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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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Coesão de novo bloco é questionada

DO COLUNISTA DA FOLHA

No fundo, o projeto brasileiro de integração sul-americana é o relançamento de uma idéia que o chanceler Celso Amorim apresentou na sua primeira passagem pela Chancelaria, durante o governo Itamar Franco: criar a Alcsa (Área de Livre Comércio Sul-Americana), como uma espécie de contraponto à Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que englobará os 34 países americanos, menos Cuba).
É verdade que, agora, o governo nega qualquer contraposição. Por muito que defenda a integração no Sul, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), por exemplo, jura que, "em nenhum momento, o governo está deixando de lado os demais países".
Mas é indisfarçável a sensação de que tentativa de criar um pólo sul-americano ou é um contraponto à Alca ou, no mínimo, uma forma de tornar mais forte a voz do Sul na negociação com os EUA. Funciona?
Na área empresarial, a resposta é claramente não. Sandra Rios, especialista em comércio internacional da CNI (Confederação Nacional da Indústria), não vê "comunhão de interesses abrangente" entre países andinos e o Brasil/Mercosul.
Cita o caso da Colômbia, que tem agenda bem diferente da brasileira em matéria de serviços e investimentos, por exemplo, dois dos itens que compõem a pauta de negociações da Alca.
Roberto Teixeira da Costa conta que, em reunião promovida pelo Ceal (Conselho de Empresários da América Latina), a ministra colombiana da Defesa, Marta Lucía Ramírez, foi muito clara ao dizer que o destino colombiano "está mais que nunca ligado aos EUA".
Conclusão de Teixeira da Costa: "Entre olhar para o Norte ou para o Sul, esses países todos vão olhar para o Norte, na expectativa de obter melhores resultados".
Reforça Peter Hakim, presidente do "Diálogo Interamericano", centro de estudos com base em Washington: "Os EUA são o grande mercado ao qual os exportadores latino-americanos querem ter acesso e são, de longe, a maior fonte potencial de investimento e de novas tecnologias".

Questões domésticas
Hakim não acredita nem mesmo na hipótese de que uma América do Sul unida possa ter mais força na negociação com Washington: "Qualquer concessão que os Estados Unidos farão nas negociações regionais estarão limitadas por questões domésticas e pelas negociações globais paralelas. Tais limitações não mudarão por causa da integração regional. Além disso, é improvável que os EUA façam mais concessões a uma América do Sul integrada do que ao Brasil sozinho".
Brad Setser (Council on Foreign Relations) segue mais ou menos a mesma trilha: "Uma posição negociadora comum de todos os países sul-americanos poderia fortalecer a liderança regional brasileira, mas suspeito que o Brasil é grande o suficiente para ter peso negociador substancial por si próprio frente aos EUA".
Fecha o círculo Gary Clyde Hufbauer, do IIE (Instituto para a Economia Internacional, também com sede em Washington), um dos maiores especialistas em comércio global.
Para ele, a integração sul-americana só fortaleceria a posição do Sul nas negociações com os EUA se "os países sul-americanos falassem com uma só voz, como o faz a União Européia em negociações comerciais globais. Acho que há um longo caminho para chegar a isso", diz Hufbauer.
Há até quem veja o risco de que a integração enfraqueça, em vez de fortalecer, o Brasil e o Mercosul. Caso de Alfredo Valladão (Instituto de Estudos Políticos de Paris): para ele, o atrativo do Mercosul é o fato de representar um pólo de estabilidade democrática na América do Sul. "Mesclar-se a Chávez, Colômbia, Equador e Peru significa importar toda essa instabilidade", completa. (CR)


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