São Paulo, terça-feira, 24 de abril de 2007

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Quadrilha existe, admitem dois acusados

O juiz do Trabalho Ernesto da Luz Pinto Dória e o advogado Evandro da Fonseca confirmaram parte das irregularidades

Procurador João Pereira negou ter recebido dinheiro do jogo; advogado diz que Carreira Alvim pautou toda a sua vida "dentro da lei"


Uanderson Fernandes/Agência O Dia
O juiz do Trabalho Ernesto da Luz Pinto Dória deixa prédio da PF


ANDRÉA MICHAEL
LEONARDO SOUZA
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pelo menos dois dos 25 magistrados, advogados e bicheiros presos na Operação Hurricane (Furacão, em inglês) confirmaram em depoimento à Polícia Federal a existência do esquema de compra de sentenças judiciais favoráveis ao jogo.
A Folha teve acesso aos depoimentos sigilosos. Destoando da maior parte dos investigados -que ou negaram participação no esquema ou se recusaram a responder às perguntas-, o juiz do Trabalho Ernesto da Luz Pinto Dória e o advogado Evandro da Fonseca confirmaram parte das irregularidades e as detalharam.
Investigado por supostamente receber R$ 10 mil mensais para ajudar a quadrilha, Dória disse em seu depoimento no dia 13 que a quadrilha se articulou em torno do ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim com o fim de obter "decisões judiciais "compradas" para manutenção da atividade do jogo". O advogado de Alvim nega a acusação.
Segundo Dória, a quadrilha se aproximou do desembargador, há cerca de um ano e meio, por meio do procurador da Fazenda César Palmieri e do genro de Carreira Alvim, o advogado Silvério Nery Cabral Júnior, que cobraria "altos honorários de casas de bingo" pelas decisões do sogro. Carreira Alvim concedeu liminar em 2006 liberando 900 caça-níqueis.
"No entender do interrogado [Dória], o magistrado Carreira Alvim foi iludido por seu genro e por Jaime [advogado que atuaria em nome dos bingueiros], que dava "as mordomias" a Carreira e a sua esposa, "Tetê'", diz o depoimento de Dória.
O juiz, libertado na madrugada de ontem, chega a chamar Carreira Alvim de "inocente útil", mas, em outro trecho, diz que o desembargador pedia a "vários desembargadores" que beneficiassem o esquema.
Ainda de acordo com seu depoimento, o empresário Licínio Soares Bastos, sócio de casa de bingo no Rio, seria "o grande mafioso dos bingos". Licínio também foi preso na operação.
Dória nega ter se beneficiado de dinheiro do jogo, mas disse ter recebido "empréstimos" de bicheiros e do advogado Jaime Garcia Dias, classificado por ele como o "relações públicas" do grupo, responsável por conseguir liminares pró-jogo.
Já Evandro da Fonseca, advogado suspeito de atuar na quadrilha, diz que foi feita arrecadação entre casas de bingo de R$ 500 mil para a compra das sentenças. Ele disse ter ficado sabendo que o genro de Carreira Alvim recebeu um carro Mercedes-Benz como pagamento e que o procurador João Sérgio Leal Pereira prestava "assessoria" à organização em troca de R$ 5.000 mensais.
Os depoimentos complicam a situação do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Paulo Medina, já que Evandro da Fonseca dá detalhes sobre suposta negociação da quadrilha com o irmão do ministro, o advogado Virgílio Medina, que teria cobrado R$ 1 milhão em troca de uma sentença do irmão liberando caça-níqueis.
"Jaime [advogado] disse que repassou a quantia a Virgílio em espécie; depois desse suposto pagamento, Jaime foi à Brasília se encontrar com Virgílio Medina. (...) Virgílio disse a Jaime que havia grande chance de obterem êxito [na liberação das máquinas]", diz a transcrição dos depoimentos.
Tanto o depoimento de Dória quanto o de Fonseca afirmam que Virgílio Medina foi procurado para negociar outra decisão do irmão, dessa vez relativa ao delegado da PF no Rio Edson Antônio de Oliveira.
No inquérito da operação, a PF destaca um encontro entre os dois últimos no dia 13 de dezembro de 2006, quando falaram sobre a possibilidade de Paulo Medina retardar um processo que corria no STJ contra o delegado.

Outro lado
O advogado Luís Guilherme Vieira, que representa o desembargador José Eduardo Carreira Alvim, afirmou que o seu cliente "é um desembargador e professor respeitado e pautou a vida dentro da lei, do direito e de sua consciência". Ele disse que não poderia falar das acusações, já que o inquérito corre em segredo de Justiça.
O procurador João Sérgio Leal Pereira negou em seu depoimento que tenha recebido dinheiro de pessoas ligadas ao jogo e disse que "nunca repassou dados" de investigações do Ministério Público à quadrilha.
Apesar de ter acionado a assessoria do Ministério da Fazenda, a Folha não conseguiu falar, até o fechamento da edição, com o procurador da Fazenda César Palmieri. O jornal deixou recado no escritório de advocacia que representa Licínio Soares. A Folha não localizou Edson Antônio de Oliveira.


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