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Autenticidade de ficha de Dilma não é provada
Folha tratou como autêntico documento, recebido por e-mail, com lista de ações armadas atribuídas à ministra da Casa Civil
Reportagem reconstituiu participação de Dilma em atos do grupo terrorista VAR-Palmares, que lutou contra a ditadura militar
DA SUCURSAL DO RIO
A Folha cometeu dois erros
na edição do dia 5 de abril, ao
publicar a reprodução de uma
ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no
planejamento ou na execução
de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85).
O primeiro erro foi afirmar
na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo
[do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar
como autêntica uma ficha cuja
autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode
ser assegurada -bem como
não pode ser descartada.
A ficha datilografada em papel em tom amarelo foi publicada na íntegra na página A10 e
em parte na Primeira Página,
acompanhada de texto intitulado "Grupo de Dilma planejou
sequestro de Delfim Netto".
Internamente, foi editada
junto com entrevista da ministra sobre sua militância na juventude. Sob a imagem, uma
legenda ressaltou a incorreção
dos crimes relacionados: "Ficha de Dilma após ser presa
com crimes atribuídos a ela,
mas que ela não cometeu".
O foco da reportagem não
era a ficha, mas o plano de sequestro em 1969 do então ministro Delfim Netto (Fazenda)
pela organização guerrilheira à
qual a ministra pertencia, a
VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Ela afirma que desconhecia o plano.
Em carta enviada ao ombudsman da Folha anteontem,
Dilma escreve: "Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30 de março
(...) a matéria publicada tinha
como título de capa "Grupo de
Dilma planejou sequestro do
Delfim". O título, que não levou
em consideração a minha veemente negativa, tem características de "factóide", uma vez
que o fato, que teria se dado há
40 anos, simplesmente não
ocorreu. Tal procedimento não
parece ser o padrão da Folha."
A reportagem da Folha se
baseou em entrevista gravada
de Antonio Roberto Espinosa,
ex-dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e
da VAR-Palmares, que assumiu
ter coordenado o plano do sequestro do ex-ministro e dito
que a direção da organização tinha conhecimento dele.
Três dias depois da publicação da reportagem, Dilma telefonou à Folha pedindo detalhes da ficha. Dizia desconfiar
de que os arquivos oficiais da
ditadura poderiam estar sendo
manipulados ou falsificados.
O jornal imediatamente destacou repórteres para esclarecer o caso. A reportagem voltou
ao Arquivo Público do Estado
de São Paulo, que guarda os documentos do Dops. O acervo,
porém, foi fechado para consulta porque a Casa Civil havia
encomendado uma varredura
nas pastas. A Folha só teve
acesso de novo aos papéis cinco
dias depois.
No dia 17, a ministra afirmou
à rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que a ficha é uma "manipulação recente".
Na carta que enviou ao ombudsman, Dilma escreveu: "Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e,
em especial, cópia da referida
ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o
rol de ações como a publicada
na edição de 5.abr.2009. Cabe
destacar que os assaltos e ações
armadas que constam da ficha
veiculada pela Folha de S.
Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei.
Além disso, elas ocorreram em
São Paulo em datas em que eu
morava em Belo Horizonte ou
no Rio de Janeiro. Ressalte-se
que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos
quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não,
sobre aqueles fatos."
A ministra escreveu ainda:
"O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na
página A10, acompanhando o
texto da reportagem, uma ficha
policial falsa sobre mim. Essa
falsificação circula pelo menos
desde 30 de novembro do ano
passado na internet, postada
no site www.ternuma.com.br ("terrorismo nunca mais"),
atribuindo-me diversas ações
que não cometi e pelas quais
nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem
nas sessões de tortura a que fui
submetida quando fui presa
pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada
ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa."
Fontes
Dilma integrou organizações
de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra
não participou, no entanto, das
ações descritas na ficha. "Nunca fiz uma ação armada", disse
na entrevista à Folha de 5 de
abril. Devido à militância, foi
presa e torturada.
Na apuração da reportagem
do dia 5, o jornal obteve centenas de documentos com fontes
diversas: Superior Tribunal
Militar, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público Mineiro, ex-militantes da
luta armada e ex-funcionários
de órgãos de segurança que
combateram a guerrilha.
Ao classificar a origem de cada documento, o jornal cometeu um erro técnico: incluiu a
reprodução digital da ficha em
papel amarelo em uma pasta de
nome "Arquivo de SP", quando
era originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte.
No arquivo paulista está o
acervo do antigo Dops, sigla
que teve vários significados,
dos quais o mais marcante foi
Departamento de Ordem Política e Social. Na ditadura, era a
polícia política estadual.
Entre as imagens reproduzidas pelo arquivo, a pedido da
Folha, não estava a ficha. "Essa
ficha não existe no acervo", diz
o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar.
"Nem essa ficha nem nenhuma
outra ficha de outra pessoa com
esse modelo. Esse modelo de ficha a gente não conhece."
Pelo menos desde novembro
a ficha está na internet, destacadamente em sites que se
opõem à provável candidatura
presidencial de Dilma.
O Grupo Inconfidência, de
Minas Gerais, mantém no ar
uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis
que defendem o regime instaurado em 1964. Seu criador, o tenente-coronel reformado do
Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha "está
circulando na internet há mais
de ano". Sobre a autenticidade,
comentou: "Não posso garantir. Não fomos nós que a botamos na internet".
Pesquisadores acadêmicos,
opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte
sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos
dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.
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