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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

Lula tenta firmar acordo entre Peru e Mercosul, com a intenção de formar novo bloco econômico

Acordo quer tornar região 4º pólo mundial

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Ao desembarcar hoje no Peru, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará pondo mais um passo no projeto de integração sul-americana, prioridade de seu governo que vai muito além de intenções anteriores com propósito igual, mas que acabaram nos arquivos mortos da diplomacia brasileira.
Lula tentará fechar em Lima um acordo comercial entre o Peru e o Mercosul, uma fatia de um desenho cujo ponto de chegada é construir o que seria o quarto pólo econômico mundial.
É assim que o processo de integração é visto por Darc Antônio da Luz Costa, vice-presidente do BNDES, o banco de fomento que se transformou em uma espécie de vanguarda ideológica e financeira do projeto.
A ambição é a marca da definição dada pelo outro braço ideológico-operacional do projeto, o chanceler Celso Amorim: "Buscamos uma América do Sul politicamente estável, socialmente justa e economicamente próspera, não só por solidariedade, mas também por interesse, porque o bem-estar e o progresso de nossos vizinhos fomentam nosso próprio bem-estar e progresso".
O teorema em que se assenta o projeto funciona assim, na descrição de Darc Costa: 1) "A idéia da regionalização é mais forte que a da globalização, como o demonstram os fluxos comerciais, financeiros e tecnológicos"; 2) "Criaram-se, nos últimos 20 anos, três pólos, o da América do Norte, o europeu e o complexo asiático. O Brasil ficou de fora, mas tem massa crítica para uma polarização em torno dele"; e 3) "O processo passa necessariamente por uma aliança Brasil/ Argentina/Venezuela. Se houver tal aliança, o resto vem por gravidade".
Demonstrado o teorema, o BNDES está pondo dinheiro nele. Há US$ 1 bilhão para financiar a exportação de produtos brasileiros à Venezuela, país que faz só 6% do seu comércio com o Brasil.

Expectativa
A expectativa é que aumente para 30% ou 40% com a integração sonhada. "Só a rodovia Manaus/ Caracas já permitiu aumentar em US$ 750 milhões o comércio Brasil/Venezuela", exemplifica o senador Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado e um dos entusiastas do projeto.
Outro US$ 1 bilhão está reservado para reativar os CCRs (Convênios de Crédito Recíproco) com a Argentina. Trata-se de mecanismo pelo qual os dois países trocam mercadorias usando suas próprias moedas, até fazer o acerto após três meses, aí sim utilizando moeda forte (no caso, o dólar).
O CCR pode ser uma solução integracionista, mas é também um problema ou, ao menos, uma indicação das dificuldades que o projeto encontra. No caso, dificuldade interna: o Banco Central não gosta, por ideologia ou por comodismo, da idéia de abandonar o dólar nas transações comerciais.
Uma segunda dificuldade, interna como externa, está dada pelo ceticismo em relação à integração regional. Reage, por exemplo, Ricardo Hausmann, ex-ministro venezuelano, ex-funcionário do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e, hoje, professor de Prática do Desenvolvimento Econômico na Escola John F. Kennedy de Governo (Harvard):
"O Pacto Andino morreu. Hugo Chávez [o presidente venezuelano] moveu-se em direção ao Mercosul, mas Colômbia e Peru querem integrar-se aos Estados Unidos. O Brasil vai é acabar ficando isolado, porque também os países centro-americanos preferem os Estados Unidos".
A alusão ao Pacto Andino se deve ao fato de que a integração sul-americana passou a ser uma sociedade entre o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e o Pacto Andino ou Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Só falta, nos dois, o Chile, uma espécie de livre-atirador, que já é Estado associado ao Mercosul, mas tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
Concorda, ao menos parcialmente, o pesquisador brasileiro Fernando Sarti, da Unicamp: "É um projeto que interessa ao Brasil e ponto. Para Argentina, Colômbia, a Venezuela não-chavista, o Chile, a relação custo/benefício de uma integração com os Estados Unidos é positiva".

Atração fatal
Darc Costa, do BNDES, quer romper essa lógica da atração fatal que os Estados Unidos exercem sobre a América do Sul (e a América Latina em geral), usando argumentos que tentam desmanchar a baixa auto-estima dos latino-americanos. "A América do Sul é auto-suficiente em praticamente tudo. De alimentos a petróleo, passando pelo carvão, que tem mas não usa."
Em uma região potencialmente tão rica, o Brasil já tem algumas características de pólo aglutinador, nas contas de Darc Costa: "É o segundo maior mercado do mundo para helicópteros e jatos executivos. Faz mais sapatos que França e Itália juntas".
Por mais que a idéia de integração tenha caráter utópico, por mais que, no exterior, levante ainda mais ceticismo do que internamente, há quem conceda ao projeto o benefício da dúvida.
"Lá por 1950, ninguém diria que a integração européia era viável. Mas funcionou", lembra Brad Setser, pesquisador de Assuntos Internacionais do Council on Foreign Relations, de Nova York.


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