UOL

São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIRETAS-JÁ - 20 ANOS

Em março de 1983, jornal elegeu a volta da democracia plena como prioridade da agenda nacional; o restante da mídia não o acompanhou

Defesa das diretas fixou identidade da Folha

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Oito meses antes da festa-comício do Pacaembu, quando ainda eram incipientes na sociedade civil as manifestações de adesão ao então recente projeto de emenda constitucional propondo eleições diretas, a Folha decidiu dar o seu primeiro passo em direção à campanha que, a seguir, seria indissociável da atuação do jornal.
Foi um passo discreto, mas que sinalizou claramente o caminho. "O êxito da tese das eleições diretas será tão menos improvável quanto mais firme e abertamente ela seja sustentada pelos setores da opinião pública que lhe são favoráveis", afirmava o editorial de 27 de março de 1983.
Importava, pois, ganhar as ruas. "Na atual situação de graves dificuldades econômicas e demandas sociais insatisfeitas, tal forma de escolha [eleições diretas] se apresenta como a mais apta a estabelecer vínculos sólidos e de confiança entre governo e sociedade", sustentava o jornal.
Se a maioria das pessoas apoiava a idéia das diretas, como revelou pesquisa publicada pela Folha em 22 de abril, essa vontade ainda não havia se convertido em mobilização. Nos meses seguintes, salvo articulações de gabinete e um ato público isolado que o PMDB promoveu em Goiânia, em 15 de junho, não ocorreram manifestações relevantes.
A cobertura jornalística do movimento pelas diretas ganhou maior visibilidade a partir do momento em que o comando suprapartidário da campanha marcou a data da manifestação no Pacaembu: 27 de novembro. Nas edições que antecederam o evento e na do próprio domingo, quando ele foi realizado, o jornal publicou manchetes e editoriais que buscavam fixar o tema como prioridade da agenda nacional.
O comício ficou aquém das expectativas. E a Folha, já no editorial do dia seguinte, identificava os erros: "O viés amadorista e por vezes ainda sectário que persiste no discurso do PT, o que dificulta o entendimento com outras forças oposicionistas; o caráter hesitante e reticente do apoio oferecido pelo PMDB ao evento, o que transforma sua adesão em mero respaldo formal e não em compromisso concreto com o trabalho de base; e o silêncio significativo de boa parte da imprensa, em especial setores do rádio e TV, que não se empenharam em dar a cobertura que a importância do ato merecia".
O peemedebista Franco Montoro, governador de São Paulo, que no dia da festa publicou um artigo na Folha conclamando a população a ir à praça, não compareceu. Nem ele nem outros governadores de oposição que tinham acabado de lançar um manifesto a favor das diretas. O editorial os alfinetou: "O receio de ser criticado em praça pública é humano, mas não se deve justificar a omissão daqueles que se identificam com a perspectiva democrática".
O texto concluía com uma nota otimista: "O ato público do Pacaembu representou, sem dúvida, uma nova etapa na luta democrática". A realidade, porém, era que, após o início vacilante, a oposição se mostrava incapaz de traduzir o anseio da sociedade em alternativa política concreta.

Letargia vergonhosa
Assistia-se a uma "letargia vergonhosa", disse a Folha em editorial de primeira página em 18 de dezembro. A cobrança era dura: "Tamanha incapacidade de criar fatos políticos que expressem a irreversibilidade das diretas deve ser apontada como uma verdadeira traição aos respectivos programas partidários e à vontade transparente da opinião pública".
Em janeiro de 1984, o noticiário do jornal passou a identificar os congressistas segundo sua posição em relação à emenda, informando se o político era pró-diretas ou pró-indiretas. Nessa altura, o jornal já estava em plena campanha pró-diretas. Mas falava sozinho; o restante da mídia não o acompanhava. Sintonizada com a maioria do eleitorado na busca pelo reestabelecimento da democracia plena no país, a Folha aprofundou suas transformações editoriais de meados dos anos 70, quando apostou no projeto de abertura política do governo Geisel, aparelhando-se para ocupar o espaço que se apresentava.
A decisão de entrar na campanha pelas diretas, tomada pela direção do jornal, fora defendida por Otavio Frias Filho, então secretário do Conselho Editorial. Ao mesmo tempo, chegou às mãos de Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, uma proposta por escrito, com teor semelhante, do repórter Ricardo Kotscho (hoje assessor de imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva).
Com o primeiro grande comício, o da praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro, aniversário da cidade, a campanha não podia ser mais ignorada pela mídia. Os comícios se multiplicaram pelas grandes cidades e o jornal mobilizou recursos para fazer a cobertura mais extensiva.
No dia 12 de fevereiro, a Folha publica o editorial "Amarelo, sim", defendendo o uso da cor amarela como símbolo da campanha, para "afastar corajosamente as nuances do espectro político para abraçar apenas uma delas, cristalina como a luz do dia, que dispensa apresentações". Dois dias depois, os presidentes do PT, PMDB e PDT lançam a campanha "Use Amarelo pelas Diretas".
A partir do dia 18 de abril, o jornal passa a ser publicado com uma faixa amarela com a frase: "Use amarelo pelas diretas-já". No dia 22, a Folha publicou o número dos telefones de todos os congressistas, "a fim de que os leitores tenham a oportunidade de se comunicar diretamente com os parlamentares, manifestando a eles seu desejo de que a emenda Dante de Oliveira seja aprovada".
Quando o Congresso rejeitou a emenda, a Folha mais uma vez captou o sentimento popular. "A NAÇÃO FRUSTRADA!" foi a manchete de 26 de abril. No lugar da faixa amarela ("Use amarelo pelas diretas-já"), o jornal colocou uma tarja preta ("Use preto pelo Congresso Nacional"). Na primeira página, a lista com os nomes dos responsáveis pela derrota. Ao lado, o editorial os chamava de "fiapos de homens públicos, fósseis da ditadura".


Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de "O Brasil em Sobressalto - 80 Anos de História Contados pela Folha" (Publifolha).



Texto Anterior: "Vocês estão com medo de quê?"
Próximo Texto: Recessão e inflação marcaram período
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.