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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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HERANÇA MILITAR

Lei atual só considera vítima quem morreu em dependências policiais no regime militar; famílias querem ampliá-la

Lula sofre pressão por lei para desaparecidos

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi preso durante 31 dias por comandar greves no final da década de 70, é pressionado agora por antigos companheiros a fazer uma nova lei que responsabilize o Estado pelo desaparecimento de pessoas em razão de participação em atividades políticas sob o regime militar (64-85).
A lei que hoje está em vigor é considerada muito restrita, já que limita o conceito de vítima a pessoas que morreram "em dependências policiais ou assemelhadas". Isso exclui todos os que morreram em passeatas ou manifestações públicas ou os que se suicidaram quando na iminência de serem presos pela polícia.
A expectativa em torno do tema é grande. Muitos dos desaparecidos eram pessoas próximas a Lula e a outros petistas que hoje estão no primeiro escalão do governo.
É o caso do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que foi anistiado político. Em 1996, Dirceu enviou uma carta à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos defendendo a responsabilidade do Estado na morte do estudante José Guimarães, apesar de seu caso não se enquadrar na lei federal em vigor.
"O Estado deve reconhecer a responsabilidade pela sua morte e reparar sua família", escreveu Dirceu na carta, colocando-se como testemunha do assassinato do estudante por policiais durante manifestação em 1968.
Como esse, o governo terá outros cem casos para analisar. O problema é que na maioria dos pedidos as vítimas não morreram em dependências policiais, como prevê a atual lei.
O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, reconhece que muitos pedidos serão negados se não houver um fato novo. "Evidentemente, dentro da lei atual, serão novamente indeferidos."
A expectativa, principalmente diante de um governo do PT, é grande. O presidente do Tortura Nunca Mais de Goiás, Waldomiro Batista, 51, disse temer que o movimento tenha sido usado como bandeira política para o partido chegar ao poder. "Será que nós só servimos de bandeira para partido de esquerda?"

Mal-estar
Se o tema é delicado para o PT, ações consideradas desastradas do secretário nacional de Direitos Humanos poderão dificultar ainda mais o diálogo dos familiares com o governo federal.
Nilmário Miranda, que foi membro da comissão dos desaparecidos, teve sua ligação com os familiares abalada após aceitar a indicação do coronel da Polícia Militar mineira Severo Augusto da Silva Neto para o cargo de subsecretário nacional de Segurança Pública, apesar de ele responder a processo sob a acusação de prática de tortura.
"Isso é um caso superado e não vai interferir em nada, é outro âmbito", afirma o secretário, que recebeu críticas pesadas de grupos de direitos humanos.
Miranda vem sendo criticado também pela demora em anunciar propostas de trabalho e por não consultar os familiares sobre a composição da comissão -procedimento que, segundo eles, era comum durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
"Tínhamos mais abertura no governo anterior do que no governo do PT", reclamou um dos familiares, que prefere não ser identificado.
O mal-estar chegou a tal ponto que os parentes ameaçaram boicotar a primeira reunião da comissão com o secretário de Direitos Humanos, prevista para o próximo dia 27.
O advogado Luís Francisco Carvalho Filho, presidente da comissão desde dezembro de 2001, interveio e enviou uma carta a Miranda para cancelar o encontro. "A comissão já enfrenta uma série de resistências por parte de setores do Estado e é inconcebível que, nesse contexto, os familiares não sejam consultados. Eu não aceito ser presidente sem o apoio dos familiares", afirmou.


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