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ENTREVISTA DA 2ª
Para José Júlio Senna, chance de guerra eleva aversão ao risco
Incógnita sobre próximo governo explica dólar alto
DO PAINEL S.A.
A incerteza quanto à qualidade
da política econômica do próximo governo e o cenário externo
adverso são duas das razões principais para a alta do dólar, que fechou a R$ 3,405 na sexta-feira e
acumula alta de 13% no mês.
A opinião é do economista José
Júlio Senna, 56, Ph.D. em economia pela Universidade Johns
Hopkins University (EUA), ex-diretor do Banco Central e sócio da
MCM Consultores Associados.
Para ele, a situação ainda pode
piorar, em caso de uma guerra.
No cenário doméstico, o BC tem
pouco o que fazer. Leia a seguir
trechos da entrevista dada à Folha.
(GUILHERME BARROS).
Folha - Diante do quadro atual, é
possível dizer que o pacote de cerca de US$ 30,5 bilhões do FMI não
ajudou em nada?
José Júlio Senna - Creio que não
é possível afirmar isso. O quadro
atual seria bem mais tenso, se não
tivesse sido fechado o programa
com o Fundo Monetário. De modo geral, as expectativas do mercado, tanto aqui quanto lá fora,
foram relativamente contidas
quando os candidatos à Presidência assumiram publicamente o
compromisso de dar continuidade ao programa posto em prática
pela administração Fernando
Henrique Cardoso.
O apoio do FMI, porém, não
opera milagres. Ele serve de indutor à oferta de crédito por parte do
setor privado, mas não consegue
assegurar que essa oferta se manifeste na intensidade e no ritmo
desejados. Além disso, a despeito
do compromisso assumido, nada
garante que não se possa voltar
atrás. Observe-se, por exemplo,
que, de acordo com o que está definido no programa atual, pode
ser preciso redefinir as metas trimestrais de superávit primário,
em função do comportamento do
juro real e do efetivo desempenho
da economia. Se o juro real não
cair de maneira expressiva, e se a
economia não retomar a trajetória de crescimento, as condições
de estabilidade da relação dívida/
PIB exigirão algum aumento do
superávit primário.
Será que o próximo governante
irá concordar em promover novas revisões de metas? Seguramente não, e isso explica, em parte, o nervosismo do mercado.
Folha - Por que a situação voltou
a piorar, recentemente, com dólar
e risco-país em alta?
Senna - As razões básicas são
duas. Primeiro, as incertezas
quanto à qualidade da política
econômica do próximo governo
e, segundo, o fato de que o ambiente externo mostra-se bastante
adverso. Sobre esse segundo aspecto, deve-se ressaltar que há
uma certa retração na disposição
para financiar países emergentes,
depois da crise da Rússia e do episódio da quebra do LTCM [Long
Term Capital Management, fundo agressivo que investia em países emergentes", soma-se agora
um comércio mundial em retração. Já são dois anos de contração
no volume do comércio internacional, o que resulta de ritmos
bastante modestos de crescimento nas três principais regiões econômicas do planeta: EUA, zona
do euro e Japão. Em grau ainda
modesto, medidas protecionistas
voltaram a fazer parte do cenário.
Folha - Quais as razões desse
crescimento lento no mundo?
Senna - O Japão vive a fase pós-bolha, há cerca de dez anos. Os
governantes, principalmente o
Banco Central do Japão, foram
excessivamente otimistas com relação às perspectivas de inflação e
de crescimento no início dos anos
90. Não perceberam que as forças
do crescimento estavam minguando e que a deflação estava a
caminho. Foram tímidos na política de redução dos juros e a deflação efetivamente se instalou. No
final de 2002, serão quatro anos
de queda efetiva de preços, o que
torna a solução bem mais difícil.
Quanto aos EUA e à Europa, os
fenômenos foram os mesmos. Os
anos 90 foram de prosperidade,
alimentada por um ritmo bastante forte de crescimento dos investimentos privados, induzido, por
sua vez, pelo avanço tecnológico,
na área da informação. Como
costuma acontecer nesses raros
episódios de mudança marcante
de tecnologia, as Bolsas de Valores entraram em ebulição. Ao
mesmo tempo, as autoridades
monetárias, especialmente o Fed
[banco central dos EUA", permitiram expressivo ritmo de crescimento monetário, que deu ainda
mais gás à fase de euforia.
