São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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ELIO GASPARI
"Vote como paulista"


Há duas semanas, quando estourou o caso da Emenda Ford, publicou-se em diversos lugares (inclusive aqui) que o texto texto aprovado pelo Congresso no dia 29 de junho saíra, em disquete, do palácio do Planalto.
No dia 13 de julho o então secretário de Relações Institucionais da Presidência, Eduardo Graeff enviou uma carta a inúmeros jornalistas (inclusive ao signatário), informando o seguinte:
1) "O dispositivo prevendo a prorrogação do prazo do regime automotivo do nordeste não foi redigido na Casa Civil nem em qualquer outro orgão da presidência."
2) "As objeções do governo à chamada emenda Ford foram clara e reiteradamente manifestadas aos parlamentares envolvidos na discussão da medida provisória". Essas objeções teriam sido apresentadas, segundo Graeff. aos seguintes deputados: Ronaldo Cesar Coelho, José Carlos Aleluia, Manuel Castro, Jorge Khoury bem como a Benito Gama.
Ou seja, a informação era mentirosa.
Ronaldo Cezar Coelho, José Carlos Aleluia e Jorge Khoury e Benito Gama, informam que não ouviram objeção nenhuma. Repetindo, nenhuma. (Manuel Castro não foi encontrado.)
O deputado Ronaldo Cezar Coelho, vice-líder do governo, acrescenta que se tivesse ouvido qualquer objeção, o texto seria retirado da pauta.
O deputado José Carlos Aleluia informa que tem em seu poder cópia do texto que recebeu do Planalto, depois de uma longa negociação. Dele consta o dispositivo que Graeff nega ter sido redigido no palácio.
Graeff acusa Aleluia de ter acrescentado a mão o artigo que prorrogou o prazo para a concessão dos incentivos. Aleluia diz que isso é falso.
Arrisca-se cair na situação dos sapos de Manuel Bandeira:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Um dos deputados que teriam ouvido "as objeções do governo" revela que o líder do governo, deputado Arnaldo Madeira, telefonou para Graeff durante a sessão, perguntando-lhe como devia votar.
Graeff informa que respondeu assim: "Vote como paulista."
O que significava votar como paulista? O deputado Aloysio Nunes Ferreira votou a favor e seu colega Antônio Kandir, contra. Ambos são paulistas.
Saindo-se da situação dos sapos, são quatro narrativas contra uma. Admitindo-se, com a ajuda de Bandeira, que "o cálculo das probabilidades é uma pilhéria", pode-se dar por certo que no telefonema que recebeu de Madeira, Graeff, não fez qualquer objeção ao que se estava votando no Congresso. Tanto foi assim que o líder do Governo votou a favor.
A Emenda Ford foi aprovada porque o Gabinete Civil da Presidência tinha virado bagunça. Por conta disso, o doutor Clovis Carvalho foi nomeado ministro do Desenvolvimento.

A doença do burocrata doido


Se não pousar urubu na linha, o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, corrigirá um ato de seu antecessor que dividiu o país em três regiões para combater a febre aftosa. Por conta dessa doença que afeta uma parte do rebanho nacional, a Comunidade Européia proíbe a importação de carne brasileira.
A agroburocracia inventou o seguinte:
A região formada pelo Triângulo Mineiro e o Sul, a partir de São Paulo, passou a ser considerada sadia. Seu gado pode circular por todo o país.
Uma zona intermediária, com o outro pedaço de Minas, Goiás e os dois Mato Grosso, pode mandar seu gado para onde quiser, menos para a região sadia.
O fim-do-mundo, o resto do país. Seu rebanho não pode deixar a região.
Isso significa que um boi da raça pardo holandês do empresário Camilo Cola, do Espirito Santo, não pode ser mandado para uma exposição em São Paulo. Vendido, nem pensar. Significa também que todo o rebanho do Rio de Janeiro, onde não há caso de febre aftosa há 28 meses, não pode subir a Via Dutra.
Os sábios de Brasília desprezaram o conceito de rebanho controlado. Um fazendeiro, na defesa dos seus interesses, cuida para que ele fique protegido. Igualaram o animal de raça de um pecuarista pernambucano e um bicho carafunchado que está morrendo de sede no sertão.
Se Pratini não puder consertar essa encrenca, explicará os critérios de uma federação na qual o governo não quer que os bois do Norte venham para o Sul e reclama quando uma montadora do Sul quer ir para o Norte.

