São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2007

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Para analista, Congresso não deveria só ratificar Venezuela

Professor diz que Legislativo pode definir antes restrições a acordos internacionais

Segundo Fabiano Santos, discussão sobre Chávez põe em debate modo como parlamentares participam de temas da política externa

MICHELE OLIVEIRA
DA REDAÇÃO

A alta temperatura da discussão da última quarta-feira entre deputados sobre a entrada da Venezuela no Mercosul, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, põe em debate o modo como o Congresso Nacional participa atualmente de decisões de assuntos de política externa. Atualmente com o poder de ratificar ou não acordos fechados pelo Executivo, o Congresso deveria ser chamado antes ao debate. É o que defende Fabiano Santos, 43, doutor em ciência política, coordenador há três anos do Núcleo de Estudos Sobre o Congresso, do Iuperj. "Acho que pode mudar a metodologia, não simplesmente ter um Congresso ratificador, mas ter outras possibilidades", afirma ele, favorável ao ingresso do país de Hugo Chávez no Mercosul. Na quarta-feira, a CCJ deveria ter discutido só os aspectos jurídicos da entrada da Venezuela no bloco. No entanto, deputados gastaram horas debatendo se o venezuelano é um ditador e se seu país é uma democracia. Para o professor, o Congresso poderia "definir antes limites e restrições daquilo que o governo pode fazer".  

FOLHA - Documento produzido pelo núcleo que o sr. coordena diz que o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul tem provocado um debate "sem precedentes". Por quê?
FABIANO SANTOS
- Acho que os planos doméstico e externo estão muito casados hoje em dia. Com a globalização e a abertura de mercados, a política externa passou a ter impactos muito visíveis sobre interesses no âmbito interno. Evidentemente que as forças políticas começam também a se organizar. No caso da Venezuela, temos ainda toda a carga emocional que Hugo Chávez provoca. A questão da adesão ao Mercosul passou a ter uma simbologia específica e exagerada. Mas é uma tendência que vai se aprofundar.

FOLHA - E como fica o Congresso nessa tendência?
SANTOS
- O que a gente percebe no passado recente é que uma vez ou outra o Congresso reagiu a um acordo internacional que o Executivo formulou num fórum externo. Mas é algo muito custoso o governo dar sua palavra no âmbito externo e o Congresso dizer "não". Existe uma maneira mais inteligente de fazer isso -o Congresso definir antes limites e restrições daquilo que o governo pode fazer, e o governo vai lá e faz, com uma delegação bem definida no âmbito externo. Mas no caso brasileiro, não. O Congresso tem poder ratificador, se ele resolve dizer "não", acabou. Isso ocorreu muito raramente. Mas como está havendo essa politização das questões externas é natural que o Congresso comece a tentar obter diferentes maneiras de interferir nisso. Existem várias propostas de emendas constitucionais para estabelecer uma nova metodologia de discussão de assuntos externos no Congresso.

FOLHA - O sr. tem críticas ao modo como esses temas tramitam hoje?
SANTOS
- Sim, o poder ratificador. Eu acho que o Executivo tem que discutir com o Congresso aquilo que é razoável, que é possível fazer.

FOLHA - Antes de pedir aprovação?
SANTOS
- Isso, antes de ir para um fórum externo e discutir. Acho que pode mudar a metodologia, não simplesmente ter um Congresso ratificador, mas ter outras possibilidades, outras maneiras de discutir essas questões internacionais.

FOLHA - O sr. critica também a politização em torno desses temas internacionais?
SANTOS
- Aí a questão é discutir o que pode trazer mais vantagens para o país. Acho que as críticas podem ser feitas à política do Hugo Chávez, ao que está acontecendo na Venezuela, mas isso não pode desembocar numa decisão dramática de acabar dizendo "não" de uma forma peremptória, quando na verdade o que está em jogo é apenas uma delegação para o Executivo discutir as condições em que a adesão vai se dar.

FOLHA - Se ao Congresso cabe analisar aspectos técnicos, em que esfera a discussão política pode ocorrer?
SANTOS
- Acho que é no âmbito cabível no Mercosul. Está havendo uma desconsideração da própria institucionalidade do Mercosul na discussão de partes de setores do Congresso, que se precipitam na crítica para tentar desgastar uma política do governo e desconsideram questões fundamentais.

FOLHA - Como o sr. avalia a discussão quente na CCJ?
SANTOS
- Acho que faz parte. É pena que um assunto que poderia ser feito de maneira mais substantiva tenha tido essa fanfarronice -que o Chávez estimula- prevalecendo. É pena, mas faz parte do jogo.


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