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FOLCLORE POLÍTICO
Milagre à italiana
AUGUSTO MARZAGÃO
Dentre os muitos, diversificados e legendários capítulos da
história de Jânio Quadros, o das
viagens internacionais ocupa lugar saliente. Nessa matéria, ele
não teve nenhuma afinidade com
Getúlio Vargas, que fora do Brasil
só conheceu a Argentina. Tampouco com Salazar, que, atarraxado à sua cadeira ditatorial,
nem sequer se dera ao trabalho de
cruzar as fronteiras portuguesas
para uma olhada nas vizinhas
maravilhas européias.
Jânio, ao contrário, era um cavalheiro andante da globalização. Visitou tantas terras estrangeiras quanto lhe privilegiavam
as oportunidades. Viajou de
avião, de navio (inclusive cargueiro), de trem, de automóvel.
As viagens aéreas não eram de
sua predileção, mas não as recusava, embora ressalvando: "No
avião me sinto um co-piloto gratuito, com ouvidos de tuberculoso" -dos quais se diz que adquirem uma sensibilidade capaz de
captar qualquer ruído estranho.
O ex-presidente comparava o homem que viaja ao tabaco: ambos
melhoram com a mudança de ar.
Depois de eleito governador pela primeira vez (1954), Jânio Quadros rumou para a Europa
-França, Alemanha e Itália-,
onde visitou os museus e livrarias,
e ainda as ruínas de guerra. Esteve também na Grã-Bretanha e
Escócia, onde dizia que aproveitava a sua presença para conhecer o melhor "azeite" para lubrificar o espírito -uísque da fonte
original.
Regressando ao Brasil, foi convidado para fazer uma palestra
para estudantes de direito da faculdade do largo São Francisco,
em São Paulo. Descreveu a viagem com riqueza de detalhes e
num português irrepreensível.
Ao terminar, um estudante lhe
perguntou a que se devia o milagre da recuperação econômica da
Alemanha. Jânio não titubeou:
"Basicamente ao Plano Marshall
acrescido da sobre-humana determinação do povo alemão de
reerguer o seu país dos escombros
da tragédia. E recolocá-lo na trajetória das lideranças mundiais".
A seguir, outro estudante toma
a palavra: "Governador, e o que
dizer do milagre da recuperação
da Itália?". Jânio pôs a mão no
queixo, fez suspense. Seguiu-se
um total silêncio no auditório.
Enfim a resposta: "Meu caro futuro colega, na Itália, o caso foi de
milagre mesmo...".
Augusto Marzagão, jornalista, autor do
livro "Memorial do Presente" (Editora
Nova Fronteira), secretário particular
dos presidentes Jânio Quadros e José
Sarney e secretário de Comunicação Institucional do presidente Itamar Franco,
escreve às sextas-feiras nesta seção
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