São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Líder do PT promete fim do "toma-lá-dá-cá" no Congresso

PT pode fazer bloco com PMDB, afirma João Paulo

Lula Marques/Folha Imagem
Deputado federal João Paulo Cunha (SP), líder do PT na Câmara


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

O deputado federal João Paulo Cunha (SP), líder do PT na Câmara e candidato do partido à presidência da Casa, diz que a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder não fará com que o Brasil tenha um governo socialista. "O governo Lula será democrático, popular, de reformas, mas não se caracterizará como socialista."
Para garantir sua eleição, admite formar um bloco com o PMDB para se contrapor à união PSDB-PFL, embora o partido tenha ficado fora do futuro ministério: "Já temos um acordo com o PMDB para eleger os presidentes da Câmara e do Senado. Esse acerto independe da eventual participação do PMDB no governo Lula".
Se chegar à presidência da Câmara, afirma que priorizará a aprovação das cinco reformas prometidas por Lula na campanha: tributária, previdenciária, política, trabalhista e social. A mais fácil, afirma, seria a tributária. No caso da Previdência, o petista é evasivo. Não diz com clareza se o PT defende o projeto que elimina a aposentadoria integral para futuros servidores públicos.
Na sua plataforma de campanha, ele repete antecessores. Promete lutar pela "independência" do Legislativo. Mas admite atender a pedidos de Lula para inverter a pauta de votações desde que os projetos sejam de "interesse da nação". O petista acha possível construir para Lula uma "maioria segura" no Legislativo sem precisar recorrer ao "toma-lá-dá-cá".
Diz que o PT abandonará a negociação no varejo com deputados, mas não condena o inchaço de partidos pequenos, como o PL e o PTB, que têm cooptado deputados prometendo facilidades no governo Lula. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha na última sexta-feira:
 

Folha - PSDB e PFL acabam de formar um bloco. Insinuam que podem lançar um candidato para concorrer à presidência da Câmara. A sua eleição está ameaçada?
João Paulo Cunha -
A toda ação corresponde uma reação. Se houver o bloco do PSDB com o PFL, o outro lado também terá que formar um bloco. Acho que essa política de bloco não é a melhor. O ideal é ser o mais fiel possível à vontade do eleitor.

Folha - Que bloco poderia ser feito para se opor ao do PSDB-PFL?
João Paulo -
Primeiro há os partidos que vão compor a base de sustentação do próximo governo. E também o PMDB, com quem temos discutido bastante.

Folha - É possível formar um bloco com o PMDB, mesmo depois que ele foi deixado de fora do governo?
João Paulo -
É possível. Já temos um acordo com o PMDB para eleger os presidentes da Câmara e do Senado. Esse acerto independe da eventual participação do PMDB no governo Lula.

Folha - Esse bloco PT-PMDB pode ser feito na Câmara e no Senado?
João Paulo -
Sim. Também com os outros partidos da coalizão. A razão seria fazer com que o partido majoritário indique o presidente da Câmara e o do Senado. É um critério universal, um critério bom e que corresponde ao resultado das urnas.

Folha - O sr. acha que o PT deveria fazer autocrítica por ter tentado lançar candidato a presidente da Câmara quando era minoritário?
João Paulo -
Não sei se o PT faz autocrítica. Eu faço.

Folha - O PT condena quando deputados trocam de partidos, mas aliados do governo Lula -PL, PTB e PSB- estão cooptando congressistas. Ao dar ministérios para essas siglas, o PT não os estimula a receber filiações de mais deputados?
João Paulo -
Não há correspondência entre a participação no Executivo e o crescimento das bancadas. Agora, se os partidos da Câmara resolvem procurar outros deputados para aumentar suas bancadas, infelizmente o PT não tem como controlar isso.

Folha - O sr. acha correto que os partidos aliados do PT façam isso?
João Paulo -
Cada partido tem a sua política. Não vou emitir opinião sobre o que é correto ou não na decisão de PSB, PTB ou PL.

