São Paulo, quarta-feira, 24 de junho de 2009

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Pesquisadora propõe buscas em Xambioá

Myrian Alves, estudiosa da guerrilha do Araguaia, diz que 21 corpos podem ter sido enterrados em cemitério municipal

Ex-assessora da Comissão de Direitos Humanos diz que militares não estavam preocupados em ocultar os corpos de militantes mortos

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

O cemitério municipal de Xambioá (TO) deveria ser vasculhado pelo Exército que, em julho, irá ao Araguaia à procura de corpos de guerrilheiros mortos. A sugestão é da pesquisadora da guerrilha Myrian Alves.
Os militares usaram o cemitério para sepultar guerrilheiros mortos durante a repressão ao movimento organizado pelo clandestino PC do B nas selvas do Araguaia nos anos 60 e 70.
Alves calcula que pelo menos 21 corpos podem ter sido enterrados no cemitério da pequena cidade (cerca de 12 mil habitantes) na margem direita do rio Araguaia, pouco mais de 500 km ao norte de Palmas (TO).
Em cumprimento à sentença da Justiça Federal, em julho tropas do Exército irão ao Araguaia para procurar restos mortais dos cerca de 60 guerrilheiros desaparecidos de 1972 a 1975. A chance de achar restos mortais de envolvidos no conflito é muito grande: "Para mim é balela dizer que os corpos foram deixados na floresta".
Até hoje, a única ossada de guerrilheiro identificada é a de Maria Lúcia Petit, exumada em 1991 de uma cova no cemitério.
Em 1996, antropólogos da Argentina estiveram em Xambioá e recolheram, em sepulturas oficiais do cemitério, três esqueletos. Um deles, concluíram os pesquisadores, "pode corresponder a um grupo de seis pessoas que participaram da guerrilha do Araguaia".
Os seis guerrilheiros foram identificados no relatório. Entre os nomes estava o de Bergson Gurjão Farias, o Jorge, primeiro militante comunista morto na mata, em 1972. Os outros cinco também podem ter sido sepultados em Xambioá.
Relatório pericial concluído neste ano por encomenda da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados diz ser bastante possível que a ossada seja de Gurjão Farias.
Ex-assessora da Comissão de Direitos Humanos, Myrian Alves diz que os militares não estavam preocupados em ocultar os corpos na mata, tanto que fizeram sepultamentos no cemitério, conforme depoimentos de moradores, testemunhas e até de militares que participaram da repressão à guerrilha.
"Eles mostravam os corpos à população. Eles queriam que os moradores soubessem que os guerrilheiros estavam mortos, o que acontecia com eles. Se enterraram alguns no cemitério, porque os outros, mortos às vezes na mesma hora, seriam enterrados em outro lugar? Isso não tem lógica, um no cemitério, outros longe", disse Alves.
Reforça a conclusão da pesquisadora o fato de, na guerrilha urbana, corpos de desaparecidos terem sido enterrados em cemitérios oficiais como indigentes, como o de Perus (SP).
Até mesmo as cabeças cortadas de guerrilheiros podem estar no cemitério. Pelo menos cinco deles tiveram as cabeças separadas dos corpos, deixados na floresta. Em exumações em Xambioá, foram achados crânios isolados, o que levanta a suspeita de que as cabeças foram enterradas ali. Afinal, não é comum enterrar uma cabeça longe do restante do corpo.
Como na época o Araguaia era região isolada, os guerrilheiros conquistaram a princípio a amizade dos camponeses, pois davam aulas para as crianças e medicavam os doentes. "O dr. Juca [João Carlos Haas Sobrinho] era muito querido, era conhecidíssimo da população. Nas buscas, sempre surgia alguém para dizer que ele foi enterrado ali, em tal lugar. Os testemunhos sempre eram coincidentes. Se ele está ali, porque os dois que morreram no mesmo episódio [Manoel Nurchis e Ciro Flávio] não estariam?"


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