Trio maravilhoso
O remanejamento que FFHH fez no seu governo produziu um acidente. Ao fim das contas, ficaram na mão de tucanos paulistas os três maiores cofres públicos do país.
O BNDES foi para Andrea Calabi. O Banco do Brasil, para Paolo Zaghen. Na presidência da Petrobrás continuou Henri Philippe Reichstul.
Todos três são brasileiros e paulistas por ato de vontade. Calabi e Zaghen nasceram na Italia e Reichstul na França.
Todos três são tucanos, apesar de jamais terem contabilizado um voto.
O único que teve alguma atividade relacionada com a produção de mercadorias que podem ser colocados numa caixa, foi Calabi, um destacado consultor. Reichstul passou pela banca aérea e Zaghen, pelo Banespa.
Se almoçarem juntos, a mesa terá o seguinte peso:
1) Algo como 20% de todo o crédito bancário do país.
2) Todo o crédito de investimentos de longo prazo.
3) R$ 3 bilhões de investimentos anuais da Petrobrás.
O único setor da economia sobre o qual não exercem influência direta é o das pessoas que, de acordo com a retórica do tucanato, passam por uma crise de empregabilidade.

Quiromancia
Com todas as ressalvas exigidas pela precocidade, começou uma costura dentro do PFL para formar a seguinte chapa em 2.002: Jaime Lerner para presidente e Roseana Sarney para a vice.
Hoje, não há possibilidade do PFL apoiar um candidato do PSDB.

www.$$$.gov.br
Uma das boas encomendas do ano deverá ser a do reequipamento do sistema de computadores do Banco do Brasil.
Coisa que pode ir a R$ 1 bilhão.

Precisa publicar
Alguém deve assediar o empresário Paulo Cunha (Grupo Ultra), para que publique uma edição popular e ampliada do trabalho que distribuiu na Escola Superior de Guerra há duas semanas. Intitulado Crise Sócio Econômica Brasileira, serviu como anexo de 101 páginas a uma palestra. Obsessivamente amparado em estatisticas, mostra que a semente dos problemas brasileiros de hoje foi plantada há mais de dez anos. Como hoje se plantam os parasitas do futuro, vale mencionar um de seus cálculos
Se nas próximas décadas a economia brasileira crescer a 5% ao ano e a dos Estados Unidos mantiver o ritmo dos ultimos dez anos, levará 70 anos (três gerações) para chegar onde os americanos estão hoje.
O Brasil levará 15 anos para atingir o nível em que esteve em 1980 (o melhor momento do século). Demorará 40 anos para atingir o nível relativo que teve no início do século XIX, quando tinha uma renda per capita equivalente à metade da americana.
Parece fácil, mas a ekipekonômica passou anos dizendo que, por ora, 5% ao ano é maluquice.

Boas leituras
Estão chegando às livraria dois bons livros, ambos da Editora da Universidade do Sagrado Coração. Um é o clássico Os Olhos do Império - Relatos de Viagem e Transculturação, da professora candense Mary Louise Pratt. É um sobrevôo erudito e cáustico do relato dos viajantes que percorreram a América Espanhola e a Africa do século XVI ao XIX. Mostra como era primitiva (e esperta) a cabeça dos europeus que descreviam sociedades consideradas selvagens.
O segundo é Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978), de Maria Aparecida Aquino. A professora estudou o trabalho da censura no jornal O Estado de S. Paulo (1.136 textos cortados entre 1973 e 1975) e no semanário Movimento (840 textos devolvidos entre 1975 e 1978). Trabalho acadêmico, dá aos leitores o doce prazer de acompanhar os medos dos censores e os terrores da ditadura a que serviam.

