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DOMINGUEIRA
Lembrem do que escrevi
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
São frequentes as cobranças
dirigidas ao presidente Fernando Henrique Cardoso baseadas
em seu passado intelectual e sua
obra de sociólogo. Não é por
acaso que sua frase mais famosa, depois de eleito, impôs-se
mesmo sem ter sido pronunciada: "Esqueçam o que eu escrevi".
Mas à luz de um mandato já
encerrado e de outro em curso,
talvez fosse mais interessante
debruçar sobre os escritos do sociólogo não para tentar flagrá-lo em contradição com o presidente, e sim para descobrir as
pontas que unem as duas personas.
Da mesma forma que a existência de Kafka criou seus precursores, a biografia política do
presidente ilumina ou comenta
o pensamento anterior. Numa
obra na qual a ambiguidade
exerce um papel considerável, a
prática do presente pode servir
para ajustar o foco do passado.
Ao menos foi essa a impressão
de uma releitura recente, ao
acaso, do ensaio "As Novas Teses Equivocadas" (1973), no
qual Fernando Henrique passa
um pito teórico naqueles que
tentavam modificar a realidade
latino-americana a partir de
análises a seu ver incorretas.
Uma das principais teses sustentadas por um setor das esquerdas àquela época estava na
idéia de que o desenvolvimento
capitalista seria inviável na periferia do sistema -restando,
convenientemente, o socialismo
como única alternativa.
Ao refutar a tese, o sociólogo
FHC coloca-se claramente a favor de que o capitalismo prospere no continente e descreve como esse desenvolvimento imperfeito deveria ocorrer.
Sobre o emprego, é bastante
claro: "O capitalismo dependente terá condições de resolver
os problemas de emprego da
maioria da população? Claramente, não."
Mas é bem mais alto do que o
desemprego o preço a ser pago
para que um dia o sistema possa funcionar. O negrito é meu:
"Dado o caráter progressivo e
cumulativo do sistema capitalista, pagando-se o preço do esmagamento de gerações e de
segmentos importantes das
classes exploradas, o que é próprio deste sistema é sua capacidade de crescer em espiral,
transformando as relações sociais de produção como consequência do aumento do patamar de acumulação e do desenvolvimento das forças produtivas".
O palavrório marxista não
funciona mais hoje para amenizar o sentido do pensamento:
trata-se de implantar o capitalismo da forma possível na periferia -e a carnificina faz parte
do cálculo.
Diante disso, para que perder
tempo com impostos contra a
miséria ou coisas do gênero?
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