São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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REGIME MILITAR

Laudos até ontem inéditos revelam que Virgílio Gomes da Silva, preso pela Oban, morreu com traumatismo craniano

Primeiro desaparecido foi morto sob tortura

MURILO FIUZA DE MELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Advogados da família do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, da ALN (Ação Libertadora Nacional), devem pedir ao governo de São Paulo que abra inquérito para investigar as circunstâncias de sua morte, ocorrida em 30 de setembro de 1969, com base em documentos que provam que ele foi morto pelo regime militar.
Gomes da Silva, codinome Jonas, comandou o seqüestro do embaixador dos EUA Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Ele foi assassinado na sede da Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo. Os papéis, obtidos pelo jornalista Mário Magalhães, colunista da Folha, foram entregues à família que, com o apoio do grupo Tortura Nunca Mais, apresentou ontem a documentação no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Ela inclui o laudo da autópsia de Gomes da Silva, o laudo com as impressões digitais identificando o corpo e fotos dele já morto.
Segundo Elio Gaspari ("A Ditadura Escancarada"), Gomes da Silva foi o primeiro "desaparecido" político após o AI-5: "A partir dele alterou-se no léxico do idioma o significado da palavra desaparecido. Deixou de designar algo que se perde de vista para qualificar os cidadãos assassinados em guarnições ou valhacoutos militares cujos cadáveres sumiam".
A intenção dos familiares é descobrir onde estão os restos mortais. Segundo o advogado Idibal Pivetta, os depoimentos dos médicos e policiais que assinam os documentos poderão esclarecer o fato. "Não queremos a condenação de ninguém. Queremos apenas que a verdade seja estabelecida", disse o advogado. A Secretaria de Segurança de São Paulo disse que a Polícia Civil aguarda a entrega da documentação para analisar a abertura de um inquérito.
Pivetta afirmou que estuda entrar com uma ação civil contra o Estado de São Paulo, pedindo indenização civil pela morte do guerrilheiro, e uma pensão para a viúva, Ilda Martins Gomes da Silva, 73. A Comissão de Mortos e Desaparecidos do Estado de São Paulo, porém, já deferiu pedido de indenização à viúva e a três dos quatro filhos do casal, presos um dia depois do pai. Não há data para o pagamento das indenizações.
Na época da prisão, os filhos do casal eram menores: o mais velho, Vlademir, tinha 8 anos; Virgílio, 4; e Isabel Maria, quatro meses. Eles ficaram detidos por um mês. A viúva ficou presa por nove meses, quatro deles incomunicável.
Segundo o advogado, a família quer ainda que seja retificado, na Comissão de Anistiados do Ministério da Justiça, o atestado de óbito de Gomes da Silva, no qual consta "morte presumida".
A apresentação da documentação sobre Gomes da Silva foi cercada de muita emoção. Toda a família estava presente. O filho mais velho, Vlademir, fez questão de ler o laudo da autópsia do pai.
O laudo da autópsia diz que o corpo do guerrilheiro foi encontrado em "local baldio" no dia 30, um dia após ser preso. Logo em seguida, descreve lesões "intensas" por todo o corpo. A conclusão é de que Gomes da Silva teve traumatismo craniano. Paradoxalmente, o laudo afirma que ele não morreu sob tortura, apesar das graves escoriações. O documento é assinado pelos legistas Roberto A. Magalhães e Paulo A. de Queiroz Rocha, indicados pelo diretor do IML de São Paulo na época, Arnaldo Siqueira.
Há ainda um documento da Divisão de Identificação Civil e Criminal, que confirma que o corpo é de Gomes da Silva. O cadáver é identificado pelo nš 4059-69. A identificação é feita através das digitais do guerrilheiro. O texto é assinado pelo delegado Emílio Mattar e pelo agente Gilberto da Cruz.
O ex-militante da ALN Manoel Cyrillo, levado para a sede da Oban no dia seguinte à prisão de Gomes da Silva, disse que ouviu relatos de agentes que lhe teriam matado o guerrilheiro: "Eles me mostraram uma parede, atrás do pau-de-arara, toda manchada de sangue, dizendo que tinha sido ali que haviam matado o Virgílio".


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