São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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MISÉRIA NOS PAMPAS
Fábrica faliu em 96
"O grande ladrão é o governo", diz empresário
Sergio Lima/Folha Imagem
Eutália Xavier Almeida, 72, e o neto, dentro do barraco onde vivem, em Santana da Boa Vista


do enviado especial a Pelotas

Sentado em um banco no meio da fábrica desativada, o empresário falido Hugo Poetsch, 71, respira fundo: "Fui respeitado nacionalmente. Fracassei? Fracassei, mas não tecnologicamente. Foi a política de governo".
A indústria Agapê, fundada em 1959, chegou a empregar 2.950 trabalhadores e a produzir 8 milhões de latas de conservas. Forneceu pepino fatiado para a rede McDonald's no país por 20 anos. Tinha 41 produtos. Exportava aspargos para a Alemanha e figo para a Dinamarca. Faliu em 1996.
Hoje aposentado, o ex-presidente da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul) ainda guarda a energia verbal e um pouco da arrogância dos tempos dourados. Ele apresenta um culpado para o seu fracasso: "O grande ladrão é o governo".
Poetsch afirma que a indústria de conservas ainda é um bom negócio, mas com uma condição: "Não pode nem passar na frente do banco. O banco fica com 70% do valor do empréstimo".
Aprendeu com a experiência própria: diz que tomou um empréstimo de R$ 1 milhão em 1992; quatro anos depois devia R$ 24 milhões ao banco.
O empresário também aponta a abertura do mercado interno a produtos subsidiados como uma das causas da crise da indústria de conservas. "O Collor abriu as fronteiras. O pêssego da Grécia entrou com subsídio de 46%. Disseram: "virem-se, defendam-se", como se fôssemos heróis da Guerra do Paraguai."
Documento elaborado pelo governo de Antônio Britto (PMDB) diz que, na década de 90, a abertura comercial elevou as importações de pêssego rapidamente para 16 milhões de latas em 1994 e 30 milhões em 1995.
Com o produto subsidiado pela União Européia, a Grécia colocava no Brasil a lata da fruta em conserva a US$ 0,61. O pêssego gaúcho custava US$ 0,80.
A implementação do Mercosul trouxe novos competidores. O Plano Real agravou a situação com a sobrevalorização cambial e a elevação dos juros.
Mas o governo Britto também apontou as falhas dos industriais. A pequena diversificação da produção, o baixo investimento em tecnologia, em marketing e na melhoria do processo produtivo teriam agravado a crise.
O relacionamento predatório com os produtores teria sido outro fator do fracasso das indústrias. O preço mínimo era discutido no momento da colheita. Com um produto altamente perecível, os agricultores ficavam, sempre, em desvantagem.
A incerteza desestimulou a adoção de técnicas modernas de plantio. Muitos produtores simplesmente dizimaram as plantações de pessegueiros e venderam suas terras. A indústria ficou sem a sua matéria-prima.
Poetsch vive hoje da lembrança dos bons tempos. Diz que bom mesmo era o regime militar.
"Nota dez. Todos ganhavam dinheiro, havia ordem. Eu defendo a ditadura. Regime democrático não funciona. Tem que ter um regime mais duro para o pessoal obedecer."
Ele não acredita que Olívio Dutra (PT) vá desenvolver a metade sul. "O bigodudo é um homem honesto, trabalhador. Boto a mão no fogo por ele. Mas é um carregador de saco. Não tem preparo."
Não se contenta com ninguém: "Votei no Britto de nariz tapado, com vontade de vomitar".
Poetsch só acredita em uma saída para desenvolver a região: a criação de um novo Estado na metade sul. (LUCIO VAZ)

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