São Paulo, domingo, 24 de janeiro de 1999

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DOMINGUEIRA
Religião das energias

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

O que será das religiões no próximo século? Os grandes sistemas continuarão em pé? O catolicismo conseguirá defender suas posições num mundo cada vez mais pragmático e tecnológico? As ramificações videotas da evangelização irão prosperar? O Islã continuará sendo fundamento de Estados ou a secularização será inevitável?
O panorama é amplo e dá margem às mais diversas profecias. Mas, em menor escala e em áreas mais localizadas, alguns fenômenos vão ocorrendo, prenunciando, talvez, uma nova relação com o mistério e a transcendência.
Indo direto ao ponto, parece estar se difundindo uma espécie de religiosidade das "energias". Não é exatamente um ecumenismo, mas um ecletismo capaz de acomodar no seu balaio místico técnicas e tradições orientais, crenças espiritualistas, auto-ajuda, cristais etc.
Nesse "sistema" eclético de crenças, pré ou pós-teológico, não há lugar para um Deus unificador. A transcendência manifesta-se sob a forma de "energias", boas ou más, que devem ser trabalhadas segundo as mais diversas técnicas e rituais, das mais variadas procedências: é o feng-shui, é a placa radiônica, é o banho disso ou daquilo, é o poder da mente, é a vibração, são os anjos e é, ainda, o velho santo protetor com sua velinha acesa num canto da casa.
O fenômeno não é brasileiro, mas encontra aqui solo fértil, país de ecletismos e sincretismos, de superstições e simpatias, de católicos que frequentam terreiros e espíritas que vão à missa.
Talvez tenha um papel apenas decorativo ou talvez sirva de estímulo o fato de que esse tipo de religiosidade seja comum entre celebridades do "show business" -ambiente competitivo, marcado por rápidas ascensões sociais e pela experiência da idolatria. Ali se reúne um pequeno tesouro de superstições (o fulaninho que não usa marrom, a sicrana que só grava disco vestida de branco etc.) que parece associar, aos olhos das pessoas comuns, o êxito pessoal a uma série de pequenos rituais para potencializar energias, evitar "olho gordo" e coisas do gênero.
Rezar é o que muitos estão fazendo diante das perdas impostas pela desvalorização cambial. Aqueles que viam no mercado o deus da economia desceram aos infernos. Mas não há Deus, preto velho ou "energia" que possa resolver a crise de uma hora para outra. Será um longo e ansioso verão.



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