No final do ciclo, os empresários perceberam que haviam investido em excesso, e os investidores entenderam que exageraram nos preços das ações, ao mesmo tempo em que o Fed pisava no
freio monetário. Os resultados
são conhecidos. Para voltar à normalidade, será preciso livrar-se
do excesso de capacidade produtiva, o que costuma acontecer mediante a retomada do consumo
privado. Esse, porém, lamentavelmente, encontra-se contido, diante de tanta notícia ruim, nos últimos tempos: a própria queda dos
mercados acionários, a desconfiança acerca dos balanços das
empresas, a ameaça terrorista e,
como se não bastassem esses fatores, a perspectiva de guerra.
Folha - Quais as suas previsões
até o final do ano?
Senna - No campo externo, é
bem pouco provável que haja alteração expressiva. Se de fato houver guerra, a tendência, na verdade, é de agravamento. Num ambiente como esse, cresce a aversão
a risco nas economias centrais. O
baixo nível dos juros de dez anos
nos Estados Unidos, por exemplo, de 3,8% ao ano, é reflexo não
apenas de desânimo com relação
às perspectivas da economia, mas
também desse desejo dos investidores de procurar ativos de menor risco, em épocas de turbulências. No terreno doméstico, tudo
dependerá dos resultados das
eleições. A esse respeito, os participantes de mercado já têm opinião formada. Sobre isso, cabe
lembrar os ensinamentos de Keynes acerca de investimentos em
geral. Para acertar quem será a
vencedora de um concurso de beleza, o indivíduo não deve escolher a que ele considera a mais bonita, mas sim procurar adivinhar
a opinião média dos participantes. Na questão das eleições, a opinião média já se formou: o mercado gosta mais de um candidato do
que de outro.
Folha - Lula representa o risco
maior?
Senna - O mercado entende dessa maneira. Mas é preciso notar
que, na verdade, há uma grande
incógnita a respeito do que seria a
política econômica de Lula, caso
eleito. Em qualquer campanha, é
sempre muito difícil distinguir
propostas de política voltadas exclusivamente para ganhar votos
de idéias que efetivamente imagina-se possam ser colocadas em
prática. No caso de Lula, trata-se
de uma longa campanha para ganhar a Presidência, que já dura
mais de uma década, período ao
longo do qual acumularam-se
muitos compromissos. Apesar
disso tudo, parece predominar
uma boa noção das limitações
práticas que sempre se apresentam à ação dos governantes. Embora legítimas em termos de aspiração, muitas coisas simplesmente não podem ser feitas, ou só podem ser implementadas aos poucos, com muita paciência. Além
disso, pesam sobre o PT muitos
rótulos assustadores. Em parte
por isso, acredito que Lula adotará, se eleito, um tom bastante conciliador. Os anúncios sobre a política econômica a ser posta em
prática em 2003 tenderão a ser
sensatos, caracterizando o que
poderia ser chamada de uma estratégia "market friendly" ["convivência amigável"".
Folha - Se é assim, por que o mercado continua nervoso, e reage negativamente toda vez que Lula sobe nas pesquisas, principalmente
diante da possibilidade de uma vitória no primeiro turno?
Senna - Porque não é possível
ter certeza de que a concepção de
política pró-mercado dos vencedores da eleição coincida com a
concepção sobre o assunto dos
agentes econômicos de modo geral, em especial dos que têm
maior poder para influenciar os
mercados.
Folha - Qual o papel do Banco
Central em momentos como este?
Senna - Não há muito o que inventar, a este respeito. Mas algumas coisas parecem básicas. Primeiro, é preciso evitar pôr lenha
na fogueira das preocupações, o
que certamente aconteceria caso
houvesse aumento de taxa de juro. Está correta a atitude do BC no
sentido de manter estável a taxa
Selic, de dedo no gatilho para reduzir o juro, na primeira oportunidade. Segundo, é fundamental
tranquilizar os detentores de papéis públicos, dando liquidez aos
títulos e procurando reduzir o
prazo médio da dívida pública, na
medida do necessário.
Terceiro, como vem fazendo o
BC, procurar chamar a atenção
para os grandes avanços institucionais ocorridos na economia
brasileira, em tempos recentes:
Lei de Responsabilidade Fiscal,
câmbio flutuante, metas de inflação, etc.