Folha - O PT não vai atrapalhar em nada essa prática?
João Paulo -
Não. O PT não vai se intrometer na vida de nenhum partido.

Folha - Na sua avaliação, quantos deputados estarão declaradamente dentro da base de apoio ao Lula?
João Paulo -
Com base no resultado das urnas, 296 parlamentares -se for possível contar com os votos do PMDB.

Folha - Parece difícil que o PMDB participe do governo. Nesse caso, será necessário construir maiorias episódicas. Como o PT fará isso?
João Paulo -
No governo do PT não haverá toma-lá-dá-cá. Claro que não vai ter uma porta impedindo as pessoas de entrarem no governo, mas não terá o toma-lá-dá-cá. O presidente está determinado a impedir que esse governo seja contaminado com fisiologismo. Essa prática e esse linguajar estão banidos do dicionário do próximo governo.

Folha - Se é assim tão fácil, por que Fernando Henrique Cardoso teve tanta dificuldade para montar maiorias nas votações polêmicas?
João Paulo -
Acho que ele aprovou basicamente tudo o que ele quis, da reeleição à reforma da ordem econômica.

Folha - Como o PT enfrentará a ala esquerda do partido?
João Paulo -
Não há divisão no partido: todos nós do PT somos de esquerda. Temos tradição de conviver muito bem com as opiniões diferentes. A bancada é plural. Antes da decisão é permitido que todo mundo expresse opinião. Quando se decide, a decisão tem que ser cumprida por todos.

Folha - Na eventualidade de presidir a Câmara, que tipo de cronograma o sr. imagina para 2003?
João Paulo -
Acho que há algumas reformas que o Congresso pode tomar a iniciativa de iniciar o debate, independentemente do Executivo: Previdência, tributária, política e trabalhista e a social.

Folha - É possível que alguma dessas reformas possa ser discutida, votada e aprovada em 2003?
João Paulo -
Acho que sim .

Folha - Qual delas?
João Paulo -
Acho que a reforma tributária já tem uma base boa na Câmara e pode ser aprovada.

Folha - No caso da previdenciária é possível aprovar pelo menos o projeto que já existe, para novos funcionários públicos entrarem no sistema com uma aposentadoria similar ao da iniciativa privada?
João Paulo -
A reforma da Previdência vai ter que ser tratada com muito cuidado. É preciso discutir com todo os atores envolvidos.

Folha - No caso de funcionários públicos novos isso não é possível.
João Paulo -
Esse é só um aspecto da reforma da Previdência. Não vale apenas abordar um aspecto, mas sim o conjunto da reforma.

Folha - O sr. é favorável a que novos funcionários públicos entrem no sistema semelhante ao da iniciativa privada?
João Paulo -
Eu acho que deve haver um sistema previdenciário que seja universal, para o setor público e para o privado, com um teto e permissão para fazer uma previdência complementar. Mas não dá para mexer em direitos de agora. Você vai ter que pactuar daqui para a frente.

Folha - O salário dos deputados foi aumentado de R$ 8.500 para R$ 12.700. Ficou maior do que o salário do presidente. O sr. acha justo?
João Paulo -
Esse é um tema árido. Os deputados estão há oito anos sem reajuste. Era necessário reajustar. Foi uma decisão conjunta de todos os partidos. Temos que mostrar à sociedade que não é uma coisa agradável, mas que precisava ser feita.

Folha - O PT defende esse aumento para o presidente e os ministros?
João Paulo -
A Câmara não tomará a iniciativa de incluir o presidente e os ministros nesse aumento. Mas, no ano que vem, se for razoável do ponto de vista político para o presidente eleito, a Câmara pode equiparar.

Folha - Por que o PT mudou de posição sobre foro privilegiado?
João Paulo -
O PT não mudou de posição.

