São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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ELIO GASPARI

O Boi Voador da reforma política

O pessoal da São Clemente exagera quando diz que "aqui tudo foi tramado para virar esculhambação", mas, se a patuléia não se cuidar, o PT-Federal vai lhe vender um Boi Voador.
Num país onde o andar de cima come os juros reais mais altos do mundo e o de baixo grama uma das maiores taxas de desemprego de sua história, o comissariado petista sonha com uma nova agenda para o debate nacional. Seria o caso de esperar que nessa agenda alguém cobrará de Lula o "espetáculo do crescimento" prometido para julho passado. Faltam dois dias para que o IBGE anuncie que 2003 foi um ano de contração da renda per capita dos brasileiros. A nova agenda nada terá a ver com a ruína do 11º ano de predomínio da ekipekonômica. Ela pretende ludibriar o país por meio de um Boi Voador que se denomina reforma política.
Seus pilares são dois. O primeiro é a instituição do sistema de financiamento público das campanhas eleitorais. Essa proposta destina-se a tirar dinheiro do bolso da patuléia para pagar campanhas eleitorais dos maganos sem que se desative um só esquema de corrupção e de fraude vigentes. Hoje, candidatos recebem (ou tomam) doações legais e ilegais. Pagam suas despesas com uma contabilidade de duas caixas. No caixa dois está o grosso das despesas de marquetagem e de produção de programas de televisão. Quase sempre, gastos com aviões e automóveis.
Há candidatos que, além de receberem doações ilegais, embolsam uma parte desse dinheiro. Quem sabe, garante: para cada real registrado na Justiça Eleitoral, houve outro, voador. Numa campanha vitoriosa, de cada três reais que entram nos últimos 90 dias, pelo menos um voa para outro lugar.
Se for instituído um sistema de financiamento público de campanhas, tudo continuará igual, com a diferença de que tomarão algumas centenas de milhões de reais à patuléia para a montagem do teatrinho da moralidade.
Admitindo que essa modalidade de financiamento estivesse em vigor, Waldomiro Diniz deixaria de pedir dinheiro a Charlie Waterfalls? É sempre bom lembrar que o doce Wal achacava o bicheiro dizendo-se arrecadador de duas candidatas, rivais.
Se o PT e os demais partidos estão falando sério, em vez de queimar dinheiro dos impostos para financiar seus candidatos, devem mostrar que cumprem a lei. Podem provar que o fazem, já na campanha municipal deste ano. Basta oferecer ao eleitorado prestações de contas diárias. Podem também divulgar os custos da produção de cada um de seus programas de televisão. Inclusive os salários (reais) dos marqueteiros.
O segundo Boi Voador da reforma política é a proposta de instituição do sistema de votação em listas. Em bom português, ele se destina a cassar o direito da choldra de votar no Enéas Carneiro ou no José Genoino. Numa versão radical, e improvável, a malta ignorante seria encarregada de escolher apenas o partido, Prona ou PT, no caso. Daí em diante, prevaleceria a ordem na qual os candidatos foram colocados na lista. O sujeito poderá votar no PT pensando em eleger o deputado Chico Alencar, mas a lista, montada pela caciquia, poderá estar organizada de maneira que o seu voto irá para um candidato parecido com o Professor Luizinho.
Pode-se chegar a um sistema híbrido, no qual apenas uma parte da bancada será preenchida pela lista partidária. Em qualquer caso, com a proteção do comissário José Dirceu e com o prestígio que adquiriu nas suas negociações no Congresso, Waldomiro Diniz ganharia uma cadeira de deputado num sistema de listas. Pelo método atual, dificilmente ele conseguiria 10 mil votos. Com a reforma, teria proteção suficiente para ser colocado no topo da lista de algum partido da base aliada do PT Federal.
O Boi Voador do comando parlamentar petista é mais abusado do que o da São Clemente.
Os comissários querem que a choldra acredite que o sistema de representação popular melhorará se ela aceitar duas tungas. Numa, tomam-lhe dinheiro dos impostos para engordar candidatos. Noutra, confiscam-lhe o direito de votar em quem bem entende.


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