São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002

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CANDIDATOS NA FOLHA/ MALUF

Maluf ignora questões e diz que 'Rota vem quente'

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Platéia acompanha debate com o candidato pepebista; 280 pessoas compareceram ao Teatro Folha, no Shopping Pátio Higienópolis (centro de SP)



Ex-prefeito reafirma que nunca teve contas no exterior, mas não revela quem são os donos de fundos em Jersey que aplicaram US$ 89 mi em sua empresa, a Eucatex


DA REPORTAGEM LOCAL

O candidato do PPB ao governo de São Paulo, Paulo Maluf, 70, foi evasivo e lacônico ontem ao abordar o endividamento a que submeteu a Prefeitura de São Paulo.
Quase sempre refratário a questões objetivas, o ex-prefeito elegeu como proposta para reduzir a violência um vago "princípio da autoridade" e criticou o que chamou de "imobilismo" do governador Geraldo Alckmin (PSDB) no Estado. "Problema de segurança não é investimento. É autoridade", disse. Em outro momento, afirmou que, se eleito governador, "a Rota vem quente".
Munido de recortes de jornais, Maluf atacou seguidas vezes a gestão Alckmin. Disse que no seu eventual governo os "corruptos" do governo tucano serão investigados.
O pepebista negou novamente que mantenha dinheiro em bancos no exterior, em especial na ilha de Jersey. A Folha revelou que Maluf teve bloqueados há mais de um ano US$ 200 milhões naquele protetorado britânico. "Abriram o meu sigilo bancário. Eu só tenho conta aqui e em mais lugar nenhum", declarou o candidato pepebista.
Questionado, Maluf tergiversou ao responder quem são os detentores de fundos de investimento em Jersey que aplicaram US$ 89 milhões na Eucatex em 1997. "Está tudo registrado na CVM", disse.
Maluf, que participou da série "Candidatos na Folha", foi entrevistado pelo secretário de Redação da Folha, Fernando Canzian, pelo editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, pelo editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, e pelo editor do Painel, Rogério Gentile, além de leitores convidados pelo jornal.

O candidato Paulo Maluf abriu sua apresentação apontando as diferenças entre o Estado de São Paulo hoje e aquele que administrou entre 1979 e 1982. "O Estado que eu governei não existe mais. O Banespa era de São Paulo. O governador tinha o poder político para promover financiamentos para instalação de indústrias do segundo maior banco do país naquela época. Hoje o Banespa não é mais de São Paulo. É da Espanha. A Eletropaulo é dos franceses. A CPFL, que é maior distribuidora de energia elétrica existente no interior, não é mais de São Paulo, é de banqueiros e empreiteiros", exemplificou.
"Ciro Gomes perguntou para José Serra, no debate: o que foi feito da montanha de dinheiro das privatizações? Serra fugiu da resposta. A mesma pergunta foi feita para Geraldo Alckmin no debate da Bandeirantes. Onde é que está a montanha de dinheiro das privatizações? Este dinheiro ninguém sabe onde foi. E a dívida do Estado de São Paulo, na administração direta, que era R$ 12,9 bilhões, aumentou sete vezes e está em R$ 92 bilhões", expôs.

MALUF E PITTA
O secretário de Redação Fernando Canzian, moderador do debate, fez a primeira pergunta lembrando declarações de Maluf, como "sujei, deixa eu limpar", a respeito da administração do ex-aliado Celso Pitta, e "escreveu, não leu, o pau comeu", sobre a questão da segurança. O jornalista questionou se o atual estágio da democracia brasileira não dispensaria afirmações como essas.
Maluf começou a resposta explicando o apoio a Pitta. "Eu errei. Quis trazer um novo quadro. São Paulo deu uma demonstração linda de que não tem preconceitos. Elege uma Luiza Erundina, nordestina, elege um Paulo Maluf, filho de libaneses, e elege também um afro para prefeito de São Paulo", afirmou, sem justificar as demais declarações.

REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA
Canzian perguntou como Maluf pretendia reduzir a criminalidade em seis meses como promete em sua campanha. O ex-governador começou a ler uma tabela com o aumento do número de homicídios em várias cidades de São Paulo. "O nível de violência chegou a tal ponto que não dá para crescer mais, a não ser com um governador fraco e frouxo, que não é o meu caso", declarou.
O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, pediu que Maluf respondesse objetivamente como reduzir a criminalidade em seis meses. "Para você começar a andar 100 quilômetros você precisa dar o primeiro passo. Vou agir a médio prazo, longo prazo e curto prazo. A longo prazo: justiça social, tentar dar emprego para todos, combater o tráfico de drogas nas escolas, onde for, e também acabar com esse problema da progressão continuada, que nós não estamos formando ninguém nas escolas. Isso aqui vai ajudar a combater a violência a longo prazo", discursou.
"A médio prazo, com Paulo Maluf, vai ser diferente. Não vamos ter uma rebelião. Bandido queimou colchão, bandido vai dormir no chão. Não vou fazer acordo com bandido, bandido é bandido e polícia é polícia. E a curto prazo quero dizer o seguinte: a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, grupo de elite da Polícia Militar) vai para a rua mesmo. E vem muito quente. O problema de segurança não é investimento. O problema de segurança é a autoridade do governador e do secretário", afirmou.
Para exemplificar sua tese, criticou a entrega de carros de polícia que vem sendo feita pelo governo do Estado, que comparou ao "Show do Milhão", programa de televisão do SBT, e afirmou que houve 20 mil fugas em presídios de São Paulo.
"Eu vou colocar a Rota na rua. Meu projeto é que em todas as cidades acima de 300 mil habitantes haja um pelotão da Rota, com soldados que vão ser recrutados na própria cidade para que conheçam as ruas da cidade, as praças, as pessoas e que vão fazer o policiamento ostensivo 24 horas por dia", declarou.

APOIO A FHC
Barros e Silva lembrou que, em 1998, Maluf apoiou a candidatura de Fernando Henrique Cardoso à reeleição e hoje se tornou crítico do modelo econômico implantado pelo governo que apoiou. "Uma coisa é ser base, como nós fomos, do Brasil. Outra coisa é ser base do governo . Ajudamos o governo Fernando Henrique Cardoso. Agora vaquinha de presépio não sou e nunca serei, porque até no meu partido fui oposição a muita coisa que aconteceu."

APOIO A LULA
O editor do Painel, Rogério Gentile, perguntou se Maluf apoiaria Lula para presidente e lembrou que já o chamou de "ave de rapina" e "falso Papai Noel".
"Meu partido não tem candidato. Agora, no segundo turno, já digo desde já minha exigência. São Paulo paga índice 100 de impostos federais e recebe de volta 8. Vou colocar uma exigência: devolva no mínimo 40% de investimento do governo federal em São Paulo ou não vou apoiar ninguém no segundo turno."
Sobre seu posicionamento contrário à emenda que estabelecia eleição direta para presidente da República em 84, disse: "Apenas obedeci a posição do partido".

CONDENAÇÕES
O editor Fernando de Barros e Silva lembrou que Maluf repete que, em 35 anos de vida pública, não teve nenhuma condenação judicial definitiva. O jornalista lembrou de sentença na qual ele foi condenado por ter mandado pagar com dinheiro público anúncio que foi interpretado como de benefício pessoal.
"Eu disse condenação criminal, porque essa é cível. Eu repeti e repito: nenhuma condenação criminal. Esta é cível. Se eu for condenado, vou ter que pagar o anúncio, mais nada."
Maluf mudou de assunto em seguida, mostrando um exemplar antigo da Folha. "A Folha tem um jornalismo investigativo maravilhoso. Faz um ano, dia 18 de agosto de 2001: "Obra do Rodoanel vai ter estouro de 70% no custo". Ou seja, aqui não é pagar um anúncio. É uma obra que, em vez de custar R$ 270 milhões, vai custar R$ 600 milhões. Vejo nos jornais hoje que o Ministério Público abriu um processo contra o PT porque meia dúzia de carros oficiais foram lá no comitê do Genoino. Quer dizer, gastaram 15 litros de gasolina. Aqui gastaram 2.000 petroleiros e o Ministério Público não abre processo contra isso", afirmou.
O editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, citou que a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 14ª Vara da Fazenda Pública, condenou Maluf a devolver R$ 1,2 bilhão, em razão do endividamento feito para obras que ele realizou quando era prefeito de São Paulo em 1996.
"Todas as minhas contas estão aprovadas pelo Tribunal de Contas [do Município]", respondeu o pepebista.

