São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 2005

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ELIO GASPARI

De Tancredo@edu para Lula@com.br

Estimado presidente, Estamos aqui só nós dois, doutor Getúlio e eu. Ele o detesta e assegura que o senhor não sabe que dia é hoje, pois confunde a história de nosso povo com a cronologia do governo de sua gente. Há 51 anos, o presidente Vargas matou-se com um tiro no peito. Eu tinha 44 anos e era seu ministro da Justiça. Nunca esqueci aquela noite no Palácio do Catete. Doutor Getúlio prefere não lhe falar, mas me autorizou a mandar-lhe esta mensagem. Ele a leu.
Antes de mais nada, para que o patrício não embale ilusões, quero dizer-lhe que por cá sabemos de tudo. Coisas que só o senhor e o ministro Antonio Palocci sabem e coisas que o doutor Tarso Genro preferiria não saber. É com esse cabedal que lhe escrevo.
Seu governo acabou, sua lenda diluiu-se e seu PT divide-se entre patriotas perplexos, aproveitadores apanhados e mandriões dissimulados. Outro dia, o marechal Castello Branco passou por aqui rindo muito. Ele diz que o senhor caiu na mão da politicagem porque não reformou a máquina sindical corrupta que tanto denunciou. O próprio Castello julga conveniente que lhe ofereça um caminho. Faço-o mais preocupado com as instituições nacionais do que com sua biografia. Serei claro até onde posso: quero preservar o mandato de um cidadão escolhido pelo voto direto de 53 milhões de eleitores. Vou um pouco além: não podemos permitir que os brasileiros sejam governados, nem por um dia, por um presidente eleito indiretamente. Fui claro?
Sugiro-lhe o seguinte: desista da reeleição, mas não conte a ninguém, nem a dona Marisa, a quem Risoleta manda suas lembranças. Faça do doutor Antonio Palocci o seu candidato. Sem trair os compromissos de sigilo que sou obrigado a cumprir, posso adverti-lo de que o ilustre ministro ainda tem muito lixo no caminho, sobretudo umas latas de molho de tomate com ervilha. Não entendi o que isso quer dizer, mas nada me custa preveni-lo.
Seu tumultuado passado permite que vá ao povo lembrando que sempre condenou a reeleição, oferecendo-se ao julgamento da nação com a candidatura do doutor Palocci. É verdade que o senhor vai oferecer como futuro a negação de seu passado, mas essa escolha foi sua e, convenhamos, vosso passado foi uma invenção. Um pio desejo alheio.
Quando eu ia tomar posse, em 1984, calculei consumir o primeiro biênio com medidas impopulares. Pergunte ao Francisco Dornelles, o meu admirável sobrinho que coloquei no Ministério da Fazenda. O senhor fez coisa parecida, mas tomou gosto pelos aplausos da plutocracia e já se passaram quase três anos de ruína para a produção. O distinto amigo tornou-se um militante do ardil, mas esse ponto é despiciendo. O fato é que o doutor Palocci é hoje o preferido da banca daqui e do Ultramar. Ao contrário do que sucedeu ao doutor Getúlio em 1954 e até ao Jango em 1964, a porta da direita está à sua disposição, generosa e grata. Tome-a, porque a da esquerda finou-se.
Não lhe prometo que esse caminho leve o doutor Palocci ao Planalto.
Também não lhe digo que me deixei impressionar pela entrevista que ele deu no domingo. Asseguro-lhe, contudo, que a candidatura do ministro da Fazenda levará o estimado presidente de volta a São Bernardo sem que seu governo arraste ao descrédito as instituições nacionais.
Como humilde concidadão, subscrevo-me pela pátria,
Tancredo Neves


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