Folha - Por que o PT deixou de obstruir a votação do foro?
João Paulo -
Este projeto tinha sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. Havia recurso para que o plenário pudesse debater melhor. O que o PT fez foi retirar esse recurso. Éramos contra naquela ocasião e continuamos contra o projeto da forma de que ele foi elaborado.

Folha - Ao retirar o recurso, o PT abriu caminho para a aprovação. Ajudou, indiretamente, a aprovar.
João Paulo -
O projeto foi aprovado com voto contrário do PT. A posição original do PT até a votação foi mantida contrária ao projeto. Se o projeto correu mais ou menos, aí depende muito das circunstâncias do Parlamento.

Folha - O PT resolveu desobstruir para ter apoio em outras medidas que interessavam ao governo Lula?
João Paulo -
Não. O acordo que nós fizemos com o governo FHC foi para retirar o recurso ao plenário da Câmara no caso do foro privilegiado. Aí, o projeto foi para o Senado. Esse foi o acordo. Cumpri, mas manifestamos nossa posição contrária ao projeto.

Folha - O sr. é a favor ou contra esse projeto tal como foi aprovado?
João Paulo -
Sou contra. Eu acho razoável no caso do presidente da República.

Folha - Os presidentes anteriores da Câmara tiveram um comportamento criticado pelo PT, de muito alinhamento ao Executivo. Se eleito, como se relacionará com o Poder Executivo?
João Paulo -
A Câmara precisa assegurar sua independência, sua autonomia. Isso é possível exercendo a presidência da Câmara com altivez, independência, com sua agenda, sem estar atrelado nem submisso ao Executivo.

Folha - Digamos que presidente Lula telefone e diga: "João Paulo, esse projeto nos interessa. Coloque-o na frente da pauta". O que o sr. responderia?
João Paulo -
Depende do projeto. Se interessar ao Brasil, não há problema. A independência ou autonomia não implica tornar a relação ingovernável.

Folha - E se avaliar que é um projeto de interesse só do Executivo?
João Paulo -
Evidentemente que não preciso atender.

Folha - Isso não pode gerar uma crise interna?
João Paulo -
Acho que não. O presidente da República sabe o papel que o Legislativo tem.

Folha - Como o PT na presidência da Câmara tratará as acusações contra o governo?
João Paulo -
Se alguém localizar alguma irregularidade e pedir CPI, vamos tratar de forma tranquila. Tem base para pedir CPI? Tem base, anda o processo. Tem base para pedir impeachment? Peça o impeachment. Mas tem de ter base legal, política e respaldo da sociedade para fazer isso.

Folha - Se eleito, há algum aspecto da funcionalidade da Câmara que pretende modificar?
João Paulo -
A Ouvidoria e a Comissão de Legislação Participativa precisam aprofundar seu papel. A Ouvidoria não pode ficar parada aqui na Casa, recebendo via internet as reclamações, opiniões e sugestões. A Câmara precisa interagir com a população.

Folha- Como o sr. se define ideologicamente?
João Paulo -
Eu me defino como um político de esquerda.

Folha - E o que significa isso?
João Paulo -
Significa garantir valores importantes para a humanidade, como a justiça, a solidariedade, a fraternidade. Esses valores correspondem a uma visão socialista de mundo.

Folha - Quando dizem que o PT está mais social-democrata do que socialista, o sr. acha justo?
João Paulo -
Acho que o PT enfrenta uma fase difícil para definição ideológica. Não é só o PT, é o mundo todo. Acho que o PT, do ponto de vista de visão de governo, de administração, não é um partido socialista, mas garante em sua estrutura, em seus debates, valores que podem ser considerados socialistas. Do ponto de vista de governo não somos socialistas.

Folha - Então esses governos petistas são o quê?
João Paulo -
São governos democráticos, com participação popular, sérios. Se você pegar o termo clássico, não dá para definir como social-democrata nem como socialista. Assim como o governo Lula, que será democrático, popular, de reformas, mas não se caracterizará como socialista.


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