DINHEIRO NO EXTERIOR
Fernando Canzian referiu-se a uma reportagem da Folha que revelou o bloqueio de contas de Maluf nas Ilhas de Jersey, no valor de US$ 200 milhões há um ano. Disse que, há dois meses, foi revelado que, em 1997, três fundos do Deutsche Bank em Jersey compraram 36% das ações ordinárias (com direito a voto) e 29% das ações preferenciais da Eucatex S.A. Indústria e Comércio. A empresa pertence à família do ex-prefeito paulistano. Os fundos constituídos pelo Deutsche Bank compraram US$ 89,3 milhões em ações da Eucatex.
Canzian disse que a operação seria, em tese, extremamente desvantajosa para os fundos, porque era um momento em que os investidores estavam tirando dinheiro do Brasil, com medo de uma crise cambial, em vez de colocar recursos, como fizeram os fundos.
"Já desmenti mil vezes [que tenha contas no exterior". Vou desmentir 2.000 vezes, 10 mil vezes, porque não tenho contas. Não tenho nenhuma conta fora do Brasil, não tenho. A minha empresa, graças a Deus, tem 50 anos, 3.000 trabalhadores diretos, 5.000 indiretos. Plantei na minha vida 80 milhões de árvores. Sou o maior reflorestador privado aqui do Estado de São Paulo. Eu produzo oxigênio contra a poluição. Então, uma legislação na Alemanha, do Partido Verde, dá prioridade para investimentos em empresas que reflorestam. Eles vieram em 97. Estávamos precisando de capital de giro. Vendemos um pedaço da empresa. Está tudo registrado na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), tudo absolutamente normal", respondeu o ex-governador.
Canzian perguntou quem são os proprietários dos fundos do Deutsche Bank. "Está lá na CVM", disse Maluf. O jornalista afirmou que nos registros não constam o nome dos proprietários do dinheiro, mas apenas uma conta numerada e pediu que revelasse os nomes.
"Os fundos estão todos registrados na CVM. Tudo absolutamente registrado. Tanto é que não corre nenhuma ação no Ministério da Fazenda, que seria o órgão para isso", respondeu Maluf.
Canzian lembrou que o procurador-geral de Genebra mandou uma carta ao Brasil na qual afirma que ordenou a apreensão preventiva de diversos documentos bancários da família Maluf. Citou que o Ministério Público suspeita de que o dinheiro bloqueado no exterior tenha origem em obras superfaturadas em São Paulo.
"Abriram o meu sigilo bancário, eu só tenho conta aqui e em lugar nenhum. A Folha publicou uma inverdade um dia. Publicou que eu tinha uma conta em Genebra. O meu sigilo telefônico foi quebrado -20 números telefônicos, durante 9 anos- e havia uma ligação para Genebra. Perguntei para minha secretária e ela me mostrou: está aqui uma ligação. Foi o fax que o senhor mandou pelo falecimento do presidente do Banco Safra, Edmond Safra", disse Maluf.
Segundo o Ministério Público, a quebra do sigilo telefônico da família de Paulo Maluf mostrou a existência de 15 ligações dos telefones de sua filha Lygia para o Citibank de Genebra, entre abril de 1994 e março de 1996, que somaram 332 minutos.
Depois da sabatina, em entrevista, Maluf questionou a duração dos telefonemas. "O Ministério Público cometeu um crime funcional. Enviou dados [que estavam" sob segredo de Justiça para as redações e com os dados errados sobre o número de minutos, que eram segundos", afirmou.

TERRORISMO ECONÔMICO
Rogério Gentile citou declarações de Maluf sobre mudanças de empresas para outros Estados e leu nota na qual uma delas (a Tilibra, de Bauru) nega a informação dada pelo ex-prefeito. Perguntou se ele não estava fazendo "terrorismo econômico".
"Quero dizer para você que foi um engano meu sim. O deputado estadual Carlos Braga, de Bauru, me deu essa informação. Por um pedido do governador, vão esperar a eleição. Se eu dei a informação errada eu quero me penitenciar", afirmou. "Mas não há que se negar que o Covas e o Alckmin promoveram o maior desemprego e a maior fuga de indústrias da história de São Paulo."

DÍVIDA
Nilson de Oliveira afirmou que a administração de Maluf na Prefeitura de São Paulo fez com que fosse reduzida substancialmente a capacidade de investimento da cidade.
Lembrou que Maluf assumiu com uma dívida de R$ 3 bilhões e a entregou com uma dívida de R$ 7 bilhões.
"É o mesmo juro pornográfico que aumentou a dívida interna brasileira de R$ 70 bilhões, herdada do governo Itamar Franco, para mais de R$ 700 bilhões para o sucessor de Fernando Henrique. Posso dizer o seguinte: eu deixei ativos na cidade. Eu mudei a cara de cidade de São Paulo."
"Eu não aumentei a dívida, ao contrário. Eu deixei para a cidade oito túneis, três grandes avenidas, quase mil ruas asfaltadas", elencou o ex-prefeito.
Canzian lembrou que o colunista José Simão chama Alckmin de "picolé de chuchu diet" e diz que Maluf deveria virar comediante da "Zorra Total", programa de humor da TV Globo.
"Pessoalmente, acho que o homem público tem que ser respeitado, seja o Alckmin, seja o Lula, seja o Ciro, seja o Garotinho, seja o Serra", disse.
"O Zé Simão pode ter certeza: se eu for governador, São Paulo vai mudar para melhor. Vou ser o melhor governador."



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