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Reclamação sobre telefonia entrava ações em juizado
Pesquisa mostra distorções do acesso do cidadão comum à Justiça em 9 capitais
Telemar contratou estudo
do Ministério da Justiça;
empresa possui salas em
juizados para tentar fazer
acordos e reduzir conflitos
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
No Rio de Janeiro, um juiz
auxiliar realiza audiências de
conciliação dentro de um cofre,
no subsolo de imóvel cedido
pelo Banco do Brasil.
No Amapá, um juizado itinerante sobe o rio num barco. A
"sala de audiências", onde a juíza celebra casamentos ou decide casos de trabalho escravo, à
noite vira dormitório.
Em Minas, nos dias de jogos,
um juiz criminal, um promotor, um defensor público e um
delegado decidem sobre conflitos numa sala improvisada no
estádio do Mineirão.
Esses são exemplos de juizados especiais, a porta de acesso
à Justiça para o cidadão comum. O modelo substituiu os
juizados de pequenas causas
criados em 1984. Em geral, as
instalações são precárias, faltam conciliadores, acumulam-se reclamações de consumidores, principalmente contra as
empresas de telefonia.
A Secretaria de Reforma do
Judiciário, órgão do Ministério
da Justiça, divulga hoje uma
pesquisa sobre Juizados Especiais Cíveis realizada em nove
capitais entre 2004 e 2006,
com base em processos distribuídos em 2002. As principais
reclamações envolvem relações de consumo (37,2%), acidentes de trânsito (17,5%) e cobrança de dívidas (14,8%).
O objetivo do juizado especial é obter o acordo, evitando-se o processo. Mas é considerada muito baixa a taxa de conciliação (34,5%). São baixos os índices de recursos (31,2%) e de
reforma de sentenças (12,4%).
Muitos acordos não são cumpridos. Quando é necessária a
execução da sentença, o processo pode demorar 649 dias.
Reclamações
Em 93,7% dos casos, os reclamantes são pessoas físicas, com
os mais variados problemas.
Cita-se uma ação de indenização contra funerária, porque o
travesseiro do defunto era muito baixo. Há pedido de indenização por propaganda enganosa para aumentar o tamanho do
pênis. Uma prostituta moveu
ação contra um delegado, alegando ter fornecido "serviços a
mais" e recebido a menos.
"Esses juizados são muito
procurados, mas sofrem o mesmo problema do juízo comum:
não têm atendimento rápido",
diz Maria Tereza Sadek, cientista política e pesquisadora do
Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas Judiciais (Cebepej),
que participou da pesquisa.
Muitos casos envolvem baixos valores. Foi movida ação de
danos morais por erro de R$
0,50 no troco de cigarros. Empresa de energia foi acionada
por cobrança indevida de R$
0,01. Instituição financeira obteve acordo para pagar indenização em 85 parcelas de R$ 20.
Os serviços de telecomunicações aparecem como principal
reclamação na categoria "relação de consumo". Atingem
44,2% em Fortaleza; 41,9% em
Macapá; 33,6% no Rio e 32,4%
em Salvador. A média é de
22,8% das reclamações. Em seguida, vêm queixas sobre transações comerciais (19,3%) e
serviços bancários (11,8%).
A pesquisa foi encomendada
ao governo pela Telemar. Isso
não impediu o Cebepej de revelar que a empresa chega a ocupar dependências de juizados
especiais, para prestar esclarecimentos e reduzir conflitos.
"Não recebi pressão do governo
nem da Telemar", diz Sadek.
"Identificado o problema, temos de trabalhar políticas para
minimizar esse tipo de litígio e
fortalecer um sistema de conciliação prévia", diz o secretário
de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini. Ele diz que não
houve nenhum constrangimento com a Telemar.
No juizado especial de Montese, bairro de Fortaleza, 90%
das queixas referem-se à Telemar, por cobranças incorretas.
Ali, um escritório paulista de
advocacia faz a defesa da empresa. Num juizado em Belém,
há uma sala exclusivamente
para a Telemar. Uma funcionária, "não autorizada a celebrar
acordos", presta informações.
Num dos juizados especiais
do Rio funciona o chamado
"Expressinho" (sala reservada
à Telemar para tentativa de resolução dos conflitos). Isso não
conseguiu reprimir as ações.
Contratada para implantar sistema de gestão, a Fundação Getúlio Vargas recomendou a retirada do espaço. A pesquisa cita que a empresa obteve maior
volume de acordos no Rio.
Em São Paulo, os juizados especiais possuem instalações
modestas, são pouco informatizados. São propostas cerca de
500 causas por dia contra a Telefonica. Há cerca de 55 mil
ações para discussão da obrigatoriedade da assinatura básica.
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