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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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AGENDA PETISTA

Palocci tenta conseguir mais liberdade para os gastos sociais e os investimentos em infra-estrutura

FMI pode aceitar cláusula social em acordo

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal discute com o FMI a inclusão de meta sociais como precondição para fechar um novo acordo com o organismo internacional. A idéia é conseguir mais liberdade para gastos sociais e investimentos estratégicos em infra-estrutura.
Em discussões reservadas do "núcleo duro" do governo, o grupo de ministros e auxiliares mais ligados ao presidente, o titular da Fazenda, Antonio Palocci Filho, fez um relato otimista das negociações, já iniciadas nos bastidores. Afirmou que o FMI (Fundo Monetário Internacional) aceitaria metas sociais.
Embora ainda sejam vagas as idéias de metas sociais, o governo trabalha com algumas propostas. Entre elas, a definição de um número de famílias ou de pessoas a serem atendidas pelo programa Fome Zero ou do total de trabalhadores rurais a serem assentados. Cumprida a meta, o governo poderia ter acesso a uma linha de crédito com juros menores que os normais.
A cúpula do governo avalia que um acordo assim, o primeiro a ser firmado entre o governo Lula e o FMI, representaria um marco simbólico. Comparável à recente queda de 2,5 pontos percentuais da taxa básica de juros.
Mostraria, na visão do Palácio do Planalto, uma inflexão da política econômica rumo à retomada do desenvolvimento e à manutenção dos compromissos sociais. Acusado de repetir a política econômica da administração FHC, o governo daria à área uma cara "mais petista".
Por isso, deve ser vista com reserva a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dada na quarta-feira, de que "não precisa" e "não é obrigado" a renovar o acordo. A afirmação é mais um endurecimento tático, para tentar negociar vantagens.

Fome Zero
A Folha ouviu no Planalto que Palocci sondou o FMI e obteve sinais de que será possível, por exemplo, analisar a exclusão do cálculo do superávit primário de parcela dos gastos sociais -reforma agrária e o programa Fome Zero, por exemplo. Os dois temas são bandeiras do PT.
O superávit primário, fixado em 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto), é a economia anual de todo o setor público para o pagamento de sua dívida. O superávit, ao lado da meta de inflação, é o pilar de um acordo com o Fundo.
Um novo entendimento incluiria ainda metas de crescimento econômico. A idéia de excluir alguns gastos das estatais do cálculo do superávit primário é analisada, mas não como a preferida do Fundo e do governo. Hoje, a Petrobras já tem liberdade para isso. Talvez a Eletrobras venha a ter a mesma liberdade.
Desde o ano passado, quando chefiou a equipe de transição, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, alimenta o desejo de incluir metas sociais num acerto com o Fundo. Palocci acha que esse momento chegou, diz um auxiliar de Lula.
O governo poderia negociar sem pressão de uma crise externa e em melhores condições internas. Um cenário considerado melhor do que o de 2002. O acordo, se firmado, funcionaria como uma reserva para tranquilizar o ambiente econômico. Isso permitiria, na opinião do "núcleo duro" do governo, a continuidade da queda dos juros (hoje em 22% ao ano) e a diminuição da relação entre a dívida pública e o PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas do país).
Para criar clima propício à negociação de outubro com o Fundo, o governo planeja aprovar na Câmara dos Deputados, até 30 de setembro, em dois turnos de votação, as propostas de reforma tributária e da Previdência.

Segredo e cautela
O debate com o FMI é feito de forma cautelosa. As metas do atual acordo, de US$ 30 bilhões no total, duram até setembro. Em outubro haverá o momento decisivo da negociação para eventual renovação. O acerto atual termina em dezembro.
No Planalto, considera-se que há interesse dos dois lados. O FMI, que tem elogiado o Brasil, usaria um acordo assim para combater a imagem de insensibilidade social. O governo propagandearia a capacidade de combinar ajuste fiscal com políticas sociais e de incentivo ao crescimento econômico.
Outra idéia, acalentada pelo governo é a de encontrar espaço para sacar parcelas do acordo em condições mais vantajosas (juros menores), desde que atingidas algumas metas (como de inflação).
Além de novo acerto com o FMI, o "núcleo duro" discutiu recentemente uma mudança da estratégia legislativa das reformas. A tese de que a reforma tributária poderia ser "fatiada" (aprovada não em bloco, mas por partes) seria mero "bode na sala".
O governo endurece a negociação e ameaça aprovar tudo o que lhe interessa: a renovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a DRU (Desvinculação das Receitas da União), por exemplo.
O objetivo é levar empresários a pressionar os governadores a chegar a um entendimento entre si e com a União. Com o risco de fatiamento, saída arriscada que o governo adotaria no fracasso de vez da negociação com governadores e municípios, haveria uma união de todos as partes para aprovar algo comum.

Bens de capital
O Planalto crê que o risco de deixar para um segundo momento (2004 ou 2005) a prometida desoneração de bens de capital (máquinas e equipamentos) levaria as entidades empresariais a pressionar os Estados e os municípios a fechar um acordo mínimo com a União para evitar o fatiamento da reforma no Senado.
Esse acerto mínimo daria a Lula o discurso de que cumprira a promessa de aprovar as duas reformas ainda neste ano.


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