São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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DOMINGUEIRA
Lembrem do que escrevi

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

São frequentes as cobranças dirigidas ao presidente Fernando Henrique Cardoso baseadas em seu passado intelectual e sua obra de sociólogo. Não é por acaso que sua frase mais famosa, depois de eleito, impôs-se mesmo sem ter sido pronunciada: "Esqueçam o que eu escrevi".
Mas à luz de um mandato já encerrado e de outro em curso, talvez fosse mais interessante debruçar sobre os escritos do sociólogo não para tentar flagrá-lo em contradição com o presidente, e sim para descobrir as pontas que unem as duas personas.
Da mesma forma que a existência de Kafka criou seus precursores, a biografia política do presidente ilumina ou comenta o pensamento anterior. Numa obra na qual a ambiguidade exerce um papel considerável, a prática do presente pode servir para ajustar o foco do passado.
Ao menos foi essa a impressão de uma releitura recente, ao acaso, do ensaio "As Novas Teses Equivocadas" (1973), no qual Fernando Henrique passa um pito teórico naqueles que tentavam modificar a realidade latino-americana a partir de análises a seu ver incorretas.
Uma das principais teses sustentadas por um setor das esquerdas àquela época estava na idéia de que o desenvolvimento capitalista seria inviável na periferia do sistema -restando, convenientemente, o socialismo como única alternativa.
Ao refutar a tese, o sociólogo FHC coloca-se claramente a favor de que o capitalismo prospere no continente e descreve como esse desenvolvimento imperfeito deveria ocorrer.
Sobre o emprego, é bastante claro: "O capitalismo dependente terá condições de resolver os problemas de emprego da maioria da população? Claramente, não."
Mas é bem mais alto do que o desemprego o preço a ser pago para que um dia o sistema possa funcionar. O negrito é meu: "Dado o caráter progressivo e cumulativo do sistema capitalista, pagando-se o preço do esmagamento de gerações e de segmentos importantes das classes exploradas, o que é próprio deste sistema é sua capacidade de crescer em espiral, transformando as relações sociais de produção como consequência do aumento do patamar de acumulação e do desenvolvimento das forças produtivas".
O palavrório marxista não funciona mais hoje para amenizar o sentido do pensamento: trata-se de implantar o capitalismo da forma possível na periferia -e a carnificina faz parte do cálculo.
Diante disso, para que perder tempo com impostos contra a miséria ou coisas do gênero?



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