São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2004

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PÚBLICO & PRIVADO

Medida do ministro permitirá o acesso de órgãos da administração inclusive a movimentações bancárias

Palocci autoriza acesso a bases da Receita

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, autorizou, por despacho, acesso dos órgãos da administração à base da Receita Federal, incluindo a movimentação bancária. Publicada no "Diário Oficial" de 29 de setembro, a medida permite que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional -representante da União nos processos de execução fiscal- obtenha, on-line, dados fiscais e bancários do contribuinte sem autorização judicial.
A decisão é amparada num parecer da própria Procuradoria, segundo o qual "o Estado é um só". Daí a possibilidade de compartilhamento das "informações econômico-fiscais" sem que seja considerado quebra de sigilo.
Pela decisão, a troca de informações entre a Receita e a Procuradoria "deve ser ampla e irrestrita", e "o compartilhamento de informações entre órgãos integrantes da administração tributária federal não significa quebra de sigilo". Nesse caso, a "custódia da informação sigilosa passa para o respectivo solicitante".
Ainda segundo o despacho, a consulta tem de ser justificada administrativamente e um termo aditivo a convênio existente permitirá acesso on-line à base de dados. Como a compatibilização do sistema depende de um trabalho do Serpro, a abertura só deve ocorrer em janeiro próximo.
Para a Procuradoria, o grande avanço será o acesso à movimentação bancária do contribuinte, fornecida mensalmente pelo BC à Receita. Avalista do parecer, assinado pela procuradora Denise Lucena Cavalcante, a procuradora-geral-adjunta da Fazenda Nacional, Telma Bertão Correia Leal, não esconde a intenção: com base nas informações, o bloqueio direto -e também por meio eletrônico- das contas dos contribuintes em dívida com a União.
Além disso, há outras vantagens. Hoje, é disponibilizado à Procuradoria o cadastro do Imposto de Renda de Pessoa Física, por exemplo. Mas as declarações só são fornecidas em papel, em atendimento a ofícios. Com a medida, os procuradores terão senhas de acesso direto ao sistema.

Violação
Embora o despacho assinado por Palocci trate exclusivamente dos órgãos da administração tributária federal, a medida aprova um parecer que, ocupando três páginas do "Diário Oficial", condena o sigilo absoluto e prega a troca de informações em toda administração pública.
Para juristas, no entanto, a medida fere o princípio, assegurado no artigo 5º da Constituição, de que o sigilo de dados é inviolável. Além de ameaça a um direito constitucional, para o advogado Álvaro Luís Fleury Malheiros, esse conceito de Estado único é "extremamente perigoso".
"É uma visão totalitária com a qual não posso concordar, como cidadão ou advogado", criticou.
Após analisar o parecer e seu regimento interno a pedido da Folha, Malheiros ressaltou que, apesar de pregar a troca de informações entre órgãos da administração fazendária, a Procuradoria é representante legal da União. "Não é órgão de fiscalização nem de administração fazendária. Esse parecer força um pouco", frisou.
Para o advogado Ives Gandra, é flagrante a quebra de sigilo na medida. Segundo ele, até pelo instrumento legal -um despacho- essa decisão afronta a Constituição, ainda que a Lei Complementar 105/2001, na qual se baseia, seja mantida pelo Supremo Tribunal Federal.
Chamando o Estado de Grande Irmão, numa alusão ao livro "1984", de George Orwell, Gandra lembra lembra que existem três ações de inconstitucionalidade contra a lei complementar que permitiu a transferência automática de dados do Banco Central à Receita. "Mesmo que seja considerado legal, esse despacho é inconstitucional porque alarga o alcance dessa quebra de sigilo. Estão pisoteando a Constituição."
Bertão, por sua vez, diz que tem interpretação diferente da Constituição. Para ela, o sigilo não está previsto na Constituição. Além disso, argumenta, "ninguém está violando sigilo. Mas compartilhando o dever de sigilo". "A gente sabia que o parecer provocaria polêmica. O Judiciário é que vai se pronunciar."


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