|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
O risco não existe só em Wall Street
O risco de haver novas turbulências no mercado financeiro até as eleições vem
mais dos investidores externos
ou internos? Para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, é bobagem
tentar distinguir. Os investidores reagem de forma similar e
quase simultânea. O comportamento dos preços nos dois mercados prova isso.
O termômetro da reação externa a boas ou más notícias é o
chamado risco Brasil, o prêmio
que os títulos do país pagam
acima dos juros pagos pelo Tesouro americano (o EMBI mede o prêmio de uma cesta de títulos do governo). O melhor indicador no Brasil é o comportamento das taxas de juros de
longo prazo. O prêmio que o juro de 360 dias paga (ou não)
em relação às taxas de curto
prazo (Selic) é uma boa medida da avaliação do risco embutido.
O gráfico compara as duas
curvas. Desde 1999, com o câmbio flutuante, elas seguem sempre na mesma direção, ainda
que, algumas vezes, não com a
mesma intensidade. A reação é
quase simultânea. Pastore argumenta que, se há uma pequena precedência, é a do mercado brasileiro, maior e mais líquido, em relação ao externo,
mas nada significativo.
Os dois mercados, nos últimos anos, reagiram juntos a
três tipos de choque: contágio
da crise de outros países emergentes, mudanças na economia
mundial ou desajustes na economia brasileira. De outubro
do ano passado a março deste
ano, as reações foram positivas.
Em 8 de outubro, o EMBI chegou a 1.256 pontos e o prêmio
dos juros de 360 dias sobre a Selic (de 19%) foi a 628 pontos (ou
seja, os juros longos estavam
em 25,28%). Em 20 de março, o
EMBI havia caído para 698
pontos e os juros longos estavam 41 pontos mais baratos do
que a Selic (de 18,75%), ou seja,
a 18,34%.
Essa queda espetacular dos
prêmios de risco, para Pastore,
se explica, basicamente, por razões externas. Depois dos atentados de 11 de setembro, o banco central americano baixou os
juros e vários bancos centrais
injetaram forte liquidez no sistema. Ao mesmo tempo, a economia americana, até janeiro,
ainda estava com a perspectiva
de recuperação lenta. A combinação entre dinheiro farto e
poucas opções, aumentou o
apetite por risco dos investidores. A queda do risco Brasil foi
acompanhada por quedas similares dos riscos de outros
países emergentes, como Rússia
e México.
Desde então, o risco para países emergentes voltou a subir
um pouco. No caso do Brasil,
contudo, ele disparou e chegou
ao pico de 973 pontos dia 13 de
maio, quando os juros longos
chegaram a um prêmio de 206
pontos. Ou seja, ambos os riscos
subiram mais de 200 pontos
(275 o externo e 247 o interno).
Qual a razão?
Para Pastore, a explicação foi
o risco eleitoral, com o avanço
do candidato do PT. O Brasil
precisa uns US$ 20 bilhões para
cobrir o déficit em conta corrente externo, mais quase US$
30 bilhões para cobrir amortizações. "Se há dúvidas sobre o
programa do provável futuro
presidente, o fluxo de capitais
encolhe, o câmbio sobe, aumenta a dívida líquida do setor
público em relação ao PIB, o
que exige um aumento no superávit primário", diz. "Sem
mais superávit primário, a dívida sai de controle. Se há dúvidas sobre a vontade futura em
produzir esses superávits, isso
traz dúvidas sobre a solvência,
os juros sobem, afetando mais
ainda a dívida, e o risco é de o
temor inicial se transformar
numa profecia auto-realizável."
Essa reação conjunta dos
mercados internos e externos se
dá porque existe, de fato, liberdade na movimentação de capitais e não há qualquer disposição deste governo em cerceá-la. O BC não tem muita margem de manobra para tentar
mudar o rumo do mercado.
Imaginar que, se o BC cortasse
os juros, reduziria a percepção
de risco não é correto, argumenta Pastore. Traria apenas
uma inconsistência entre taxas
curtas e longas, que embutiria
um potencial inflacionário.
O BC pode fixar a taxa curta
(Selic) e tentar influenciar a
longa. Mas a distância entre as
taxas curta e longa oscila muito. Desde 99, a taxa longa, de
início, esteve à frente da redução do juro curto pelo BC. Em
2000, as duas taxas estiveram
bastante coladas e o prêmio
quase inexistiu. Em 2001, ao
contrário, as taxas longas subiram antes do aumento da Selic
e o prêmio longo chegou a oito
pontos percentuais (800 pontos
básicos). Hoje, o prêmio está
em torno de 150 pontos básicos.
Pastore apoiou a decisão de
ontem do Copom, de não reduzir os juros, também por outra
razão. Quando sobe o risco
país, como agora, tende a haver
uma desvalorização do câmbio
porque o aumento dos juros externos reflete menos demanda
por títulos brasileiros e, portanto, alguma pressão sobre o fluxo de dólares. Se as empresas
procurarem se proteger contra
a desvalorização fazendo "hedge", a pressão sobre o câmbio
será ainda maior.
Hoje, há pouca procura por
hedge, porque seu custo é elevado, dados os juros altos. O cálculo do mercado é que o câmbio futuro deve refletir a cotação hoje ("spot"), mais o custo
financeiro de carregá-la (medido pelo DI). Se o BC reduzisse o
juro curto, argumenta, baratearia o custo do hedge e estimularia as empresas a procurá-lo. Acabaria havendo uma
pressão sobre o câmbio "spot".
Por tudo isso, ele acha que o
risco de o BC baixar os juros,
hoje, seria alto. Não só poderia
não ajudar a estimular a economia, como poderia até pressionar ainda mais o câmbio.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: Judiciário: OAB-SP pede fim da greve Próximo Texto: Comunicações: Senado aprova capital externo na mídia Índice
|