Quarto, trabalhar arduamente
no sentido do restabelecimento
do crédito externo, sendo igualmente correta a busca de apoio
das organizações internacionais,
em especial do FMI. Quinto, intervir no mercado de câmbio apenas para corrigir as eventuais deficiências de recursos externos,
sem a preocupação de manter fixa
a taxa de câmbio. Em suma, em
termos gerais, agir como tem feito
recentemente o Banco Central do
Brasil.
Folha - Como garantir a retomada do crescimento?
Senna - Essa é a grande questão.
O Brasil experimenta duas décadas de crescimento econômico
bastante modesto. Em larga medida, o crédito externo, que o programa com o FMI procura estimular, tornou-se mais escasso
exatamente por essa razão.
Nos últimos oito anos, apesar
do fantástico resultado no terreno
da inflação, não foi possível obter
taxas expressivas de crescimento,
sendo que apenas parte disso pode ser atribuída ao custo "normal" do combate à inflação. A
média anual de crescimento do
PIB foi de 2,4% ao ano. Com a
questão eleitoral, vieram as dúvidas sobre a capacidade dos próximos governantes de promover a
retomada do crescimento, devendo-se lembrar que qualquer economia, para crescer, requer condições econômicas e políticas saudáveis, arcabouço institucional
propício aos negócios etc.
Sem crescimento, fica bem mais
difícil, independentemente do
país, obter crédito. É o que acontece também com as empresas.
Ninguém empresta recurso para
quem não cresce ou o faz em ritmo lento.
Folha - De que fatores depende
essa retomada do crescimento?
Senna - Em primeiríssimo lugar,
do restabelecimento da confiança, hoje abalada por uma série de
razões e agravada pelo mau humor predominante no mundo
desenvolvido. Para que a confiança se restabeleça, o principal são o
anúncio e a colocação em prática
de políticas econômicas saudáveis, por parte dos governantes
que serão eleitos em outubro. Se
isso de fato acontecer, as expectativas se reverterão, o câmbio se
apreciará, seguindo o ritmo da redução dos prêmios de risco do
país, e as taxas de juros recuarão,
viabilizando-se a redução da própria taxa Selic [que hoje está em
18% ao ano". Isso daria um grande alívio e principalmente tempo
ao novo presidente para implementar sua política num ambiente bem mais favorável.
Mas não faz sentido alimentar
ilusões. A tarefa do próximo governante será necessariamente árdua.
Folha - Quais os grandes desafios?
Senna - Além da necessidade
óbvia de aumentar as exportações, será preciso conter o ritmo
de expansão do gasto público.
O governo Fernando Henrique
realizou bastante, pois deu início
à reforma do Estado, colocou, no
segundo mandato, o ajustamento
fiscal em plano prioritário, promoveu a aprovação da importantíssima Lei de Responsabilidade
Fiscal, mas não teve êxito em conter o crescimento do gasto público. Em larga medida, isso dependeria também do Congresso
aprofundar as reformas.
O fato concreto é que, em oito
anos, o gasto público cresceu 6 %
ao ano, em média, em termos
reais. A carga tributária cresceu
muito justamente porque o gasto
não parou de subir. Tentativas de
reformas tributárias terão resultados práticos sempre muito precários enquanto prevalecer a idéia
de que elas têm de ser neutras em
termos de impactos sobre a receita. É preciso que o ritmo de crescimento do gasto público caia para
que a receita possa diminuir. Isso
terá largo proveito para a economia como um todo, ou seja, para
o processo de crescimento, viabilizando-se reformas tributárias
eficazes. É um erro pensar que o
crescimento do gasto governamental ajuda o processo de crescimento. É justamente o contrário.
Folha - Mas isso será suficiente
para a normalização do crédito externo? O Brasil precisará de mais
recursos internacionais?
Senna - Políticas nessa direção
serão de fundamental importância. Na verdade, o fundamental é
que o próximo governante dê sinais efetivos de que compreende a
natureza dos problemas e de que
se dispõe a negociar as necessárias reformas com o novo Congresso. Como é bem provável que
esse Congresso esteja com o poder ainda mais pulverizado do
que agora, certamente não será
tarefa fácil. Quanto à questão dos
recursos, o Brasil ainda precisará,
por um bom tempo, de financiamento externo. Não me refiro a
dinheiro do FMI, mas a recursos
privados. O FMI é apenas indutor,
nesse processo.
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