UOL

São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REFORMA AOS PEDAÇOS

Lula aceita dar isenção do ICMS na Zona Franca até 2023

Governo explora rixa fiscal dos Estados para aprovar reforma

Alan Marques - 13.ago.2003/Folha Imagem
O presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, recebe grupo de governadores em audiência


RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Palácio do Planalto adotou uma estratégia para vencer a resistência dos governadores à proposta de reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados: explorar o conflito de interesses dos Estados, que em comum têm apenas o objetivo de partilhar receitas atualmente exclusivas da União.
Exemplo disso foi dado na última sexta-feira. Após uma semana de negociações, o governador do Amazonas, Eduardo Braga (PPS), fechou um acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e José Dirceu (Casa Civil) que permitirá à Zona Franca de Manaus continuar a conceder isenção de ICMS para empresas até 2023.
Na proposta em tramitação, todos os demais Estados só poderão conceder esse tipo de incentivo até 2012. Braga, nas conversas com Lula, valeu-se de artigo do projeto que prorroga por mais dez anos, após o prazo constitucional de 2013, os privilégios à Zona Franca. Ganhou, mas acendeu o sinal amarelo entre os demais governadores.
Eduardo Braga é o representante da região Norte na comissão de cinco governadores, um de cada região do país, encarregada de negociar a reforma tributária com o governo federal. E o primeiro a arrancar uma promessa do governo federal de atender uma reivindicação regional, mas que os outros Estados condenam, especialmente São Paulo.
Um desses cinco governadores ouvidos pela Folha afirma que eles estão "vacinados" contra a tentativa do governo federal de dividir os governadores. Prova disso seria que todos concordaram em ir a Brasília na próxima quarta-feira para pressionar a Câmara dos Deputados a atender os interesses dos Estados.
A pressão começa amanhã, quando o governador de Minas, Aécio Neves, entregará a Dirceu a minuta de uma medida provisória que dá aos Estados 25% do que a União arrecada com a Cide, o imposto sobre os combustíveis. Detalhe: os Estados querem liberdade para aplicar esses recursos na infra-estrutura viária.
Além da Cide, os governadores estão de acordo com dois outros itens: a partilha da CPMF (imposto do cheque) e a criação de um fundo para compensar os Estados exportadores pelas perdas de receitas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou as exportações da cobrança de ICMS. De resto, os interesses são conflitantes.
São Paulo e Amazonas, para citar dois exemplos, defendem a cobrança do ICMS na origem, o local onde os bens são produzidos, mas a proposta no Congresso prevê que, num prazo de oito anos, ela será feita integralmente no destino, ou seja, onde os bens são consumidos, como querem os governadores do Nordeste.
Nos cálculos do governador Geraldo Alckmin, só o período de transição de oito anos previsto para a cobrança deixar de ser na origem levará São Paulo a perder cerca de R$ 1,7 bilhão, o que significaria toda a capacidade atual de investimento do Estado.
O Rio, por sua vez, reclama de uma singularidade: a cobrança de ICMS sobre o petróleo, do qual o Estado é o maior produtor, é a única hoje a ser feita no destino. Continua assim, mesmo no período de transição de oito anos previsto na proposta de reforma.
Os governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste também temem perder com a reforma, porque o projeto acabaria com a chamada guerra fiscal (a concessão de incentivos fiscais para empresas se instalarem em seus Estados), mas já parecem conformados com a mudança.
Em troca, todos querem alguma participação nos tributos arrecadados exclusivamente pela União, as contribuições. Por enquanto, o governo federal acenou apenas com os 25% da Cide, mas os governadores ainda têm esperanças de levar parte da CPMF.
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), estimula uma proposta feita por Aécio Neves e Geraldo Alckmin a Lula: repartir com Estados e municípios o que exceder a arrecadação prevista da CPMF. A idéia esbarrou em Palocci, mas continua sobre a mesa de negociação.
Governadores representantes das cinco regiões ouvidos pela Folha dizem que o grupo se manterá unido nas negociações com o Planalto, apesar dos acordos em separado que começam a ser feitos pelo governo. Jogar na divisão de interesses dos Estados, argumentam, seria uma estratégia errada porque o governo federal continuaria a precisar deles para assegurar a governabilidade após a votação das reformas.


Texto Anterior: Painel do leitor
Próximo Texto: Confaz quer alterações no projeto tributário
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.