São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / REGRAS DO JOGO

Decisão inédita do TRE divide advogados

Maioria dos especialistas consultados pela Folha vê risco de instabilidade política em cassação de candidatura de sanguessugas

Paulo Brossard cogita a possibilidade de sanção político-administrativa, antes de condenação, para garantir lisura da eleição


LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de proibir a candidatura de deputados federais acusados no escândalo dos sanguessugas -de aquisição de ambulância superfaturada por meio de emenda parlamentar- é vista com cautela por advogados consultados pela Folha, que divergem sobre a legitimidade da medida.
Para a maioria, o fato de ainda não existir um condenação penal definitiva contra os parlamentares torna a decisão inconstitucional, já que um dos princípios da legislação é o de que ninguém será considerado culpado até o trânsito final do processo -quando não há mais possibilidade de recursos.
Paulo Brossard, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1989 e 1994, não discorda deste preceito, mas levanta uma outra possibilidade: a de o tribunal, diante de uma situação que considere grave, adotar sanções político-administrativas como forma de garantir a lisura de uma eleição. Tal alternativa dispensaria a exigência de uma condenação definitiva.
"A situação é curiosa. Afinal, o tribunal tem o poder de correição para tentar preservar a lisura da eleição? Eu entendo que sim. Entendo que não se trata de um processo penal, mas político-administrativo. Mas entendo também que isso pode ser perigoso, já que pode dar margem a represálias contra políticos", disse Brossard.
O próprio presidente do TRE do Rio, Roberto Wider, disse que a decisão seguiu o princípio da moralidade, sem vínculo com questões penais.
Para Brossard, que ressalta não ter uma opinião fechada sobre o assunto, a decisão do Rio é importante por ensejar uma discussão até hoje inédita no Brasil. "Um exemplo: uma pessoa reconhecidamente envolvida com o tráfico de drogas, porém sem nenhuma condenação, pode se candidatar? Isso não seria incompatível com a seriedade exigida na política?"

Perigo
O perigo apontado por Brossard e também pelo ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Fernando Neves é a possibilidade de a sanção ser usada como instrumento político para prejudicar adversários.
Os dois fazem um paralelo com o Ato Constitucional número 5, que vigorou durante o regime militar, e que previa a cassação dos direitos políticos de um cidadão apenas denunciado (réu em ação penal, mas sem condenação).
"Isso gerou muita injustiça. O que me preocupa é o juízo objetivo sobre quem é elegível. Não pode ser uma mera acusação. Todos os acusados no sanguessuga são culpados? E se um for inocente?", disse Neves. "A preocupação do TRE é louvável, mas sem base jurídica."
"A legislação é clara ao dizer que é inelegível aquele que já tem uma condenação definitiva", afirmou o ex-ministro.
Uma alternativa apontada por Neves é um projeto de lei que tramita no Senado, ainda em fase inicial, e que torna inelegível aquele que tem dupla condenação, mesmo que ainda caibam recursos em tribunais superiores.
O presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, Tales Castelo Branco, considera a sanção do tribunal aconselhável pelo aspecto ético, mas "infelizmente" inconstitucional. "Foi uma decisão moral, não legal. Deveria haver uma previsão para isso."
Para o advogado eleitoral Admar Gonzaga a sanção do TRE contraria a Constituição e a jurisprudência que tem norteado os tribunais. "Existe uma atitude muito forte nos tribunais no sentido de que não se pode cassar direitos políticos antes do processo ser concluído. Caso contrário, a insegurança política seria grande."
Eduardo Nobre, também advogado eleitoral, diz que as leis brasileiras não podem ser desprezadas. "Não podemos ignorar os princípios da Constituição Federal, que fazem a nossa sociedade funcionar, só para tentar resolver um problema."


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