Street

O risco de haver novas turbulências no mercado financeiro até as eleições vem mais dos investidores externos ou internos? Para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, é bobagem tentar distinguir. Os investidores reagem de forma similar e quase simultânea. O comportamento dos preços nos dois mercados prova isso.
O termômetro da reação externa a boas ou más notícias é o chamado risco Brasil, o prêmio que os títulos do país pagam acima dos juros pagos pelo Tesouro americano (o EMBI mede o prêmio de uma cesta de títulos do governo). O melhor indicador no Brasil é o comportamento das taxas de juros de longo prazo. O prêmio que o juro de 360 dias paga (ou não) em relação às taxas de curto prazo (Selic) é uma boa medida da avaliação do risco embutido.
O gráfico compara as duas curvas. Desde 1999, com o câmbio flutuante, elas seguem sempre na mesma direção, ainda que, algumas vezes, não com a mesma intensidade. A reação é quase simultânea. Pastore argumenta que, se há uma pequena precedência, é a do mercado brasileiro, maior e mais líquido, em relação ao externo, mas nada significativo.
Os dois mercados, nos últimos anos, reagiram juntos a três tipos de choque: contágio da crise de outros países emergentes, mudanças na economia mundial ou desajustes na economia brasileira. De outubro do ano passado a março deste ano, as reações foram positivas. Em 8 de outubro, o EMBI chegou a 1.256 pontos e o prêmio dos juros de 360 dias sobre a Selic (de 19%) foi a 628 pontos (ou seja, os juros longos estavam em 25,28%). Em 20 de março, o EMBI havia caído para 698 pontos e os juros longos estavam 41 pontos mais baratos do que a Selic (de 18,75%), ou seja, a 18,34%.
Essa queda espetacular dos prêmios de risco, para Pastore, se explica, basicamente, por razões externas. Depois dos atentados de 11 de setembro, o banco central americano baixou os juros e vários bancos centrais injetaram forte liquidez no sistema. Ao mesmo tempo, a economia americana, até janeiro, ainda estava com a perspectiva de recuperação lenta. A combinação entre dinheiro farto e poucas opções, aumentou o apetite por risco dos investidores. A queda do risco Brasil foi acompanhada por quedas similares dos riscos de outros países emergentes, como Rússia e México.
Desde então, o risco para países emergentes voltou a subir um pouco. No caso do Brasil, contudo, ele disparou e chegou ao pico de 973 pontos dia 13 de maio, quando os juros longos chegaram a um prêmio de 206 pontos. Ou seja, ambos os riscos subiram mais de 200 pontos (275 o externo e 247 o interno). Qual a razão?
Para Pastore, a explicação foi o risco eleitoral, com o avanço do candidato do PT. O Brasil precisa uns US$ 20 bilhões para cobrir o déficit em conta corrente externo, mais quase US$ 30 bilhões para cobrir amortizações. "Se há dúvidas sobre o programa do provável futuro presidente, o fluxo de capitais encolhe, o câmbio sobe, aumenta a dívida líquida do setor público em relação ao PIB, o que exige um aumento no superávit primário", diz. "Sem mais superávit primário, a dívida sai de controle. Se há dúvidas sobre a vontade futura em produzir esses superávits, isso traz dúvidas sobre a solvência, os juros sobem, afetando mais ainda a dívida, e o risco é de o temor inicial se transformar numa profecia auto-realizável."
Essa reação conjunta dos mercados internos e externos se dá porque existe, de fato, liberdade na movimentação de capitais e não há qualquer disposição deste governo em cerceá-la. O BC não tem muita margem de manobra para tentar mudar o rumo do mercado. Imaginar que, se o BC cortasse os juros, reduziria a percepção de risco não é correto, argumenta Pastore. Traria apenas uma inconsistência entre taxas curtas e longas, que embutiria um potencial inflacionário.
O BC pode fixar a taxa curta (Selic) e tentar influenciar a longa. Mas a distância entre as taxas curta e longa oscila muito. Desde 99, a taxa longa, de início, esteve à frente da redução do juro curto pelo BC. Em 2000, as duas taxas estiveram bastante coladas e o prêmio quase inexistiu. Em 2001, ao contrário, as taxas longas subiram antes do aumento da Selic e o prêmio longo chegou a oito pontos percentuais (800 pontos básicos). Hoje, o prêmio está em torno de 150 pontos básicos.
Pastore apoiou a decisão de ontem do Copom, de não reduzir os juros, também por outra razão. Quando sobe o risco país, como agora, tende a haver uma desvalorização do câmbio porque o aumento dos juros externos reflete menos demanda por títulos brasileiros e, portanto, alguma pressão sobre o fluxo de dólares. Se as empresas procurarem se proteger contra a desvalorização fazendo "hedge", a pressão sobre o câmbio será ainda maior.
Hoje, há pouca procura por hedge, porque seu custo é elevado, dados os juros altos. O cálculo do mercado é que o câmbio futuro deve refletir a cotação hoje ("spot"), mais o custo financeiro de carregá-la (medido pelo DI). Se o BC reduzisse o juro curto, argumenta, baratearia o custo do hedge e estimularia as empresas a procurá-lo. Acabaria havendo uma pressão sobre o câmbio "spot".
Por tudo isso, ele acha que o risco de o BC baixar os juros, hoje, seria alto. Não só poderia não ajudar a estimular a economia, como poderia até pressionar ainda mais o câmbio.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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