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JANIO DE FREITAS
As crias das ditaduras
Por alguma das tantas razões obscuras do jornalismo
brasileiro, por aqui não mereceu nem a mínima atenção a
notícia que, no domingo, assombrou a Argentina, e não era
para menos. Um tanto assombrados, a rigor, os argentinos
-população e governo Kirchner- já estavam com a onda
cada vez maior e mais indomável de sequestros, convencionais
e sobretudo do tipo relâmpago.
Os argentinos já sabem que
investigações muito sigilosas
chegaram a um primeiro resultado (ou só esse foi liberado ao
conhecimento público). Centenas de telefonemas, talvez mesmo uns 700, dados por sequestradores tiveram, em uma das
pontas, um telefone que ninguém imaginaria: é do comando do Exército argentino.
A degenerescência dos setores
incumbidos da segurança nacional, dos níveis policiais aos
mais elevados, é um legado que
tardará muito a se apagar nos
países latino-americanos vitimados pelo ciclo das ditaduras
militares. O caso brasileiro é
menos grave que o argentino e o
chileno quanto ao setor militar,
mas muito mais grave quanto à
degradação das polícias. E, ao
que se pode supor, equivalente
aos demais nas ramificações de
agentes dos "extintos" serviços
de espionagem interna (os SNIs
de cá e de lá) já no regime democratizado de tais países.
No Brasil, as gravações telefônicas investigadas levaram,
quase todas, a ex-agentes do
SNI e dos serviços militares de
informação. Por isso as investigações deram em nada: ou os
autores das gravações ilegais
continuam ligados aos serviços
controlados por militares, e recebem proteção em vez da devida punição, ou é gente que sempre sabe o bastante, inclusive
por uso de gravações, para se fazer temido e não ameaçado. Assim se explica que o Brasil seja,
de anos para cá, o paraíso dos
grampeadores.
Mas nem só de grampeadores
se faz a continuação dos vícios e
práticas criminosas por integrantes dos porões ditatoriais.
Entre os já apanhados pela Operação Anaconda em São Paulo,
por exemplo, não falta quem tenha desfrutado do direito de
abusos de toda a espécie, por
servir à ditadura, e não abriu
mão da mesma liberdade quando a ordem das coisas se alterou.
Alguns destes podem se dar mal,
por exagero ou por acaso.
O que se alterou de fato, nos
últimos anos, foi mais nas formalidades do que nas instituições. O SNI, inexistente no governo Fernando Henrique, jamais deixou de existir. De início,
ativo no próprio Palácio do Planalto, sob o nome de Secretaria
de Segurança Institucional, o
que explica os tantos telefonemas do então juiz Nicolau dos
Santos Neto para militares da
secretaria. Os agentes do SNI
não haviam perdido o emprego.
Mais tarde reassegurado ou ampliado com a criação da Abin.
Mesmo que falando em "serviço democrático" da Abin, o governo está apenas continuando
a retomada a que Fernando
Henrique deu início com a
Abin. Por tudo o que consta, a
Abin do governo está repleta
das figuras físicas e jurídicas do
SNI. E isso não tem significações
apenas para o presente, mas para o futuro que esses serviços
costumam praticar fora das
suas atividades regulares.
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