Estão salvas as reservas. A União segurou o Tesouro de Hang


O Brasil está salvo. Ninguem deve se preocupar com o risco de uma quebradeira na Argentina, muito menos com uma desvalorização na China. As reservas cambiais do país aguentam qualquer crise. É verdade que o Supremo Tribunal Federal desbloqueou os bens da turma dos bancos Marka e Fonte Cindam. É verdade também que o doutor Salvatore Cacciola já tinha transferido sua casa em Angra (com praia particular) para o patrimônio da ex-mulher, protegendo um patrimônio de cerca de R$ 2 milhões. Tudo isso é mixaria.
Na semana passada o juiz Emílio Abranches Mansur, da 1ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, indeferiu um pedido do carregador de malas Carlos Hang de Santana. Ele queria recuperar os bens que a Polícia Federal lhe confiscou quando o prendeu, em janeiro passado, durante memorável ação do governo contra os especuladores financeiros.
O Tesouro de Hang compõe-se dos seguintes valores: 7.545 reais, 476 dólares, 410 pesos argentinos, 20 libras, 100 marcos, dois cheques e alguns tiquetes refeição.
O procurador Maurício Andreiuolo Rodrigues sustentou que o tesouro não deveria ser devolvido a Hang, pois ele o ganhara "na senda da criminalidade" Considerou "audaciosa -senão de pésimo gosto", a decisão do maleiro de não aceitar uma eventual proposta de congelamento do processo.
Sabe-se que os procuradores da República devem zelar pelo cumprimento das leis. O que o doutor Rodrigues precisa aprender é que a Viúva não lhe paga salário para que opine a respeito do gosto alheio, até porque não se conhece o dele. Quanto ao que seria uma conduta "audaciosa", tem toda razão o doutor. O maleiro tem a audácia de recusar o sursis processual. É a audácia do cidadão que se julga no direito de ir a julgamento, por entender que não cometeu crime. Os cidadãos-banqueiros tiveram a audácia de pedir ao STF que revogasse o congelamento de seus bens, determinado pela CPI. Por audaciosos, ganharam. O cidadão-maleiro perdeu.
O juiz Emílio Abranches Mansur , que aceitou a denúncia contra o maleiro, concordou em não restituir o Tesouro de Hang. Entendeu que, havendo indícios da prática de crime, a arca de moedas pode vir a ter seu confisco decretado em favor da União Federal. Até aí, ninguem pode reclamar, porque juiz é pago para julgar. Há lotes de advogados convencidos de que Hang não praticou crime, mas juiz julga e quem tem juízo obedece.
Os juízes, procuradores, banqueiros e carregadores de malas são pessoas com formação e hábitos diversos. Desafortunadamente, fazem parte da mesma sociedade e a sociedade da qual fazem parte o juiz Mansur e o procurador Rodrigues, é assim:
O Banco Econômico quebrou. Tinha um buraco de R$ 2 bilhões. Ninguem foi preso.
O Banco Nacional quebrou. Só de créditos fraudados, tinha R$ 4,6 bilhões. Ninguem dormiu na cadeia.
A desvalorização do real custou à Viúva pelo menos R$ 3 bilhões. Ninguem dormiu na cadeia e, até agora, ninguem foi denunciado. Ninguém está com seus bens bloqueados.
Hang passou seis dias e cinco noites preso e o patrimônio que carregava está arrestado.
Os doutores Mansur e Rodrigues nada tiveram a ver com os casos dos bancos do andar de cima. Eles só entraram para a história da Casa de Hang, do andar de baixo, a mais ilustrativa.


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