São Paulo, segunda, 24 de agosto de 1998

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Ingerência política afetou Telebrás, diz ex-ministro


PRIVATIZAÇÃO "Sou favorável à forma como foi feita a privatização da Telebrás e acho que os serviços vão melhorar"


CRISTIANA NEPOMUCENO
da Sucursal de Brasília

A ingerência política nas operadoras do Sistema Telebrás e a intervenção negativa do governo no caixa das então estatais foram os fatores que levaram a qualidade do sistema de telecomunicações do país a piorar a partir dos anos 80.
A avaliação é do capitão reformado da Marinha Euclides Quandt de Oliveira, ex-ministro das Comunicações no governo Ernesto Geisel (1974/1979) e um dos fundadores da Embratel e da Telebrás. Quandt de Oliveira ajudou a formular grande parte das regras de telecomunicações que vigoraram por mais de 20 anos. Participou da criação da Embratel, em 1965, e da Telebrás (1972).
Recentemente, foi convidado a ocupar uma vaga no conselho de administração da Tele Centro-Oeste Celular, comprada pela empresa brasileira Splice no leilão do Sistema Telebrás, realizado no último dia 29. "Sou quase um conselheiro familiar da Splice. Funciono como a voz da experiência", afirmou. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha:

Folha - O sistema brasileiro de telecomunicações foi estruturado no governo militar. Na visão dos militares, qual seria o papel das telecomunicações no país?
Euclides Quandt de Oliveira -
Antes do governo militar o sistema de telecomunicações era muito segmentado. Eram cerca de 1.200 operadoras de telefonia, estatais e privadas, funcionando no país e não havia regras. As operadoras foram sendo incorporadas ao Sistema Telebrás depois de 1972, quando a empresa foi criada.
Folha - O sr. participou da fundação da Telebrás e foi ministro das Comunicações. O que o senhor pensava a longo prazo?
Quandt de Oliveira -
O que estava se visualizando era a tentativa de atender a demanda nacional reprimida em dez anos. Em 1972, quando foi implantada a Telebrás, a densidade de telefones no Brasil era mais ou menos um telefone por cem habitantes.
Mas o objetivo era implantar um sistema de redes locais que pudesse se interligar com o sistema de longa distância interestadual já implantado pela Embratel. No entanto, as empresas locais quase não conseguiam se interligar com a Embratel porque não tinham condições técnicas.
Folha - Ao longo dos anos, a demanda não foi atendida e os serviços pioraram. O que houve com o Sistema Telebrás?
Quandt de Oliveira -
A quebra do crescimento da Telebrás. A empresa cresceu ao longo de 20 anos quase sem receber dinheiro do governo. Ela funcionava com base na receita das operadoras, que eram fiscalizadas pela Telebrás.
A Constituição de 1967 determinava que as estatais deveriam funcionar como empresas privadas e elas funcionavam. Só que o governo começou a segurar o crescimento da Telebrás. Ela tinha dinheiro sobrando e o governo começou a fazer com que esses recursos encobrissem faltas que existiam em outras estatais.
Folha - Quando isso começou?
Quandt de Oliveira -
A partir de 1982. O governo começou a dizer que as empresas não poderiam crescer porque teriam de aplicar os lucros obtidos em bônus federais e Letras do Tesouro. Para que sobrasse dinheiro, o governo impediu que elas reinvestissem no sistema. De 1972 a 1982 as empresas cresceram, em média, 20% a 40% ao ano. Se a partir de 1982 elas crescessem 10% ao ano, hoje você não teria mais ninguém reclamando por telefone. Mas não deixaram. E a partir de 1985, as coisas pioraram.
Folha - Por quê?
Quandt de Oliveira -
Porque começaram a aparecer pessoas por indicação política ocupando posições nas empresas. Essas pessoas não tinham a mesma competência, mas como o sistema estava razoavelmente organizado ele continuou a funcionar. Isso se fez sentir mais na Telerj, que hoje é a empresa que tem os piores serviços.
Folha - O sr. está dizendo que foi o Estado, depois da redemocratização, que deteriorou um sistema que funcionava bem?
Quandt de Oliveira -
Sim, foram o Executivo e o Legislativo. Mas isso não teve relação com a redemocratização. Foram apenas pessoas mal escolhidas.
Folha - O sr. é favorável à privatização?
Quandt de Oliveira -
Há quatro anos eu era contrário. Eu sempre acreditei que não se deve privatizar empresas ou estatizá-las por ideologia. Você tem de privatizar ou estatizar por necessidade.
Folha - O sr. mudou de idéia?
Quandt de Oliveira -
Sim, porque a Lei de Licitações (8.666) acabou com tudo. Por causa dela o serviço público passou a comprar o mais barato, independentemente da qualidade. Qualquer licitação passou a demorar um ano para ser concluída. Essa lei foi feita para moralizar o serviço, mas não é assim que se moraliza. Moraliza-se botando na cadeia quem rouba.
Folha - Então o sr. é favorável à privatização da Telebrás da maneira como ela foi feita?
Quandt de Oliveira -
Sou favorável à forma como foi feita e acho que os serviços vão melhorar. Quando essa privatização começou a ser planejada, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, me pediu sugestões. Durante dois anos eu mandei, mas é claro que você sempre acha que poderia ter feito algo diferente.
Folha - O que o sr. faria diferente?
Quandt de Oliveira -
Eu tentaria manter a pesquisa e o desenvolvimento das tecnologias de comunicações vinculados à alguma empresa. Poderia ser, por exemplo, a Telesp, que é a maior operadora.
Folha - O sr. aposta no modelo de regulação criado pela Anatel? Ela poderá fiscalizar bem o setor?
Quandt de Oliveira -
É possível. Mas há uma área delicada que é a radiodifusão. Nesse caso, não é a palavra que está sendo transmitida, é como ela está sendo transmitida. Você tem de ter uma rede para verificar isso. Não é censura para saber o que os outros estão falando, mas fiscalizar se a frequência está sendo usada corretamente.


Raio X

Nome: Euclides Quandt de Oliveira Idade: 78 anos Naturalidade: Rio de Janeiro Cargos que ocupou: é capitão-de-mar-e-guerra reformado da Marinha. Foi presidente do Conselho Nacional de Telecomunicações (65/67), participou da criação da Embratel (65), foi diretor de Telecomunicações da Siemens do Brasil (69/72), presidente da Telebrás (72/74) e ministro das Comunicações do governo Ernesto Geisel (74/79).
Cargo atual: Membro do conselho da Tele Centro-Oeste Celular.
Estado civil: casado com Maria de Lourdes de Góis Monteiro de Oliveira. Tem seis filhos e 11 netos.



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