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ALÉM DO ORÇAMENTO
Plano Plurianual de Lula não assegura recursos suficientes ao setor, que precisaria de R$ 6 bi em 2004
Ajuste fiscal agrava crise no saneamento
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem tanto alarde, o saneamento
básico vive uma crise parecida
com a que antecedeu o apagão de
energia elétrica em 2001, pelo menos na origem: a falta de investimentos decorrente em grande
parte do ajuste nas contas públicas. Não há risco iminente de racionamento, mas as metas de universalização dos serviços de água
e esgoto estão claramente ameaçadas. Casos de verminoses e infecções que poderiam ser evitados
pressionam gastos com saúde.
"A situação é drástica e, se não
forem feitos investimentos, principalmente nos grandes aglomerados urbanos, poderemos ter situações de desabastecimento de
água e até epidemias", diz Kátya
Calmon, pesquisadora do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) que estuda a evolução
dos gastos em saneamento.
Os dados mais recentes mostram uma fatia de 8,5% da população sem acesso à água potável.
As famílias mais pobres são maioria, com 2,6 milhões de domicílios
nessa situação. E quase a quarta
parte dos domicílios brasileiros
não tem acesso à coleta de esgoto
nem a fossas adequadas; em 81%
deles vivem famílias com renda
de até cinco salários mínimos.
Ou seja, falta saneamento justamente entre os mais pobres ou
moradores de municípios pequenos -aqueles que menos interessam aos empresários caso o governo vença outro problema: a
inexistência de regras claras para
os investimentos privados no setor, o tal marco regulatório.
Estudo encomendado pelo Ministério das Cidades ao consórcio
JNS-Acquaplan estima em R$
178,4 bilhões, por baixo, os investimentos necessários para universalizar o abastecimento de água e
o acesso ao esgoto no país até
2024. O estudo propõe investimentos crescentes nos próximos
20 anos, partindo de R$ 6 bilhões
no ano que vem para depois chegar ao dobro desse valor.
Mas a conta já não fecha no
PPA, o Plano Plurianual de Investimentos para o período de 2004 a
2007, cujo projeto será encaminhado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva ao Congresso nesta
semana. Dos cerca de R$ 5 bilhões
previstos por ano no PPA, grande
parte depende do FGTS (Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço), a maior fonte de financiamento do setor. Ela secou desde
1998, sob uma forte restrição de
crédito ao setor público. Os municípios, por exemplo, estão proibidos de receber empréstimos.
O governo também conta com
uma outra parcela tão importante
quanto o FGTS, de R$ 1,8 bilhão
por ano, em investimentos com
recursos próprios das companhias de saneamento. Mas a Aesbe (Associação das Empresas de
Saneamento Básico Estaduais)
avalia que o número é irreal diante do aumento do custo dos serviços, do reajuste das tarifas abaixo
da inflação e até da crescente inadimplência dos consumidores.
"Não temos todos os recursos para universalizar os serviços de saneamento em 20 anos, e a iniciativa privada não se interessa pelos
mais pobres", diz o secretário de
Saneamento do Ministério das Cidades, Abelardo Oliveira Filho.
Década perdida
O secretário acha forte a expressão "apagão no saneamento",
mas são igualmente dramáticas as
referências contidas no relatório
"O desafio da universalização do
saneamento ambiental no Brasil",
produzido pelo ministério.
"Nos últimos oito anos não
houve nenhuma política governamental para o setor, sendo um sinal claro de que a administração
anterior acreditava que a privatização iria resolver os problemas
de universalização do saneamento brasileiro, o que é um grave
equívoco", diz um trecho do documento, que classifica de "completamente irregulares" e "pífios"
os gastos federais no setor nos
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, cuja meta era universalizar o saneamento até 2010.
O primeiro ano de governo Lula
não vai ter um desempenho muito diferente no quesito investimentos em saneamento. O dinheiro disponível no Ministério
das Cidades (menos de R$ 250
milhões) está pagando contas
pendentes da gestão FHC.
O Ministério da Saúde, responsável pelo saneamento em municípios menores, espera gastar até
o final do ano R$ 436 milhões. E,
embora o governo tenha lançado
mão de brechas para começar a
usar os recursos do FGTS, há um
longo caminho entre as contratações e a liberação do dinheiro. Até
agora, são R$ 494 milhões de créditos em fase de aprovação e outros R$ 2,2 bilhões em análise.
Relatório produzido neste ano
pelo Tribunal de Contas da União
mostra que dinheiro não é tudo
quando se fala de saneamento. O
número de internações por diarréia aguda ou esquistossomose
causadas por má qualidade da
água não caiu muito depois de R$
2 bilhões gastos em cerca de 1.700
municípios entre 1999 e 2001.
Ações muito pulverizadas -até
hoje os gastos são diluídos em 24
programas de sete ministérios diferentes e inúmeras emendas de
parlamentares para suas bases
eleitorais- e falta de educação
das famílias foram motivos apontados pelos técnicos para a falta de
resultados. Na auditoria, eles encontraram gente cozinhando em
banheiros, o cômodo "mais bonito da casa", e vasos sanitários convertidos em vasos de plantas para
não gastar a água, que é cara.
Impasse
O pagamento pelo uso da água é
um dos itens em estudo pelo governo para financiar a universalização dos serviços de saneamento, além da tarifa cobrada dos
usuários, cujos critérios poderão
ser revistos no pacote da Política
Nacional de Saneamento Ambiental. O primeiro obstáculo a
ser vencido nessa discussão trata
de um conflito de poder: de quem
é a competência para conceder os
serviços de água e esgoto?
O debate opõe governadores e
prefeitos há anos, o que paralisa
não apenas a definição de uma lei
no Congresso como os potenciais
investimentos privados no setor.
O documento do Ministério das
Cidades deixa clara a opção do
governo Lula pró-municípios. Para a Aesbe, que representa 24 empresas estaduais de saneamento
básico, municipalizar os serviços
significa "desmontar" o sistema
criado no país desde os anos 70,
quando o BNH (Banco Nacional
de Habitação) financiou o grande
salto em saneamento básico, diz
Walder Suriani, superintendente-executivo da associação.
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