São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001

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NO PLANALTO

Filantropia da viúva banca escola da vizinhança chique de FHC

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) fica a uma estirada de pernas do apartamento de FHC em São Paulo. Coisa de dez minutos, a passos lassos. Ali funciona, sob pé-direito generoso, uma tradicional escola privada paulistana. Ministra cursos variados: de artes a engenharia.
A instituição atende a uma clientela bem-posta. Gente com bolso para pagar mensalidades de até R$ 1.160. O nome do bairro em que está assentada é oportuno: Higienópolis. Evoca a idéia de asseio, de salubridade. Batizaram-no assim, em tempos idos, para estabelecer um contraste com bairros da periferia, onde grassavam, em meio à imundície, moléstias como varíola e febre amarela.
Vista do ângulo dos seus estatutos, a Faap é uma organização sem fins lucrativos. Observada a partir dos balanços, é uma empresa rentabilíssima. Fatura algo como R$ 80 milhões por ano. Remunera bem os seus professores. Gaba-se de oferecer o que há de mais moderno em equipamentos. Iniciou o ano às voltas com um superávit de R$ 18 milhões, obtido no exercício de 2000. Aplica as sobras em ações, ouro e fundos de investimento.
Esse portento do mundo dos negócios educacionais não paga impostos. Graças a um documento da Previdência, apelidado pela burocracia de Cebas (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social), a Faap deixa de recolher aos cofres públicos cerca de R$ 12 milhões por ano. Em troca, deveria prestar assistência à malta. Deveria, mas...
A miséria só entra na Faap em ficção. Assim mesmo de raro em raro, quando o enredo de alguma peça encenada no confortável teatro da escola -420 lugares- pede a presença de personagem pobre no palco.
Manda a lei que filantrópicas como a Faap invistam em caridade pelo menos 20% de sua receita. Uma forma de seguir a regra seria a concessão de bolsas de estudo à ralé. Há na escola 8.000 universitários. Pelo menos 1.600 deveriam ser bolsistas carentes.
Em visita aos livros contábeis da Faap, o INSS constatou que a escola destina à filantropia não 20%, mas desprezíveis 1,16% da receita. "A lei está me pedindo para engarrafar um raio de sol", diz Américo Fialdini Jr., diretor tesoureiro da Faap. "O carente definido em lei -R$ 300 de renda familiar mensal- infelizmente não chega ao terceiro grau. Qual a universidade do país que atende a descamisados?"
A Faap simula respeito à legislação injetando na conta de "gratuidades" uma obrigação trabalhista -a concessão de bolsas a funcionários e a seus parentes- e uma esperteza -suposto desconto generalizado a todos os alunos, mesmo os mais endinheirados.
Chega-se, então, ao seguinte disparate: o mesmo governo que, de pires na mão, convive com greves em universidades públicas e postos do INSS patrocina, com o beneplácito da Previdência, escola que serve à vizinhança abastada de FHC.
Certo estava o soberano quando disse que "o Brasil não é um país subdesenvolvido, é um país injusto". O diabo é que o autor da frase, perto de concluir o segundo mandato, não move um dedo para pôr fim à indústria nacional da filantropia, cuja matriz funciona numa sala da Previdência.
É a sala que abriga o CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social). Integram-no 18 conselheiros, entre representantes do Estado e da sociedade. São eles que outorgam às entidades o título de "filantrópica", renovável a cada três anos. Há coisa de um mês, a Faap renovou o seu certificado.
A análise do processo não teve a merecida publicidade. Relatou-o a conselheira Dora Silvia Cunha Bueno, que representa no conselho a Federação Brasileira das Associações Cristãs de Moços. Com o apoio dos demais conselheiros, Dora mandou ao arquivo auditoria do INSS que recomendava a cassação do certificado da Faap.
Afora a ausência de dispêndios sociais, os fiscais pescaram na escrituração da entidade excentricidades incompatíveis com a fachada humanitária. Proibidos por lei de receber remuneração, os dirigentes da Faap dispõem de cartões de crédito pagos pela escola.
É remuneração disfarçada, acusa o INSS. Compraram-se jóias e tecidos sintéticos, caixas de charuto e de champanhe. A nota da bebida informava no verso: destinada a uso da diretoria.
O diretor tesoureiro da Faap explica que os cartões de crédito são utilizados pelos diretores quando a serviço da escola. Algo que não restou comprovado na fiscalização. As jóias teriam sido presenteadas a palestrantes estrangeiras. O champanhe e os charutos foram atrativos de festas oferecidas a personalidades.
Se parasse de se servir do dinheiro alheio, obtido à custa da isenção fiscal ilegítima, a Faap poderia converter-se em bufê, com direito a caviar no menu, e ninguém teria nada com isso. Mas, de fato, espanta que entidade dita beneficente e de assistência social dê-se a tais desfrutes.
Américo Fialdini Jr., que além de diretor tesoureiro da Faap é advogado militante, orgulha-se da transparência de sua contabilidade: "É sabido que muitas instituições fazem algo para inglês ver. (...) Se alguém me diz que não cumprimos exatamente a lei, digo que fazemos o mais próximo disso. Prefiro isso a fazer fajutagem que transforme a fundação em algo desonesto". Honestidade por aproximação, eis a filosofia que norteia a ação da Faap.



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