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UM ANO DE LULA
Retração econômica e concorrência com programa social do PT provocam queda de receita no terceiro setor
Com Fome Zero, ONGs perdem doações
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
A combinação entre retração
econômica e campanha agressiva
do governo para arrecadar contribuições para o Fome Zero gerou,
em 2003, um quadro de crise para
as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que prestam serviços sociais. Queda de receita de
até 30% vem obrigando instituições a recorrer a empréstimos, reduzir sua assistência e mudar seus
planos de atuação.
Cerca de 185 mil famílias, por
exemplo, deixaram de receber este ano a cesta de alimentos oferecida pela campanha Natal Sem
Fome promovida pela Ação da
Cidadania, tradicional ONG fundada pelo sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho [1935-1997], no
Rio de Janeiro.
No ano passado, a campanha de
distribuição nacional atingiu 585
mil famílias, segundo Maurício
Andrade, coordenador da ONG.
Neste ano o número não deverá
passar de 400 mil, segundo as
contas dele. Isso porque a doação
de alimentos foi 31% inferior à de
2002, atingindo cerca de 4.000 toneladas. "Nós até conseguimos
ampliar o número de parceiros
neste ano, que já são cerca de 700.
O problema é que a doação média
das empresas caiu bastante, de 10
toneladas para algo entre duas e
três", afirma Andrade.
Para ele, a crise econômica é a
causa número um desta redução
nas contribuições. Em segundo
lugar vem a concorrência com o
Fome Zero- principal programa
social do governo petista.
Esse contexto também afetou
outras ONGs, de hospitais beneficentes a entidades dedicadas a
cuidar de pessoas portadoras de
deficiência mental.
Dívidas
O Hospital Pequeno Príncipe,
em Curitiba, é uma entidade filantrópica que atende principalmente crianças carentes. Cerca de
70% do seu público vem do Sistema Único de Saúde (SUS), outros
30% são clientes de planos privados que buscam atendimento infantil específico.
Neste ano, as verbas do SUS não
acompanharam os aumentos de
custos do hospital e os repasses
dos planos minguaram. Com isso,
a receita líquida do hospital, usada em reinvestimentos, despencou de R$ 571 mil, em 2002, para
cifra próxima a zero, neste ano.
Para não ter de postergar investimentos ou reduzir o atendimento, a administração do hospital recorreu ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O empréstimo
contraído foi de R$ 2 milhões.
"Tivemos de fazer isso para
honrar nossos compromissos",
diz Orlei Negrello, diretor-administrativo do hospital.
Embora seja bastante conhecida
e tenha receitas praticamente fixas como o chamado "teste do pezinho" (exame feito em bebês para detectar a existência de doenças mentais), a Apae-SP (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo) também teve queda na sua receita neste ano.
A captação de recursos caiu
34%, de R$ 1,880 milhão para R$
1,240 milhão. Só as contribuições
espontâneas de pessoas físicas
despencaram 47%, de R$ 250 mil
para R$ 133 mil.
Com tudo isso, a receita total somou R$ 11,627 milhões, ficando
muito aquém dos gastos de R$
15,186 milhões. A diferença saiu
das reservas da entidade. "Tivemos de gastar tudo o que tínhamos na reserva", diz Aracélia Mafra, coordenadora-geral.
Segundo Mafra, a situação econômica do país neste ano tem levado à redução de recursos direcionados à filantropia: "Para
mim, a queda nas doações de pessoas físicas é sinal claro disso".
O programa Fome Zero, para
ela, contribui, indiretamente, para isso, à medida que se trata de
mais um projeto em busca de investimentos. A opinião é compartilhada por Nelson de Almeida,
diretor da Casa Transitória, ONG
que oferece serviços variados à
população carente, que vão da assistência a gestantes ao acolhimento de mulheres idosas.
"Além da redução dos investimentos sociais privados, o Fome
Zero passou a concorrer também
por esse volume menor de doações, sendo que o governo tem
forte poder de mobilização da sociedade", diz Almeida.
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