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ELEIÇÕES 2006 / REGRAS DO JOGO
Decisão inédita do TRE divide advogados
Maioria dos especialistas consultados pela Folha vê risco de instabilidade política em cassação de candidatura de sanguessugas
Paulo Brossard cogita a
possibilidade de sanção político-administrativa, antes de condenação, para garantir lisura da eleição
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de proibir a
candidatura de deputados federais acusados no escândalo
dos sanguessugas -de aquisição de ambulância superfaturada por meio de emenda parlamentar- é vista com cautela
por advogados consultados pela Folha, que divergem sobre a
legitimidade da medida.
Para a maioria, o fato de ainda não existir um condenação
penal definitiva contra os parlamentares torna a decisão inconstitucional, já que um dos
princípios da legislação é o de
que ninguém será considerado
culpado até o trânsito final do
processo -quando não há mais
possibilidade de recursos.
Paulo Brossard, ex-ministro
do Supremo Tribunal Federal
entre 1989 e 1994, não discorda
deste preceito, mas levanta
uma outra possibilidade: a de o
tribunal, diante de uma situação que considere grave, adotar
sanções político-administrativas como forma de garantir a lisura de uma eleição. Tal alternativa dispensaria a exigência
de uma condenação definitiva.
"A situação é curiosa. Afinal,
o tribunal tem o poder de correição para tentar preservar a
lisura da eleição? Eu entendo
que sim. Entendo que não se
trata de um processo penal,
mas político-administrativo.
Mas entendo também que isso
pode ser perigoso, já que pode
dar margem a represálias contra políticos", disse Brossard.
O próprio presidente do TRE
do Rio, Roberto Wider, disse
que a decisão seguiu o princípio da moralidade, sem vínculo
com questões penais.
Para Brossard, que ressalta
não ter uma opinião fechada
sobre o assunto, a decisão do
Rio é importante por ensejar
uma discussão até hoje inédita
no Brasil. "Um exemplo: uma
pessoa reconhecidamente envolvida com o tráfico de drogas,
porém sem nenhuma condenação, pode se candidatar? Isso
não seria incompatível com a
seriedade exigida na política?"
Perigo
O perigo apontado por Brossard e também pelo ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Fernando Neves é a possibilidade de a sanção ser usada
como instrumento político para prejudicar adversários.
Os dois fazem um paralelo
com o Ato Constitucional número 5, que vigorou durante o
regime militar, e que previa a
cassação dos direitos políticos
de um cidadão apenas denunciado (réu em ação penal, mas
sem condenação).
"Isso gerou muita injustiça.
O que me preocupa é o juízo objetivo sobre quem é elegível.
Não pode ser uma mera acusação. Todos os acusados no sanguessuga são culpados? E se um
for inocente?", disse Neves. "A
preocupação do TRE é louvável, mas sem base jurídica."
"A legislação é clara ao dizer
que é inelegível aquele que já
tem uma condenação definitiva", afirmou o ex-ministro.
Uma alternativa apontada
por Neves é um projeto de lei
que tramita no Senado, ainda
em fase inicial, e que torna inelegível aquele que tem dupla
condenação, mesmo que ainda
caibam recursos em tribunais
superiores.
O presidente do Instituto dos
Advogados de São Paulo, Tales
Castelo Branco, considera a
sanção do tribunal aconselhável pelo aspecto ético, mas "infelizmente" inconstitucional.
"Foi uma decisão moral, não legal. Deveria haver uma previsão para isso."
Para o advogado eleitoral Admar Gonzaga a sanção do TRE
contraria a Constituição e a jurisprudência que tem norteado
os tribunais. "Existe uma atitude muito forte nos tribunais no
sentido de que não se pode cassar direitos políticos antes do
processo ser concluído. Caso
contrário, a insegurança política seria grande."
Eduardo Nobre, também advogado eleitoral, diz que as leis
brasileiras não podem ser desprezadas. "Não podemos ignorar os princípios da Constituição Federal, que fazem a nossa
sociedade funcionar, só para
tentar resolver um problema."
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