São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Milagre à italiana

AUGUSTO MARZAGÃO

Dentre os muitos, diversificados e legendários capítulos da história de Jânio Quadros, o das viagens internacionais ocupa lugar saliente. Nessa matéria, ele não teve nenhuma afinidade com Getúlio Vargas, que fora do Brasil só conheceu a Argentina. Tampouco com Salazar, que, atarraxado à sua cadeira ditatorial, nem sequer se dera ao trabalho de cruzar as fronteiras portuguesas para uma olhada nas vizinhas maravilhas européias.
Jânio, ao contrário, era um cavalheiro andante da globalização. Visitou tantas terras estrangeiras quanto lhe privilegiavam as oportunidades. Viajou de avião, de navio (inclusive cargueiro), de trem, de automóvel. As viagens aéreas não eram de sua predileção, mas não as recusava, embora ressalvando: "No avião me sinto um co-piloto gratuito, com ouvidos de tuberculoso" -dos quais se diz que adquirem uma sensibilidade capaz de captar qualquer ruído estranho. O ex-presidente comparava o homem que viaja ao tabaco: ambos melhoram com a mudança de ar.
Depois de eleito governador pela primeira vez (1954), Jânio Quadros rumou para a Europa -França, Alemanha e Itália-, onde visitou os museus e livrarias, e ainda as ruínas de guerra. Esteve também na Grã-Bretanha e Escócia, onde dizia que aproveitava a sua presença para conhecer o melhor "azeite" para lubrificar o espírito -uísque da fonte original.
Regressando ao Brasil, foi convidado para fazer uma palestra para estudantes de direito da faculdade do largo São Francisco, em São Paulo. Descreveu a viagem com riqueza de detalhes e num português irrepreensível.
Ao terminar, um estudante lhe perguntou a que se devia o milagre da recuperação econômica da Alemanha. Jânio não titubeou: "Basicamente ao Plano Marshall acrescido da sobre-humana determinação do povo alemão de reerguer o seu país dos escombros da tragédia. E recolocá-lo na trajetória das lideranças mundiais".
A seguir, outro estudante toma a palavra: "Governador, e o que dizer do milagre da recuperação da Itália?". Jânio pôs a mão no queixo, fez suspense. Seguiu-se um total silêncio no auditório. Enfim a resposta: "Meu caro futuro colega, na Itália, o caso foi de milagre mesmo...".


Augusto Marzagão, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente" (Editora Nova Fronteira), secretário particular dos presidentes Jânio Quadros e José Sarney e secretário de Comunicação Institucional do presidente Itamar Franco, escreve às sextas-feiras nesta seção



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