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NO PLANALTO
Filantropia da viúva banca escola da vizinhança chique de FHC
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A Faap (Fundação Armando
Álvares Penteado) fica a
uma estirada de pernas do apartamento de FHC em São Paulo.
Coisa de dez minutos, a passos
lassos. Ali funciona, sob pé-direito
generoso, uma tradicional escola
privada paulistana. Ministra cursos variados: de artes a engenharia.
A instituição atende a uma
clientela bem-posta. Gente com
bolso para pagar mensalidades
de até R$ 1.160. O nome do bairro
em que está assentada é oportuno: Higienópolis. Evoca a idéia de
asseio, de salubridade. Batizaram-no assim, em tempos idos,
para estabelecer um contraste
com bairros da periferia, onde
grassavam, em meio à imundície,
moléstias como varíola e febre
amarela.
Vista do ângulo dos seus estatutos, a Faap é uma organização
sem fins lucrativos. Observada a
partir dos balanços, é uma empresa rentabilíssima. Fatura algo
como R$ 80 milhões por ano. Remunera bem os seus professores.
Gaba-se de oferecer o que há de
mais moderno em equipamentos.
Iniciou o ano às voltas com um
superávit de R$ 18 milhões, obtido
no exercício de 2000. Aplica as sobras em ações, ouro e fundos de
investimento.
Esse portento do mundo dos negócios educacionais não paga impostos. Graças a um documento
da Previdência, apelidado pela
burocracia de Cebas (Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social), a Faap deixa de recolher aos cofres públicos cerca de
R$ 12 milhões por ano. Em troca,
deveria prestar assistência à malta. Deveria, mas...
A miséria só entra na Faap em
ficção. Assim mesmo de raro em
raro, quando o enredo de alguma
peça encenada no confortável
teatro da escola -420 lugares-
pede a presença de personagem
pobre no palco.
Manda a lei que filantrópicas
como a Faap invistam em caridade pelo menos 20% de sua receita.
Uma forma de seguir a regra seria
a concessão de bolsas de estudo à
ralé. Há na escola 8.000 universitários. Pelo menos 1.600 deveriam
ser bolsistas carentes.
Em visita aos livros contábeis
da Faap, o INSS constatou que a
escola destina à filantropia não
20%, mas desprezíveis 1,16% da
receita. "A lei está me pedindo para engarrafar um raio de sol", diz
Américo Fialdini Jr., diretor tesoureiro da Faap. "O carente definido em lei -R$ 300 de renda familiar mensal- infelizmente
não chega ao terceiro grau. Qual
a universidade do país que atende a descamisados?"
A Faap simula respeito à legislação injetando na conta de "gratuidades" uma obrigação trabalhista -a concessão de bolsas a
funcionários e a seus parentes- e
uma esperteza -suposto desconto generalizado a todos os alunos,
mesmo os mais endinheirados.
Chega-se, então, ao seguinte
disparate: o mesmo governo que,
de pires na mão, convive com greves em universidades públicas e
postos do INSS patrocina, com o
beneplácito da Previdência, escola que serve à vizinhança abastada de FHC.
Certo estava o soberano quando disse que "o Brasil não é um
país subdesenvolvido, é um país
injusto". O diabo é que o autor da
frase, perto de concluir o segundo
mandato, não move um dedo para pôr fim à indústria nacional da
filantropia, cuja matriz funciona
numa sala da Previdência.
É a sala que abriga o CNAS
(Conselho Nacional de Assistência Social). Integram-no 18 conselheiros, entre representantes do
Estado e da sociedade. São eles
que outorgam às entidades o título de "filantrópica", renovável a
cada três anos. Há coisa de um
mês, a Faap renovou o seu certificado.
A análise do processo não teve a
merecida publicidade. Relatou-o
a conselheira Dora Silvia Cunha
Bueno, que representa no conselho a Federação Brasileira das Associações Cristãs de Moços. Com
o apoio dos demais conselheiros,
Dora mandou ao arquivo auditoria do INSS que recomendava a
cassação do certificado da Faap.
Afora a ausência de dispêndios
sociais, os fiscais pescaram na escrituração da entidade excentricidades incompatíveis com a fachada humanitária. Proibidos
por lei de receber remuneração, os
dirigentes da Faap dispõem de
cartões de crédito pagos pela escola.
É remuneração disfarçada, acusa o INSS. Compraram-se jóias e
tecidos sintéticos, caixas de charuto e de champanhe. A nota da
bebida informava no verso: destinada a uso da diretoria.
O diretor tesoureiro da Faap explica que os cartões de crédito são
utilizados pelos diretores quando
a serviço da escola. Algo que não
restou comprovado na fiscalização. As jóias teriam sido presenteadas a palestrantes estrangeiras. O champanhe e os charutos
foram atrativos de festas oferecidas a personalidades.
Se parasse de se servir do dinheiro alheio, obtido à custa da
isenção fiscal ilegítima, a Faap
poderia converter-se em bufê,
com direito a caviar no menu, e
ninguém teria nada com isso.
Mas, de fato, espanta que entidade dita beneficente e de assistência social dê-se a tais desfrutes.
Américo Fialdini Jr., que além
de diretor tesoureiro da Faap é
advogado militante, orgulha-se
da transparência de sua contabilidade: "É sabido que muitas instituições fazem algo para inglês
ver. (...) Se alguém me diz que não
cumprimos exatamente a lei, digo
que fazemos o mais próximo disso. Prefiro isso a fazer fajutagem
que transforme a fundação em algo desonesto". Honestidade por
aproximação, eis a filosofia que
norteia a ação da Faap.
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