|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
REGIME MILITAR
Laudos até ontem inéditos revelam que Virgílio Gomes da Silva, preso pela Oban, morreu com traumatismo craniano
Primeiro desaparecido foi morto sob tortura
MURILO FIUZA DE MELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Advogados da família do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, da
ALN (Ação Libertadora Nacional), devem pedir ao governo de
São Paulo que abra inquérito para
investigar as circunstâncias de sua
morte, ocorrida em 30 de setembro de 1969, com base em documentos que provam que ele foi
morto pelo regime militar.
Gomes da Silva, codinome Jonas, comandou o seqüestro do
embaixador dos EUA Charles
Burke Elbrick, em 4 de setembro
de 1969. Ele foi assassinado na sede da Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo. Os papéis,
obtidos pelo jornalista Mário Magalhães, colunista da Folha, foram entregues à família que, com
o apoio do grupo Tortura Nunca
Mais, apresentou ontem a documentação no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Ela
inclui o laudo da autópsia de Gomes da Silva, o laudo com as impressões digitais identificando o
corpo e fotos dele já morto.
Segundo Elio Gaspari ("A Ditadura Escancarada"), Gomes da
Silva foi o primeiro "desaparecido" político após o AI-5: "A partir
dele alterou-se no léxico do idioma o significado da palavra desaparecido. Deixou de designar algo
que se perde de vista para qualificar os cidadãos assassinados em
guarnições ou valhacoutos militares cujos cadáveres sumiam".
A intenção dos familiares é descobrir onde estão os restos mortais. Segundo o advogado Idibal
Pivetta, os depoimentos dos médicos e policiais que assinam os
documentos poderão esclarecer o
fato. "Não queremos a condenação de ninguém. Queremos apenas que a verdade seja estabelecida", disse o advogado. A Secretaria de Segurança de São Paulo disse que a Polícia Civil aguarda a entrega da documentação para analisar a abertura de um inquérito.
Pivetta afirmou que estuda entrar com uma ação civil contra o
Estado de São Paulo, pedindo indenização civil pela morte do
guerrilheiro, e uma pensão para a
viúva, Ilda Martins Gomes da Silva, 73. A Comissão de Mortos e
Desaparecidos do Estado de São
Paulo, porém, já deferiu pedido
de indenização à viúva e a três dos
quatro filhos do casal, presos um
dia depois do pai. Não há data para o pagamento das indenizações.
Na época da prisão, os filhos do
casal eram menores: o mais velho,
Vlademir, tinha 8 anos; Virgílio, 4;
e Isabel Maria, quatro meses. Eles
ficaram detidos por um mês. A
viúva ficou presa por nove meses,
quatro deles incomunicável.
Segundo o advogado, a família
quer ainda que seja retificado, na
Comissão de Anistiados do Ministério da Justiça, o atestado de
óbito de Gomes da Silva, no qual
consta "morte presumida".
A apresentação da documentação sobre Gomes da Silva foi cercada de muita emoção. Toda a família estava presente. O filho mais
velho, Vlademir, fez questão de
ler o laudo da autópsia do pai.
O laudo da autópsia diz que o
corpo do guerrilheiro foi encontrado em "local baldio" no dia 30,
um dia após ser preso. Logo em
seguida, descreve lesões "intensas" por todo o corpo. A conclusão é de que Gomes da Silva teve
traumatismo craniano. Paradoxalmente, o laudo afirma que ele
não morreu sob tortura, apesar
das graves escoriações. O documento é assinado pelos legistas
Roberto A. Magalhães e Paulo A.
de Queiroz Rocha, indicados pelo
diretor do IML de São Paulo na
época, Arnaldo Siqueira.
Há ainda um documento da Divisão de Identificação Civil e Criminal, que confirma que o corpo
é de Gomes da Silva. O cadáver é
identificado pelo nš 4059-69. A
identificação é feita através das digitais do guerrilheiro. O texto é assinado pelo delegado Emílio Mattar e pelo agente Gilberto da Cruz.
O ex-militante da ALN Manoel
Cyrillo, levado para a sede da
Oban no dia seguinte à prisão de
Gomes da Silva, disse que ouviu
relatos de agentes que lhe teriam
matado o guerrilheiro: "Eles me
mostraram uma parede, atrás do
pau-de-arara, toda manchada de
sangue, dizendo que tinha sido ali
que haviam matado o Virgílio".
Texto Anterior: Para advogados, decisão é ilegal Próximo Texto: Depoimento Índice
|