São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

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SER OU NÃO SER

Partido "segura" Roseana para manter unidade, mas suas facções trabalham em busca de alternativa de poder

Órfão, PFL vive fantasma da divisão interna

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O que está em jogo no PFL não é mais a candidatura da governadora Roseana Sarney (MA), mas a própria sobrevivência do partido a partir de 2003. Além de bater no governo Fernando Henrique Cardoso e no pré-candidato tucano José Serra, essa é a principal preocupação dos pefelistas.
A estratégia do partido é segurar a candidatura Roseana enquanto der. Apesar de mortalmente ferida, é considerada "instrumento de unidade". Enquanto isso, seus líderes conversam cada vez mais abertamente com o pré-candidato do PPS, Ciro Gomes, e em segundo lugar com o do PSB, Anthony Garotinho.
Uma aliança com Ciro poderia servir de trampolim para um movimento inusitado do PFL no segundo turno: o apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Não será fácil, mas pode ser a única saída de parte dos pefelistas, os mais irados contra o governo, caso a disputa seja entre Lula e Serra.
Na última semana, Ciro conversou, por exemplo, com os deputados Roberto Brant (ex-ministro da Previdência), Marcos Cintra (SP) e José Carlos Aleluia (BA). Sem contar seus contatos já rotineiros com o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (BA).
"Pode anotar: "O Ciro vai entrar firme contra FHC'", antecipou ACM para a Folha. Mas o senador baiano também sabe que há fortes reações no PPS de Ciro contra qualquer aproximação com o PFL. O principal exemplo vem de cima: o próprio presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE).
Apesar disso, há simpatizantes da aproximação no PPS e na coligação de Ciro, que inclui o PTB e o PDT. O presidente do PTB, José Carlos Martinez (PR), também abriu conversas com o PFL. Falou, entre outros, com o senador José Agripino Maia (RN), um dos principais caciques pefelistas.
"Mas nem deixei a conversa fluir. Nossa candidata é a Roseana e, se não for ela, será um outro candidato próprio", confirmou Agripino. Ele, porém, é do Nordeste como Ciro (que nasceu em São Paulo, mas sempre fez política no Ceará) e um dos que trabalham firmemente nos bastidores pelo apoio ao candidato do PPS.
Garotinho também não perdeu tempo e, numa longa conversa com Brant, repetiu o que já tinha dito à Folha: está aberto a conversações com o PFL, partido que julga programático, bem-estruturado e com bom tempo na TV.
"Eles [governo e Serra" querem fazer um rolo compressor. Pois nós estamos discutindo uma frente para reagir. Hoje, a Roseana é a vítima. Depois, o Ciro e o Garotinho sabem que podem ser eles", disse Brant à Folha.

Encontro na Bahia
A cúpula do PFL encontra-se amanhã em Salvador para a entrega do prêmio literário Luís Eduardo Magalhães. Roseana estará presente. A intenção é dar demonstrações de unidade, alardear as conversas com adversários do governo e impedir as pressões das bases para que o partido não tenha candidato a presidente e libere seus seguidores no Estado para apoiar quem quiserem.
No sentido da unidade, ACM já combinou com o comando partidário que não baterá em FHC durante e depois da solenidade: "Não quero criar constrangimento para o Marco Maciel, que é vice-presidente da República".
As conversas com adversários servem também para mostrar que o partido se meteu numa sinuca -ao trocar o governo em ano eleitoral por uma candidata em declínio-, mas ainda tem vigor político e estrutura. Quanto a rechaçar a idéia de não ter candidato: é instinto de preservação. "Isso seria o estouro da boiada, o fim do partido", explica Agripino.
A pressão para isso vem dos deputados pefelistas, que estão apavorados com a perspectiva de não ter uma alavanca nacional, nem alianças regionais consistentes, e não se reelegerem.
Mas a cúpula não vai permitir, porque sabe que, se "liberar geral", esses mesmos deputados se elegem num dia e no dia seguinte pulam para o partido vitorioso nacionalmente. É por isso que as decisões partidárias foram concentradas na Executiva Nacional, com mão de ferro.
Apesar do esforço para manter o discurso da unidade e de otimismo, cúpula e bases têm um sentimento comum que pode ser resumido dramaticamente como "desolação". Em geral, a alternativa é entre o bom ou o ruim, mas no caso do PFL é entre o ruim e o péssimo. Quem admite é um dos principais nomes do partido nacional, evidentemente pedindo para não ser identificado.

"Ele perguntou por mim?"
Um outro problema do partido é a situação delicada de seu eterno presidente, o senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), que tem sido o eixo da legenda desde seu início, em 1985, e o mais eficaz interlocutor de FHC. Hoje, está distante do Planalto.
Ao voltar de uma visita a FHC, no domingo passado, o ex-senador Guilherme Palmeira (atual ministro do Tribunal de Contas da União e um dos fundadores do PFL) ligou para Bornhausen.
"Ele [FHC" mandou algum recado para mim?", perguntou-lhe Bornhausen. "Não", respondeu Palmeira, limitando-se a dizer que, na conversa, FHC insistiu em que não tinha nada a ver com a operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na empresa Lunus, de Roseana e de seu marido, Jorge Murad.
Bornhausen se fragilizou depois da aliança de ACM com o ex-presidente José Sarney (que é PMDB, mas mantém os filhos e sólidos laços no PFL). Além disso, terá que pedir licença da presidência para acompanhar sua mulher, Dulce, aos EUA, que vai tratar da saúde.
Quem assume, como em outras vezes, é o vice-presidente José Jorge (PE), ex-ministro de Minas e Energia e ligadíssimo a Bornhausen. Mas não terá muito o que fazer, a não ser esperar.

Contra Serra
Se o partido admite que não sabe o que fazer, jura que tem certeza do que não vai fazer: apoiar Serra. Apesar do discurso da cúpula, há setores do partido conversando discretamente com Serra e os tucanos, sob a seguinte avaliação, contrária à dos setores ligados a ACM e a Sarney: se der Serra e Lula no segundo turno, a opção será fatalmente Serra.
Entre esses remanescentes governistas destaca-se o governador Jaime Lerner (PR). Ele não lidera nenhum grupo no partido, mas não está falando sozinho quando defende a manutenção da aliança com o PSDB e com o PMDB.
Hoje, parece isolado, mas a própria cúpula sabe que o fantasma que ronda o partido é a repetição de 1989: cada um por si.
ACM ficou com Fernando Collor (PRN); Bornhausen, com Afif Domingos (PL); Palmeira, com Mário Covas (PSDB); e Maciel, praticamente sozinho e até a derrota, com o candidato pefelista oficial, Aureliano Chaves.
A diferença é que, naquela época, todos voltaram a se reunir no governo Collor. Hoje, é improvável que sigam juntos para o mesmo governo, qualquer que seja. O PFL vive enorme incerteza e risco jamais visto de racha indelével.



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